MANUAL PRÁTICO DO MILITAR - 3ª EDIÇÃO - VERSÃO ONLINE 3.22.11 - ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO EM 11.11.2022
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CAPÍTULO 8 - HABEAS DATA E CAUTELAR ANTECEDENTE PARA A EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO: DISTINÇÕES E APLICABILIDADES
8. INTRODUÇÃO
O estudo do habeas data1 e da cautelar antecedente para exibição de documento é muito aplicável às Forças Armadas e Auxiliares em virtude de que, não raro, a Administração Castrense impõe vários empecilhos à obtenção2 de documentos por parte dos subordinados3.
Quando era militar da ativa da Aeronáutica, utilizei um destes instrumentos jurídicos para obter os documentos que instruíram os autos do processo administrativo que resultou em minha movimentação de localidade (transferência/remoção) ex officio de Natal/RN (DTCEA-NT) para Recife/PE (CINDACTA 3).
Foi necessária a impetração de habeas data pelo fato de que o ex-Comandante do DTCEA-NT se negou a me entregar os referidos documentos de meu interesse e, ainda, recusou-se a me informar qual era o motivo da minha movimentação de localidade.
Vejamos a íntegra da sentença concessiva do habeas data em desfavor do ex-Comandante do DTCEA-NT que se negou a me fornecer documentos sobre minha movimentação para Recife/PE:
SENTENÇA
EMENTA: HABEAS DATA. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR DA AERONÁUTICA. OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES PESSOAIS QUE FUNDAMENTAM A REMOÇÃO COMPULSÓRIA DO SERVIDOR. RESISTÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO EM ATENDER À PRETENSÃO DO IMPETRANTE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CONCESSÃO.
- O habeas data é o remédio jurídico por meio do qual busca-se a tutela do direito ao acesso de registro, direito de retificação de registro e direito de complementação de registros.
- In casu, a pretensão deduzida se subsume à primeira hipótese contemplada na Lei 9.507/97, pois o que pretende o impetrante é obter conhecimento das informações que fundamentam a sua remoção compulsória de um Estado para outro, estando comprovada a resistência do impetrado em atender à pretensão do impetrante.
- Preenchimento dos requisitos legais.
- Concessão do habeas data.
Vistos etc.
1. Trata-se de habeas data impetrado por DIÓGENES GOMES VIEIRA, qualificado na inicial, por meio de advogado habilitado, em face de ato perpetrado pelo COMANDANTE DO DESTACAMENTO DE CONTROLE DO ESPAÇO AÉREO DE NATAL - DTCEA-NT, visando à obtenção de tutela jurisdicional que lhe assegure a entrega dos documentos relacionados com a sua remoção compulsória.
2. Aduz que é militar da Aeronáutica, servindo desde 1998 no Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Natal - DTCEA-NT.
3. A autoridade impetrada comunicou-lhe, em 03.04.2006, que havia sido transferido compulsoriamente para o Terceiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo - CINDACTA 3, em Recife-PE, sendo-lhe ordenado que assinasse termo de ciência.
4. Entretanto, a autoridade coatora se negou a fornecer ao impetrante, no ato da comunicação, os documentos que informam o motivo da repentina remoção compulsória (Parte nº 13/SPM/R, de 29/03/2006, e o Boletim Reservado nº 4, de 02/03/2006).
5. Entende que após requisição, aguardou por 16 (dezesseis) dias a entrega dos documentos pelo impetrado, sem ter existido qualquer esclarecimento do motivo de tamanha demora. Diante disso, foi necessário requerer ao Judiciário a proteção dos seus direitos, mediante o presente habeas data.
6. A autoridade impetrada apresentou as informações requeridas (fls. 17/27), alegando ausência de interesse de agir, vez que o direito do impetrante não foi negado, mas apenas se exigiu a instrução de um procedimento dentro do âmbito administrativo. O pedido formal do impetrado foi feito e está tramitando administrativamente para análise, não existindo inércia da autoridade administrativa em atender a seu pedido.
7. O membro do Ministério Público Federal opinou pela concessão do habeas data (fls. 37/43).
8. É o relatório da hipótese em estudo. Passo a decidir.
9. Versa o presente remédio constitucional acerca de pretensão de militar da Aeronáutica, visando à obtenção de tutela jurisdicional que lhe assegure a entrega dos documentos relacionados com a sua remoção compulsória.
10. O presente remédio jurídico encontra-se previsto no art. 5º, LXXII da CF, cujo conteúdo encontra-se vazado nos seguintes termos:
"LXXII - conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;".
11. Idêntico texto normativo encontra-se reproduzido no art. 7º da Lei nº 9.507, de 12 de novembro de 1997, diploma legal regulamentador do direito de acesso a informações, sendo que este diploma legal acrescentou mais uma hipótese de cabimento da medida. A Lei 9.507/97 autorizou no art. 7º, inc. III, também, a interposição de habeas data para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável e que esteja sob a pendência judicial ou amigável.
12. O inolvidável juspublicita HELY LOPES MEIRELLES ensina que o objeto do habeas data é, pois, o acesso da pessoa física ou jurídica aos registros de informações concernentes à pessoa e suas atividades, para possibilitar a retificação de tais informações. (MANDADO DE SEGURANÇA, AÇÃO POPULAR, AÇÃO CIVIL PÚBLICA, MANDADO DE INJUNÇÃO, HABEAS DATA, 15ª edição, São Paulo, Malheiros, 1994, pág. 184).
13. Na mesma linha de pensamento, a não menos prestigiada professora MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, eminente administrativista pátria, tecendo considerações acerca do objeto do habeas data, assevera que "pode ser a simples informação ou, se o impetrante já a conhecer, pode ser sua retificação; e, agora, pelo artigo 7º da Lei nº 9.507/97, o objeto pode ser também a anotação de esclarecimentos ou justificativas no registro de dados". (DIREITO ADMINISTRATIVO, 13ª edição, São Paulo, Atlas, 2001, pág. 617).
14. O Min. José Augusto Delgado, STJ, enquanto relator do HD nº 107/DF, julgado pela 1ª Seção em 09/03/2005, decisão publicada no DJ de 18/04/2005, p. 202, fez constar que "a ratio essendi do habeas data é assegurar, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica que se distingue nos seguintes aspectos: a) direito ao acesso de registro; b) direito de retificação de registro e c) direito de complementação de registros". No passo seguinte, concluiu o ilustre jurista potiguar: "Portanto, o referido instrumento presta-se a impulsionar a jurisdição constitucional das liberdades, representando no plano institucional a mais eloquente reação jurídica do Estado às situações que lesem, de forma efetiva ou potencial, os direitos fundamentais do cidadão".
15. In casu, o presente habeas data foi impetrado com a finalidade única de propiciar ao impetrante o acesso aos documentos que fundamentam a sua remoção compulsória do Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Natal - DTCEA-NT para o Terceiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo - CINDACTA 3, em Recife-PE.
16. Decerto, ao fixar os olhos sobre a pretensão do postulante, na moldura como foi posta em juízo, vê-se claramente que seu objeto se compatibiliza perfeitamente com os fins aos quais se destina o habeas data. Consoante visto, já à saciedade, o instrumento constitucional in comento visa a assegurar o direito ao acesso de registro, direito de retificação de registro e direito de complementação de registros.
17. No caso trazido à baila, em que pesem as alegações da autoridade impetrada, a documentação trazida aos autos não aponta para a existência de qualquer posição administrativa favorável à concessão dos documentos requeridos. Não só ocorre demasiada demora na apreciação do requerimento administrativo, por parte da autoridade coatora, como foi bem evidenciada a resistência em fornecer a informação pleiteada pelo servidor da Aeronáutica, visto que os documentos foram considerados como de cunho reservado do COMAER (fl. 30).
18. A pretensão do impetrante enquadra-se na hipótese prevista na letra "a" do supra aludido dispositivo constitucional. E a exigência da Lei 9.507/97, em seu art. 8º, parágrafo único, inciso I, que preconiza a indispensabilidade da prova da recusa administrativa, para a impetração do writ constitucional, foi devidamente preenchida:
"Parágrafo único: A petição inicial deverá ser instruída com prova:
I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão;
(...)".
19. A prova da negativa do impetrado em atender o pleito pela via administrativa está presente nos autos (fls. 30 e 30 - verso). E a Constituição federal assegura ao impetrante saber quais foram as informações relacionadas à sua pessoa que deram o supedâneo ao ato administrativo que entendeu pela remoção compulsória (ex officio) do DTCEA-NT para o CINDACTA.
20. Assim, não há que se falar em ausência de interesse de agir, pois, o interesse processual surge com a necessidade da tutela jurisdicional privativa do Estado, invocada pelo meio adequado, que, do ponto de vista processual, determinará o resultado útil pretendido.
21. Exsurge importante anotar que as informações a que se tem o direito de obter, mediante o manejo do habeas data, são aquelas mantidas em poder do Estado, constantes de registros e bancos de dados, sem as quais o cidadão fica impossibilitado do exercício de direitos fundamentais.
22. O novel constitucionalista Alexandre de Moraes, citando as lições de Michel Temer, traz à tona o seguinte comentário ao se debruçar sobre o estudo do habeas data:
"é fruto de uma experiência constitucional anterior em que o governo arquivava, a seu critério e sigilosamente, dados referentes a convicção filosófica, política, religiosa e de conduta pessoal dos indivíduos". (DIREITO CONSTITUCIONAL. 16ª ed. - São Paulo: Atlas, 20004, pp. 154).
23. Embora se trate de documento tido pela Administração Castrense como confidencial, não vislumbro qualquer risco à segurança da sociedade e do Estado pelo simples fornecimento de cópia do despacho acima referido ao impetrante. Prejuízo maior sofre ele, por sequer ter noção dos motivos que ensejaram a sua remoção compulsória de um Estado para outro.
24. Daí que, estando a pretensão caracterizada pelo trinômio utilidade-adequação-necessidade, tenho por satisfeitos os requisitos ensejadores da concessão da ordem constitucional.
25. Diante desse cenário, julgo procedente o pedido formulado à inicial, concedendo, portanto, a ordem pleiteada, para determinar ao impetrado que forneça ao impetrante, na sede do Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Natal - DTCEA-NT, em Natal/RN, a cópia requerida dos documentos Parte nº 13/SPM/R, de 29/03/2006, e o Boletim Reservado nº 4, de 02/03/2006, bem como dos eventuais outros documentos que os acompanhem, autenticadas pela Organização Militar.
26. Sem custas e honorários (art. 5º, LXXVII da CF e art. 21 da Lei nº9.507/97).
27. P.R.I.
Natal/RN, 21 de junho de 2006.
CARLOS WAGNER DIAS FERREIRA
Juiz Federal em substituição legal na 5ª Vara
O nome do tópico nº 8.2 deste Capítulo foi alterado de Ação de Exibição de Documento (ação autônoma de natureza satisfativa) com suporte nos arts. 844 e 845 do antigo e revogado CPC de 1973 para Cautelar Antecedente para Exibição de Documento com fundamento nos arts. 305 a 310 combinado com os arts. 396 a 404 do novo CPC de 2015.
A pretensão deste Capítulo é esclarecer, com suporte na legislação, jurisprudência e exemplos práticos, a utilização do habeas data e da cautelar antecedente para exibição de documento para fins de obtenção de documentos que são negados, arbitrariamente, por autoridades militares.
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1No livro de Jônatas Milhomens (Manual Prático do Advogado – Editora Forense: Rio de Janeiro, 1998 – 12ª edição – página 221) consta a seguinte informação sobre habeas data: O primeiro habeas data concedido no país foi patrocinado pelo advogado Joaquim Portes de Cerqueira César, em favor de Idibal Alniei da Fivela, teatrólogo, autor, diretor de espetáculos e também advogado – segundo informa o causídico em “A Garantia Constitucional do Habeas Data” (in RF, vol. 310. p. 39, nº III). O primeiro caminho trilhado pela magistratura brasileira, para adequação processual do habeas data, foi o mandado de segurança, seu irmão gêmeo.
2Neste estudo, irei me restringir à utilização do habeas data para a obtenção de documentos negados pela Administração Castrense.
3CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. INFORMAÇÕES RELATIVAS À SITUAÇÃO FUNCIONAL DO SERVIDOR MILITAR. INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO. ACESSO ÀS INFORMAÇÕES DE ACORDO COM ARTIGO 5º, XXXIII E LXXII D A CF/1988 E ARTIGO 8º, I, DA LEI 9.501/95.POSSIBILIDADE. - Cinge-se a controvérsia ao exame da possibilidade da concessão de cópia integral e autenticada ao impetrante, militar da reserva da Marinha, do parecer desfavorável emitido pelo Comandante Capitão de Fragata, que culminou na negativa de sua participação em Processo Seletivo para Estágio Especial de Habilitação a Sargento do Corpo de Fuzileiros Navais (QESM). - Infere-se que o habeas data objetiva assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, possibilitando, ainda, a retificação de dados pessoais. - Conforme restou demonstrado nos autos, o impetrante não almejou, na presente demanda, a discussão quanto à legalidade do ato administrativo que indeferiu a sua matrícula no Estágio Especial de Habilitação a Sargento, mas o acesso às informações ao referido indeferimento, uma vez que possui o direito consagrado constitucionalmente ao conhecimento de informações relativa à sua pessoa, isto é, à sua vida funcional, constantes dos registros da Administração castrense, nos moldes do art. 5º, XXXIII e LXXII, da CR/88, a fim de instruir futura ação judicial. - Sendo assim, além da observância, in casu, dos requisitos legais, verifica-se que tal recusa configura uma das hipóteses para a propositura do remédio constitucional em 1 questão, nos termos do art. 8º, I, da Lei 9.507/97, circunstância que impõe a concessão da ordem. - Precedente do TRF da 1ª Região citado. - Parecer ministerial no mesmo sentido. - Recurso de apelação do MPF provido para, reformando a sentença, conceder a ordem requerida para determinar que a autoridade impetrada forneça ao impetrante cópia integral e autenticada do parecer desfavorável emitido pelo Comandante Capitão de Fragata. (TRF2 - AC nº 0138336-24.2014.4.02.5101 – 8ª Turma Especializada - Relatora Desembargadora Vera Lúcia Lima – DJe de 27.06.2017)