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CAPÍTULO 19 - EFEITOS JURÍDICOS DA CONDENAÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR

19.12.1. CRIME DE DESERÇÃO

 

O delito penal militar de deserção está previsto na sua forma simples no art. 187 do CPM, sendo que ainda há outras modalidades de deserção discriminadas nos arts. 188 a 194 do mesmo diploma penal, esclarecendo-se, desde já, que somente àquele que possuir o status de militar poderá ser denunciado pelo crime de deserção, conforme enunciado do STM:

 

SÚMULA nº 12: A praça sem estabilidade não pode ser denunciada por deserção sem ter readquirido o status de militar, condição de procedibilidade para a persecutio criminis, através da reinclusão. Para a praça estável, a condição de procedibilidade é a reversão ao serviço ativo.

 

Todavia, conforme entendimento mais recente do STM, após o militar desertor ser denunciado e o magistrado receber a denúncia, estando, assim, iniciada a Ação Penal Militar, esse desertor poderá ser licenciado e o processo criminal seguirá seu curso normal, conforme se observa na leitura da seguinte ementa:

 

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. DESERÇÃO. REINCLUSÃO. LICENCIAMENTO DO DESERTOR DA FORÇA DURANTE O CURSO DO PROCESSO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE E DE PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS. DECISÃO MAJORITÁRIA. A reinclusão é condição de procedibilidade para o oferecimento da exordial acusatória, mas não há qualquer previsão legal de que essa configure obstáculo à prosseguibilidade do feito executório regularmente processado. Assim, é possível o desertor responder ao processo penal militar de conhecimento ou executório, mesmo tendo sido licenciado pela Administração Castrense. Recurso rejeitado. Decisão por maioria. (STM – Embargos Infringentes e de Nulidade nº 7000557-74.2020.7.00.0000 - Relator Ministro Luis Carlos Gomes Mattos - DJe de 01.10.2020)

 

Os arts. 187 e 188, que são os mais comuns e de principal interesse para nosso estudo, estão tipificados da seguinte forma:

 

Deserção

Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada.

Casos assimilados

Art. 188. Na mesma pena incorre o militar que:

I - não se apresenta no lugar designado, dentro de oito dias, findo o prazo de trânsito ou férias;

II - deixa de se apresentar a autoridade competente, dentro do prazo de oito dias, contados daquele em que termina ou é cassada a licença ou agregação ou em que é declarado o estado de sítio ou de guerra;

III - tendo cumprido a pena, deixa de se apresentar, dentro do prazo de oito dias;

IV - consegue exclusão do serviço ativo ou situação de inatividade, criando ou simulando incapacidade.

 

A deserção é um crime propriamente militar, ou seja, somente poderá ser praticada por militar, e em virtude dessa peculiaridade, é uma das exceções1 previstas no inciso LXI do art. 5º da CF/88:

 

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei2;

 

O inciso LXI na prática quer dizer o seguinte: o desertor poderá ser preso, independentemente de estar em flagrante delito, assim como, independerá de ordem judicial, ou seja, primeiro se prende, embora, às vezes, o desertor esteja acobertado por uma causa excludente de culpabilidade3.

Os arts. 452 e 453 do CPPM preveem, respectivamente, que o desertor poderá ser preso imediatamente após a consumação do delito, podendo permanecer preso, sem julgamento, por até 60 (sessenta) dias:

 

Art. 452. O termo de deserção tem o caráter de instrução provisória e destina-se a fornecer os elementos necessários à propositura da ação penal, sujeitando, desde logo, o desertor à prisão.

 

Art. 453. O desertor que não for julgado dentro de sessenta dias, a contar do dia de sua apresentação voluntária ou captura, será posto em liberdade, salvo se tiver dado causa ao retardamento do processo.

 

O STM possuía o seguinte “inconstitucional” enunciado (cancelado em 2018) com a proibição da concessão de liberdade ao desertor dentro do prazo de 60 (sessenta) dias previstos no art. 453:

 

SÚMULA nº 10: Não se concede liberdade provisória a preso por deserção, antes de decorrido o prazo previsto no art. 453 do CPPM.

 

A Súmula nº 10 do STM, datada de 1996 e cancelada em 2018, não era vinculante, mas sim uma orientação jurisprudencial para toda Justiça Militar da União, tendo ocorrido que, no decorrer dos anos, alguns magistrados começaram a ignorá-la, concedendo a liberdade provisória e aliado a isso, o STF começou, por volta do ano de 2007, a conceder habeas corpus para o fim de que desertores pudessem ser libertados mediante liberdade provisória quando não presentes os requisitos da prisão preventiva (arts. 2544 e 2555 do CPPM), conforme de verifica na ementa abaixo:

 

HABEAS CORPUS. 1. No caso concreto, alega-se falta de fundamentação de acórdão do Superior Tribunal Militar (STM) que revogou a liberdade provisória do paciente por ausência de indicação de elementos concretos aptos a lastrear a custódia cautelar. 2. Crime militar de deserção (CPM, art. 187). 3. Interpretação do STM quanto ao art. 453 do CPPM ("Art. 453. O desertor que não for julgado dentro de sessenta dias, a contar do dia de sua apresentação voluntária ou captura, será posto em liberdade, salvo se tiver dado causa ao retardamento do processo"). O acórdão impugnado aplicou a tese de que o art. 453 do CPPM estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias como obrigatório para a custódia cautelar nos crimes de deserção. 4. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a concessão da liberdade provisória, antes de ultimados os 60 (sessenta) dias, previstos no art. 453 do CPPM, não implica qualquer violação legal. O Parquet ressalta, também, que o decreto condenatório superveniente, proferido pela Auditoria da 8ª CJM, concedeu ao paciente o direito de apelar em liberdade, por ser primário e de bons antecedentes, não havendo qualquer razão para que o mesmo seja submetido a nova prisão. 5. Para que a liberdade dos cidadãos seja legitimamente restringida, é necessário que o órgão judicial competente se pronuncie de modo expresso, fundamentado e, na linha da jurisprudência deste STF, com relação às prisões preventivas em geral, deve indicar elementos concretos aptos a justificar a constrição cautelar desse direito fundamental (CF, art. 5º, XV - HC nº 84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, DJ 22.10.2004; HC nº 86.175/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 10.11.2006; HC nº 87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, maioria, DJ 24.11.2006; e HC nº 88.129/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, unânime, DJ 17.8.2007). 6. O acórdão impugnado, entretanto, partiu da premissa de que a prisão preventiva, nos casos em que se apure suposta prática do crime de deserção (CPM, art. 187), deve ter duração automática de 60 (sessenta) dias. A decretação judicial da custódia cautelar deve atender, mesmo na Justiça castrense, aos requisitos previstos para a prisão preventiva nos termos do art. 312 do CPP. Precedente citado: HC nº 84.983/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 11.3.2005. Ao reformar a decisão do Conselho Permanente de Justiça do Exército, o STM não indicou quaisquer elementos fático-jurídicos. Isto é, o acórdão impugnado limitou-se a fixar, in abstracto, a tese de que "é incabível a concessão de liberdade ao réu, em processo de deserção, antes de exaurido o prazo previsto no art. 453 do CPPM". É dizer, o acórdão impugnado não conferiu base empírica idônea apta a fundamentar, de modo concreto, a constrição provisória da liberdade do ora paciente (CF, art. 93, IX). Precedente citado: HC nº 65.111/RJ, julgado em 29.5.1987, Rel. Min. Célio Borja, Segunda Turma, unânime, DJ 21.8.1987). 7. Ordem deferida para que seja expedido alvará de soltura em favor do ora paciente. (STF – HC nº 89645 – 2ª Turma - Relator Ministro Gilmar Mendes – DJe de 28.09.2007)

 

Consta no voto referente à ementa acima transcrita a seguinte argumentação do Ministro-Relator sobre a possibilidade de concessão de liberdade provisória aos presos por deserção antes do término do prazo de 60 (sessenta) dias:

 

O acórdão impugnado, entretanto, partiu da premissa de que a prisão preventiva, nos casos em que se apure suposta prática do crime de deserção (CPM, art. 187), deve ter duração automática de 60 (sessenta) dias. (....) É dizer, mesmo na Justiça castrense, a decretação judicial da custódia cautelar deve atender, ao menos em tese, aos requisitos previstos para a prisão preventiva nos termos do art. 312 do CPP. Nesse contexto, não é possível conferir sustentação jurídica à interpretação do STM que presume como prazo mínimo o lapso de 60 (sessenta) dias. O silêncio do texto legislativo, no caso concreto, não deve ser automático ou necessariamente interpretado de maneira contrária à preservação do status libertartis do ora paciente.

 

Finalizando seu voto, o Ministro do STF manifestou-se sobre o prazo previsto no art. 453 do CPPM:

 

Diante do exposto, vislumbro que o acórdão impugnado não conferiu base empírica idônea apta a fundamentar, de modo concreto, a constrição provisória da liberdade do ora paciente (CF, art. 93, LX). Por esses motivos e dada a conformação do caso concreto, entendo que não somente seria possível, mas também necessária a concessão do pedido de liberdade provisória antes do transcurso do lapso temporal previsto no art. 453 do CPPM.

 

A partir, aproximadamente, do ano de 2011, após vários pronunciamentos do STF sobre a possibilidade da concessão de liberdade provisória ao desertor durante os 60 (sessenta) dias previstos no art. 453, o STM passou a aplicar a Súmula nº 10 somente quando presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva (art. 255 do CPPM), conforme se pode observar na seguinte decisão:

 

HABEAS CORPUS. DESERÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. PRAZO SUPERIOR A 60 (SESSENTA) DIAS. IMPOSSIBILIDADE. CONCESSÃO DO WRIT. Paciente que esteve segregado inicialmente por 6 (seis) dias, quando lhe foi concedida liberdade provisória e, após nova deserção, restou preso preventivamente por mais 63 (sessenta e três), totalizando 69 (sessenta e nove) dias de prisão, ou seja, mais de 1/3 (um terço) da pena mínima prevista para o crime em comento. À luz dos ditames constitucionais, o art. 453 do CPPM deve ser interpretado no sentido de que a duração máxima da prisão do desertor é de 60 (sessenta) dias, devendo ser liberado após esse prazo se não for julgado. Com efeito, por expressa previsão legal, a citada prisão subsiste, dentro desse lapso, desde que presentes os pressupostos consignados no art. 255 do CPPM. A contrario sensu, extrai-se da dicção da norma que mesmo persistindo os requisitos da prisão preventiva, esta não deve perdurar se ultrapassados os 60 (sessenta) dias previstos em lei, mormente porque o desertor não deu causa ao retardamento do feito. A prisão cautelar só se sustenta em casos excepcionais, sendo desarrazoada e desproporcional quando praticamente representar a execução antecipada da pena. Para além, a oitiva de testemunhas de defesa é direito indelével do acusado, encerrado na garantia da ampla defesa, não possuindo caráter protelatório. Ordem concedida. Decisão unânime. (STM – Habeas Corpus nº 0000165-74.2011.7.00.0000/RJ - Relatora Ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha - DJe de 09.02.2012)

 

Em 2013, noutra decisão do STF sobre esse tema, sua jurisprudência foi ratificada:

 

HABEAS CORPUS – CRIME MILITAR DE DESERÇÃO (CPM, ART. 187) – PRISÃO CAUTELAR – UTILIZAÇÃO DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – A DENEGAÇÃO, AO PACIENTE, DO DIREITO DE ESTAR EM LIBERDADE, DEPENDE, PARA LEGITIMAR-SE, DA OCORRÊNCIA CONCRETA DAS HIPÓTESES REFERIDAS NO ART. 312 DO CPP – A JUSTIÇA MILITAR DEVE JUSTIFICAR, EM CADA SITUAÇÃO OCORRENTE, A IMPRESCINDIBILIDADE DA ADOÇÃO DE MEDIDA CONSTRITIVA DO “STATUS LIBERTATIS” DO ACUSADO OU DO RÉU – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE – ILEGITIMIDADE NA DECRETAÇÃO DE PRISÃO MERAMENTE PROCESSUAL COM APOIO, TÃO SOMENTE, NO ART. 453 DO CPPM – INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO – PRECEDENTES – PEDIDO DEFERIDO. – A prisão processual prevista no dispositivo inscrito no art. 453 do CPPM não prescinde da demonstração da existência de situação de real necessidade, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente configurada, a adoção – sempre excepcional – dessa medida constritiva de caráter pessoal, a significar que a Justiça Militar deve justificar, em cada caso ocorrente, a imprescindibilidade da medida constritiva do “status libertatis” do indiciado ou do acusado, sob pena de caracterização de ilegalidade ou de abuso de poder na decretação de prisão meramente processual. (STF - HC nº 112487 – 2ª Turma – Relator Ministro Celso De Mello – DJe de 15.10.2013)

 

Então, como se percebe, desde, pelo menos, o ano de 2007, o STF vem “dizendo” ao STM mediante concessão de habeas corpus aos desertores, que é cabível a liberdade provisória se não presentes os pressupostos autorizadores da prisão preventiva em relação aos crimes de deserção, porém, somente após decorridos 11 (onze) anos, foi que o STM cancelou a Súmula nº 10, conforme publicação no DJe nº 103, de 12.06.2018.

Desta forma, tem-se que é possível a concessão de liberdade provisória6 ao militar preso por praticar, em tese, o delito de deserção quando não estiverem presentes os pressupostos autorizadores da prisão preventiva, podendo, a título de exemplo, citar a seguinte decisão proferida nos autos da Instrução Provisória de Deserção nº 7000063-48.2021.7.01.0001:

 

DECISÃO

Trata-se remessa de autos de IPD hoje distribuídos no sistema e-Proc ao d. juízo da 3ª. Auditoria desta 1ª CJM, após o horário de expediente normal, constando dos autos a comunicação da apresentação voluntária e consequente prisão de (nome excluído intencionalmente), recebido o feito no plantão plantão judicial.

O procedimento investigatório em tela foi instaurado em decorrência do cometimento do pretenso crime de deserção (CPM, Art. 187), o qual teria sido praticado em razão da ausência ao quartel da Companhia de Polícia, unidade da Marinha do Brasil sediada na cidade de São Gonçalo/RJ.

Consultando o andamento do feito no e-Proc perante a 3a. Auditoria, constato não ter sido proferida qualquer decisão decretando a prisão preventiva do indiciado. Verifico, ainda, que, além deste, o militar não responde a outro feito.

A prisão foi legal e decorreu da força coercitiva do termo de deserção, o qual sujeita o desertor, desde logo, à prisão (art. 452, do CPPM), tratando-se de fato que apresenta contornos de crime militar, da competência desta justiça especializada.

Cabe analisar, então, acerca da necessidade da manutenção da prisão.

Como se trata de indiciado vinculado a apenas esta deserção, o qual compareceu de forma espontânea, com rapidez, e logo após à consumação do delito, está demonstrada a intenção de regularizar sua situação perante a Força, polo que não vislumbro a necessidade de manutenção da custódia, sendo certo que a presente situação não se enquadra nos casos de prisão preventiva previstos no Art. 255 do CPPM.

Pelo exposto:

DECIDO, COM FULCRO NO ARTIGO. 5º, INCISO LXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/1988, COMBINADO COM O ARTIGO 3º, LETRA "A" , DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, E COM O ARTIGO 321, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, CONCEDER LIBERDADE PROVISÓRIA a (nome excluído intencionalmente), devendo o mesmo se comprometer a comparecer a todos os atos do processo, sob pena de revogação do benefício.

 

Conforme já discorrido no subtópico nº 19.5 deste Capítulo, não é cabível, em regra, a concessão da suspensão condicional da pena – sursis7 – ao condenado pelo delito de deserção devido previsão disposta na alínea a do inciso II do art. 88 do CPPM:

 

Não aplicação da suspensão condicional da pena

Art. 88. A suspensão condicional da pena não se aplica:

I - ao condenado por crime cometido em tempo de guerra;

II - em tempo de paz:

a) por crime contra a segurança nacional, de aliciação e incitamento, de violência contra superior, oficial de dia, de serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão, de desrespeito a superior, de insubordinação, ou de deserção;

b) pelos crimes previstos nos arts. 160, 161, 162, 235, 291 e seu parágrafo único, ns. I a IV.

 

E isso significa que, caso o militar seja condenado pelo delito de deserção sem direito ao sursis, permanecerá, em regra8, preso durante toda a pena, salvo se, por exemplo, for concedido o indulto.

Vejamos a seguinte decisão do STM negando o sursis ao condenado por deserção com base em precedentes do STF:

 

APELAÇÃO. ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR (CPM). DESERÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (DPU). ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE. NÃO COMPROVAÇÃO. AFASTAMENTO MAIOR DO QUE O NECESSÁRIO PARA O ALEGADO TRATAMENTO ESPIRITUAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. FATO TÍPICO, ANTIJURÍDICO E CULPÁVEL. NÃO PROVIMENTO. I - Embora a Defesa afirme que a necessidade premente de submeter-se a tratamento espiritual justifique as faltas, o Apelante permaneceu ausente por período consideravelmente maior do que o utilizado para encaminhamento do alegado processo terapêutico, o que afasta a aplicação da excludente de culpabilidade. II - A conduta evidenciou a falta de compromisso do Apelante com a Instituição a que estava vinculado, eis que por vontade própria resolveu abandonar a caserna, assim, agiu com grave violação ao dever militar. III - Presentes a tipicidade formal, consistente no ato de afastar-se do local do serviço por mais de 8 dias, bem como a tipicidade material, vez que o agir do Recorrente maculou o seu dever constitucional para com o serviço militar. IV - In casu, a autoria e a materialidade delitivas estão plenamente comprovadas, conforme o farto lastro probatório. A conduta perpetrada é típica, antijurídica e culpável, portanto a condenação é medida que se impõe. V - A concessão da suspensão condicional da pena (sursis) àqueles que cometem o crime de deserção é vedada pelo art. 88, II, alínea "a" do Código Penal Militar e pelo art. 617, II, alínea "a" do Código de Processo Penal Militar (CPPM). Precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e deste Superior Tribunal Militar (STM) pela adequação da norma à Constituição Federal (CF). Relativização da vedação apenas no caso de exclusão do acusado do serviço ativo, o que não ocorreu no caso em análise. VI - Recurso conhecido e não provido. Decisão unânime. (STM – Apelação nº 7000549-34.2019.7.00.0000 – Relator Ministro Péricles Aurélio Lima de Queiroz - DJe de 16.10.2019)

 

A instrução criminal do delito de deserção é especial, ou seja, não é seguido o procedimento ordinário destinado à maioria dos delitos militares como, por exemplo, o crime de abandono de posto.

O CPPM possui 3 (três) capítulos específicos sobre os procedimentos do crime de deserção (deserção em geral, deserção de Oficial e processo de deserção de praça com ou sem graduação e de praça especial): arts. 451 a 457.

Finalizando, tem-se que o delito de deserção é muito grave, trazendo consequências maléficas aos membros das Forças Armadas e Auxiliares, logo, os militares devem ter muita cautela para não incorrerem nesse delito.

___________________________________

1AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO. HABEAS CORPUS. DESERÇÃO. PRISÃO. FUMUS BONI IURIS. INEXISTÊNCIA. Inconformismo do Agravante diante da Decisão monocrática que denegou medida liminar em sede de Habeas Corpus. Na hipótese, inexiste o fumus boni iuris a amparar a pretendida e imediata soltura do Agravante pela via do deferimento da liminar postulada. É cediço que a própria Carta Magna, no seu art. 5º, inc. LXI, excepcionou os crime propriamente militares - e a Deserção é um deles - ao traçar os lindes da submissão do indivíduo à prisão. In casu, inteiramente descabida seria a concessão da liminar pleiteada, de modo que, de logo, se antecipasse, excepcionalmente, a satisfação do fim pleiteado pelo próprio Writ. Rejeição do Agravo Regimental. Decisão unânime. (STM – Agravo Regimental nº 0000026-54.2013.7.00.0000/RJ - Relator Ministro Luís Carlos Gomes Mattos – DJe de 21.03.2013)

2Trata-se do CPM.

3Não há interrogatório na esfera administrativa, ou seja, após a apresentação voluntária ou captura do desertor, somente haverá o interrogatório judicial. O desertor poderá ficar, em regra, preso até 60 (sessenta) dias, sem possibilidade, a princípio, de concessão de liberdade provisória, e sem o direito de defesa. Mesmo que tivesse, por exemplo, faltado por mais de 8 (oito) dias em virtude de um sequestro, em regra, poderia ficar preso assim mesmo por até 60 dias. O sequestro teria que ser provado para uma possível absolvição. Muitos veem tal possibilidade de prisão imediata (art. 452 do CPM) como inconstitucional, todavia, é a própria CF/88 que permite tal restrição de liberdade, haja vista ser um crime propriamente militar. Entretanto, felizmente, a partir do ano de 2015, a Justiça Militar da União começou a realizar Audiência de Custódia e, por isso, os desertores presos puderam ser libertados com mais celeridade.

4Competência e requisitos para a decretação

Art. 254. A prisão preventiva pode ser decretada pelo auditor ou pelo Conselho de Justiça, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade encarregada do inquérito policial-militar, em qualquer fase deste ou do processo, concorrendo os requisitos seguintes:

a) prova do fato delituoso;

b) indícios suficientes de autoria.

No Superior Tribunal Militar

Parágrafo único. Durante a instrução de processo originário do Superior Tribunal Militar, a decretação compete ao relator.

5Casos de decretação

Art. 255. A prisão preventiva, além dos requisitos do artigo anterior, deverá fundar-se em um dos seguintes casos:

a) garantia da ordem pública;

b) conveniência da instrução criminal;

c) periculosidade do indiciado ou acusado;

d) segurança da aplicação da lei penal militar;

e) exigência da manutenção das normas ou princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado.

6O pedido de liberdade provisória deverá ser requerido, a princípio, ao Juiz Federal da Justiça Militar da União, e caso seja indeferido, restará impetrar habeas corpus ao STM. Porém, sendo mantida a prisão pelo STM, mesmo sem a presença dos requisitos necessários à prisão preventiva, caberá recurso ordinário ao STF. É necessário seguir todos estes passos até chegar ao STF, não sendo possível, em regra, impetrar o habeas corpus diretamente ao STF, pois é proibida a supressão de instância.

 

7O STF possui precedente nesse sentido, podendo-se destacar a seguinte decisão do Plenário do ano de 2014:

Direito Penal Militar. Vedação do sursis. Crime de deserção. Compatibilidade com a Constituição Federal. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal inclina-se pela constitucionalidade do tratamento processual penal mais gravoso aos crimes submetidos à justiça militar, em virtude da hierarquia e da disciplina próprias das Forças Armadas. Nesse sentido, há o precedente que cuida da suspensão condicional do processo relativo a militar responsabilizado por crime de deserção (HC n º 99.743, Pleno, Rel. Min. Luiz Fux). 2. Com efeito, no próprio texto constitucional, há discrímen no regime de disciplina das instituições militares. Desse modo, como princípio de hermenêutica, somente se deveria declarar um preceito normativo conflitante com a Lei Maior se o conflito fosse evidente. Ou seja, deve-se preservar o afastamento da suspensão condicional da pena por ser opção política normativa. 3. Em consequência, entende-se como recepcionadas pela Constituição as normas previstas na alínea “a” do inciso II do artigo 88 do Código Penal Militar e na alínea “a” do inciso II do artigo 617 do Código de Processo Penal Militar. 4. Denegação da ordem de habeas corpus. (STF - HC nº 119567 - Tribunal Pleno – Relator Ministro Dias Toffoli - DJe de 30.10.2014)

Todavia, importante destacar que 1 (um) ano antes da decisão acima – em julgamento realizado em 2013 - o Plenário do STF empatou na votação quanto à possibilidade do sursis nos crimes de deserção, conforme se depreende na respectiva ementa:

HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. CRIME DE DESERÇÃO (CPM, ART. 187). SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. VEDAÇÃO EX LEGE (CPM, ART. 88, II, A). OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). FLEXIBILIZAÇÃO. ADMISSÃO DO SURSIS. Consideração necessária por parte do julgador (CPM, art. 84). Declaração de não recepção pela Constituição de 1988 de parte da alínea a do inciso II do art. 88 do CPM. Inaplicabilidade no caso concreto. Empate. Ordem concedida na forma regimental (RISTF, art. 146, parágrafo único). 1. A norma em questão avilta mais diretamente a equidade, pela qual se espera harmonia na aplicação dos princípios constitucionais e das normas infraconstitucionais. 2. Assim como deve o legislador, ao estabelecer tipos penais incriminadores, inspirar-se na proporcionalidade, não cominando sanções ínfimas para crimes que violem bens jurídicos de relevo maior, nem penas exageradas para infrações de menor potencial ofensivo, deve ele observar esse mesmo preceito no que diz respeito às normas tendentes à individualização dessas penas, atentando para as condições específicas do violador da norma e para as consequências da infração por ele cometida para o bem jurídico tutelado pela lei e para a eventual vítima do crime. 3. Feitas essas considerações, é o caso de superar, em parte, o disposto na alínea a do inciso II do art. 88 do Código Penal Militar (vedação legal à suspensão condicional da pena), admitindo-se o sursis no crime de deserção para aquele que preencha todos os demais requisitos previstos no art. 84 do CPM. 4. Em face de empate na votação, não se pode declarar a não recepção pela Constituição de 1988 da parte da alínea a do inciso II do art. 88 do Código Penal Militar em que se exclui, em tempo de paz, a suspensão condicional da pena para os condenados pelo crime de deserção. 5. Ordem concedida, na forma regimental. (STF - HC nº 113857 - Tribunal Pleno – Relator Ministro Dias Toffoli – DJe de 30.10.2014)

8Isto porque, em regra, a condenação por deserção dificilmente será igual ou ultrapassará 2 (dois) anos de prisão, e de acordo com o art. 618 do CPPM, somente terá direito à obtenção do livramento condicional aquele que for condenado à pena de reclusão ou detenção igual ou superior a 2 (dois) anos e esteja enquadrado nas demais seguintes condições exigidas neste dispositivo processual penal.

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