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CAPÍTULO 12 - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS: PRISÕES DISCIPLINARES ILEGAIS E PERSEGUISÕES

12.5. ASSÉDIO MORAL: PERSEGUIÇÃO DE SUPERIORES HIERÁRQUICOS

Dentro dos quartéis, as chamadas “perseguições” de superiores hierárquicos contra subordinados nada mais são do que assédios morais.

O TRF2, ao julgar a Apelação Cível nº 382.783/ES, conceituou, brilhantemente, o assédio moral:

O assédio moral decorre do abuso cometido contra o subordinado pelo superior hierárquico que, excedendo os poderes que lhe foram atribuídos, dispensa ao servidor tratamento incompatível com a dignidade do último, impondo-lhe rigor excessivo ou constrangimentos alheios aos interesses da Administração. O assédio moral traduz-se na reiteração do tratamento ofensivo à dignidade do subordinado.

Quem é ou já foi militar sabe perfeitamente como são efetivadas as perseguições - verdadeiros assédios morais - nos quartéis contra subordinados, onde, não coincidentemente, observa-se que o perseguido só pega “boca pobre1”, e quase sempre é prejudicado em benefício de outros militares em iguais condições, às vezes, até mesmo mais modernos que o assediado.

Selecionei uma decisão colegiada de 2012 a fim de comprovar o que acabei de escrever no parágrafo acima:

 

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ASSÉDIO MORAL SOFRIDO POR MILITAR. NO EXERCÍCIO DE SUAS ATIVIDADES, PELO SEU SUPERIOR HIERÁRQUICO. NÃO RECEBIMENTO DE AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. IRREGULARIDADE NA RETENÇÃO DO BENEFÍCIO. DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS. APELO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDOS. PRECEDENTE DESTE REGIONAL. 1. Trata-se de remessa oficial e de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL em face do julgado proferido pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal/AL, que, nos autos de ação de reparação por danos morais e materiais, aforada por JEFFERSON DO NASCIMENTO VIANA, acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva de Cláudio Luiz Chaves da Silva e Renaldo Gerônimo da Silva, extinguindo o feito em relação aos mesmos, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, julgando, no que concerne ao mérito, procedente o pedido formulado em desfavor da ora apelante, condenando-a ao pagamento de reparação por danos morais causados ao demandante no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), devendo os valores ser atualizados, a contar da data da sentença, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, além do ressarcimento por danos materiais, estes, no valor de R$ 227,50 (duzentos e vinte e sete reais e cinquenta centavos), atualizados monetariamente desde a citação, bem como o custeio das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados no percentual de 10% sobre o valor da condenação. 2. A União Federal consigna suas razões recursais às fls. 890/898, aduzindo, em síntese, que o autor delineou seu pedido autoral em falsas alegações de "uma elaborada trama de perseguição pessoal, ao passo que o Comando da Aeronáutica atribui as ocorrências a meros equívocos e erros materiais. (...) A inicial mostra um cenário de arbitrariedade; todavia, pode ser que sejam apenas comandos calcados na disciplina e hierarquia", pugnando, alfim, pela reforma da sentença ora guerreada. 3. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público baseia-se no risco administrativo, sendo objetiva. Esse tipo de responsabilidade exige a ocorrência dos seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. 4. Analisando de maneira minudente as razões de decidir traçadas pelo Magistrado sentenciante, verifico que o julgado ora objurgado não é carecedor de qualquer reproche. 5. Com efeito, tenho por válida a transcrição de alguns excertos do decisum de fls. 878/887, verbis: "DO ASSÉDIO MORAL - Não resta dúvida quando às condições diferenciadas da prestação de serviço militar. O Estatuto Militar - Lei 6.880/80, em seu capítulo II, artigo 14, preceitua a hierarquia e disciplina como as bases institucionais das Forças Armadas. A Carta Magna trás em seu art. 142, a não aplicabilidade da limitação de carga horária disposta no art. 7º. O RISAER, em seu art. 16, dispõe sobre a existência de folga mínima de 48h entre dois serviços, porém traz em seu parágrafo único a possibilidade de redução do referido intervalo pelo Comandante, Chefe ou Diretor da OM, mediante situação exigível. Todavia, não é razoável se reconhecer que os fatos narrados nestes autos encaixem-se de forma adequada e digna quanto às previsões legais que regem o serviço militar, senão vejamos: 1. Quanto ao primeiro final de semana de cumprimento de jornada extra n período de 04 a 07 de novembro de 2005 (cf. fl. 41), não se pode confirmar de forma absoluta a sua falta de adequação à possibilidade de redução de intervalo trazida por disposição legal. Apesar da falta de justificativa para tal alteração de escala, não haveria como afastar o 'regime diferenciado do serviço militar'. 2. Todavia, há de ser reconhecida a estranheza de tal fato se repetir no final de semana subsequente, de 11 a 14 de novembro de 2005. Ora, de acordo com a escala apresentada nos autos (fls. 39, 483), haviam mais dois militares (S1 Costa e S1 Dilvany) que exerciam a mesma atividade do autor, qual seja, motorista-de-dia. Portanto, inicia-se a partir de então certa suspeita quanto à finalidade de tais alterações de escala. 3. No mais, tal desvio de finalidade a meu ver é confirmado com a inexatidão da escala prevista versus escala definitiva, ao que a União atribui ser 'meros equívocos e erros materiais'. Os dias efetivamente trabalhados pelo autor foram atribuídos a outros soldados cf. fls. 74/81 e 484, resultando o não pagamento do auxílio-alimentação ao autor, mas sim aos outros soldados. No meu entender, aqui se confirma o descaso e tratamento diferenciado concedido pelo réu à parte autora. A União não trouxe aos autos justificativas plausíveis para as alterações de escala do autor, quais sejam, impedimentos ou necessidade justificável para o cumprimento de jornada diferenciada pelo autor por dois finais de semana seguidos. Sendo assim, no meu sentire, convenço-me da situação de angústia e desprivilegio do autor frente a sua corporação. (...) não devemos confundir submissão à hierarquia e disciplina, exercidas dentro dos legítimos limites, com submissão ao processo de assédio moral. O assédio moral é um abuso e não pode ser confundido com decisões legítimas. Por conseguinte, depreende-se que quando as decisões do superior estão de acordo com as normas de direito e pautadas nos legítimos limites, isto é, nos liames da lei e de forma a não causar constrangimentos e humilhações injustificadas nos subordinados, não há de se falar em assédio moral. No caso em tela, não há como afastar a arbitrariedade e ilegitimidade das atitudes tomadas contra o autor, seja pelas alterações de escala, nas quais não consigo vislumbrar um intuito de necessidade e bem estar da instituição, seja pela distorção entre a escala prevista e escala definitiva e o consequente não pagamento do auxílio-alimentação devido, e, principalmente, pela falta de proporcionalidade e razoabilidade na punição militar aplicada ao autor. (...) O assédio moral atinge diretamente tais direitos personalíssimos, isto é, a dignidade humana, reduzindo o agredido a uma condição vil, o que fora experimentado pelo autor. As provas dos autos não deixam dúvidas de que o autor passou a sofrer contínuas perseguições e humilhações injustificadas, praticadas por seu superior hierárquico, que atingiram de forma grave e permanente a sua dignidade humana. Dentre os vários fatos narrados pelo autor, destaco mais uma vez (1º) cumprimento de escala diferenciada sem necessidade justificável (2º) inexatidão entre escala prevista versus escala definitiva e seu consequente pagamento errôneo de auxílio-alimentação (3º) cumprimento de prisão disciplinar sem o devido procedimento administrativo. (...) Portanto, reconheço ser devido o pagamento do valor de R$ 227,50 (duzentos e vinte e sete reais e cinquenta centavos), atualizados monetariamente a título de danos materiais." (grifos acrescidos). 6. Apelação e remessa oficial improvidos. Precedente colacionado. (TRF5 - AC nº 200880000049819 – 1ª Turma - Relator Desembargador Federal Manoel Erhard – DJE de 20.09.2012)

 

O Projeto de Lei nº 4.742/2001, que tem por objetivo incluir o art. 146-A no CP, teve sua tramitação iniciada na Câmara dos Deputados e foi enviada em 2019 para apreciação do Senado Federal, tendo sido cadastrada como Projeto de Lei nº 1.521/2019, tratando do assédio moral no trabalho:

 

Art. 146-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica.

Pena – detenção de um a dois anos.

 

Assim, enquanto não considerado crime mediante alteração do Código Penal, o assédio moral continuará sendo apenas um ilícito civil que poderá resultar em indenização por danos morais.

Esclarecendo-se que, embora não haja projeto de lei para incluir dispositivo semelhante no Código Penal Militar, em sendo incluído o art. 146-A no Código Penal Comum, aplicar-se-á este quando o superior hierárquico praticar assédio moral contra subordinado no âmbito da caserna, sendo que a competência para processar e julgar será da Justiça Militar, haja vista as alterações efetivadas pela Lei nº 13.491/2017 no inciso II do art. 9º do CPM, conforme foi devidamente discorrido no tópico nº 2 do Capítulo 2.

 

1No meio militar é a expressão utilizada quando o militar recebe uma tarefa que ninguém gostaria de ser escolhido para cumpri-la.

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