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CAPÍTULO 2 - SINDICÂNCIA NA ESFERA MILITAR

2.4. DIREITO CONSTITUCIONAL DE PERMANECER EM SILÊNCIO

O sindicado poderá exercer o direito ao silêncio quanto às questões fáticas relacionadas à sindicância, excetuando-se seus dados pessoais para qualificação, como, por exemplos, nome, endereço, local de trabalho, etc.

O fato de o militar negar-se a responder as perguntas do sindicante, caso figure como investigado, não poderá ser motivo para punição disciplinar, sob pena da nulidade da punição. E por consequência desta ilegalidade, a autoridade militar que ordenar ou executar a punição poderá ser processada pelo crime de abuso de autoridade1.

O TRF5 assim se pronunciou sobre o direito ao silêncio do militar na sindicância:

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FORÇAS ARMADAS. MARINHA. DANOS MORAIS. SINDICÂNCIA. RELATÓRIO QUE INOCENTA O MILITAR, MAS APONTA A OCORRÊNCIA DE OUTRAS TRANSGRESSÕES. PRIVILÉGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE PUNIR MILITAR POR CONTRADIÇÃO OU OMISSÃO SE ESTAVA SENDO INVESTIGADO POR SUPOSTO ILÍCITO PENAL. INDIGNAÇÃO EXPRESSA NA PRISÃO. INCABÍVEL A APLICAÇÃO DE PENA DISCIPLINAR. AÇÃO ANTERIOR RECONHECENDO A ILEGALIDADE DA EXCLUSÃO DO SERVIÇO MILITAR. 1. A administração militar, ao apreciar relatório de sindicância, não pode deixar de levar em consideração a situação de investigado do militar. 2. O privilégio contra a auto-incriminação, que significa não apenas o direito de permanecer em silêncio, como até mesmo a possibilidade de negar, ainda que falsamente, a prática da infração penal (cf. STF, HC 68929-SP, Rel. Min. Celso de Mello), abrange qualquer indiciado, acusado ou até mesmo testemunha (STF, HC 75.244-8/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). 3. Não podem ser levados em consideração, ainda que para fins de aplicação de pena disciplinar, omissão ou contradição do investigado no interrogatório prestado durante apuração de suposto ilícito penal. 4. Impossível exigir de quem está recolhido ao cárcere que não mencione a intenção de obter reparação por eventuais danos sofridos. A indignação de quem se diz inocente, expressada no momento do interrogatório, jamais pode ser motivo de punição. 5. Ocorrência dos danos morais reforçada em razão do reconhecimento, em ação anterior, da ilegalidade da exclusão do serviço militar. 6. Provimento parcial da apelação. (TRF5 – AC nº 25.882/PB – 4ª Turma – Relator Desembargador Federal Manuel Maia – DJ de 04.02.2003)

 

Entretanto, há um detalhe de suma importância: se o militar a ser interrogado foi, irregularmente2, considerado pelo sindicante como testemunha3, mas de fato seja o sindicado, deverá alegar4 sua condição de investigado (sindicado) e não de testemunha, exigindo-se que tal afirmação conste no depoimento, a fim de que, querendo, negue-se5 a responder as perguntas fáticas. Tal situação já ocorreu com um cliente6, que na verdade era o investigado numa sindicância e não testemunha.

Às vezes, talvez até por desconhecimento, o próprio sindicante comete a falha de considerar o sindicado como testemunha, noutras vezes, faz com má-fé, a fim de que a testemunha (sindicado) seja obrigada a falar.

O STF entende que o errôneo enquadramento de testemunha ao invés de investigado não prejudica o direito constitucional ao silêncio, conforme se pode extrair da seguinte decisão:

 

1. Habeas Corpus. 2. Falso testemunho (CPM, art. 346). 3. Negativa em responder às perguntas formuladas. Paciente que, embora rotulado de testemunha, em verdade encontrava-se na condição de investigado. 4. Direito constitucional ao silêncio. Atipicidade da conduta. 5. Ordem concedida para trancar a ação penal ante patente falta de justa causa para prosseguimento. (STF - HC nº 106876 – 2ª Turma - Relator Ministro Gilmar Mendes - DJe-125 de 30.06.2011)

 

Sugiro a leitura do subtópico 3.2.5 deste livro que trata do direito ao silêncio em sede de IPM.

 

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1Ver Capítulo 5 que trata do abuso de autoridade.

 

2ADMINISTRATIVO - MILITAR - PUNIÇÃO DISCIPLINAR - FATO APURADO NA CONDIÇÃO DE TESTEMUNHA EM SINDICÂNCIAS INSTAURADAS PELA MARINHA - AUSÊNCIA DO DIREITO AO SILÊNCIO - PRODUÇÃO DE PROVA CONTRA SI - MITIGAÇÃO DO ART. 5º, INCISO LXIII, DA CRFB - IMPOSSIBILIDADE - ANULAÇÃO DA SINDICÂNCIA E DA PUNIÇÃO - CABIMENTO. 1. Não obstante se constituir um exercício regular da Administração Castrense a instauração de procedimentos administrativos disciplinares, com o propósito de apuração da prática de crimes e contravenções por militares, é certo que tais procedimentos estão sujeitos aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, incisos LIV E LV, da CRFB), bem como ao princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir provas contra si (artigo 5º, LXIII, da CRFB), cuja observância também é obrigatória no âmbito administrativo, sob pena de nulidade do procedimento. 2. Conforme jurisprudência dos Tribunais Superiores, ainda que ao Judiciário não seja permitido o exame do mérito administrativo, deverá ele exercer o controle da regularidade, legalidade e da constitucionalidade do procedimento administrativo disciplinar. Precedentes: STF - MS 24803, REl. Min. JOAQUIM BARBOSA, TRIBUNAL PLENO, DJe 05/06/2009 e STJ - AGRESP 200901626722, REl. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJE :14/02/2011. 3. Se, da análise do teor das Portarias nº 13 e 17/2005, que instauraram sindicâncias no âmbito da Marinha, bem como das cópias dos termos de depoimento acostadas a estes autos, verifica-se, nitidamente, que o Autor, tanto na 1ª quanto na 2ª sindicância, embora tenha sido arrolado como testemunha, ostentava a condição de acusado, pela suposta prática do uso irregular de material farmacêutico sem autorização do médico ou enfermeiro de bordo, deveria ele ter sido ouvido na condição de acusado e não como testemunha, sob pena de mitigação do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição da República, sendo certo que as próprias Normas sobre Justiça e disciplina na Marinha do Brasil, no item nº 2.16.4 da DGPM-315, determinavam nova notificação e inquirição naquela condição. 4. Deve ser reconhecida a nulidade da punição disciplinar imposta ao Autor na 2ª sindicância instaurada pela Marinha (02 dias de prisão simples), “por faltar à verdade em depoimento prestado como testemunha”, uma vez que o acusado não pode ser responsabilizado pelo art. 7º, item 33 do RDM, quando, no intuito de se defender, falta com a verdade. 5. Precedentes: STJ - HC 47.125/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 02/05/2006, DJ 05/02/2007, p. 389; STJ - HC 57.420/BA, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 25/04/2006, DJ 15/05/2006, p. 308; TRF3 - REEXAME NECESSÁRIO CRIMINAL Nº 2008.61.81.012253-4/SP - 1ª Turma - Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar - Decisão de 12/01/2010 - Pub. 03/02/2010; TRF4 - HABEAS CORPUS Nº 200904000412718 - 7ª Turma - Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro - Decisão de 15/12/2009 - Pub. 13/01/2010; TRF5 - APELAÇÃO CRIMINAL Nº 200984000015410 - 1ª Turma - Rel. Des. Fed. Frederico Pinto de Azevedo - Decisão de 19/08/2010 - Pub. 31/08/2010. 6. Apelação cível provida. Sentença reformada. Procedência dos pedidos de anulação da sindicância inaugurada pela Portaria nº 17, de 03/10/2005, do Comando da Marinha, bem como de exclusão da punição disciplinar aplicada ao Autor no ano de 2005 de seus registros e/ou folha de alterações. Condenação da Ré em honorários advocatícios, no valor de R$1.500,00 (um mil e quinhentos reais). (TRF2 – AC nº 00155802320084025101 – 5ª Turma Especializada – Relator Desembargador Federal Marcus Abraham - DJ de 28.07.2014)

3A testemunha que na sindicância militar falsear a verdade, negar-se a falar ou omitir a verdade estará, em tese, praticando o delito penal militar previsto no art. 346 do CPM:

Art. 346. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, em inquérito policial, processo administrativo ou judicial, militar:

Pena - reclusão, de dois a seis anos.

Aumento de pena

§ 1º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado mediante suborno.

Retratação

§ 2º O fato deixa de ser punível, se, antes da sentença o agente se retrata ou declara a verdade.

4O mais prudente é estar acompanhado de um Advogado.

5O sindicado ou investigado tem o direito a permanecer em silêncio, já a testemunha tem a obrigação de depor sobre os fatos investigados na sindicância. Segue abaixo uma interessante decisão do TRF5:

PENAL. FALSO TESTEMUNHO. AUSÊNCIA DE DOLO. ABSOLVIÇÃO. 1. O crime de falso testemunho (art. 342 do CP) exige a vontade livre e consciente do agente em fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade, não sendo admitido na modalidade culposa. 2. Caso em que restou comprovado, pelos elementos probatórios acostados aos autos, que a declaração prestada pelo acusado, perante a Comissão de Processo Disciplinar instaurado contra servidor da FUNASA, na condição de testemunha, embora tachada de falsa, decorreu de equívoco de sua parte, estando desprovida de qualquer intenção de macular a verdade dos fatos apurados no referido processo administrativo. 3. Diante da ausência de dolo na conduta do réu, impõe-se o reconhecimento da correção do decreto absolutório. 4. Apelação improvida. (TRF5 – ACR nº 200680000000718 – 3ª Turma – Relator Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho – DJe de 13.02.2012)

6Foi orientado por mim a não responder nenhuma pergunta sobre o objeto da investigação, e felizmente, a sindicância foi arquivada. Informo que a sindicância foi iniciada em virtude de um ofício enviado por um Coronel da Reserva que queria que ele fosse punido disciplinarmente com nítido objetivo de perseguição e vingança.

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