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CAPÍTULO 8 - HABEAS DATA E CAUTELAR ANTECEDENTE PARA A EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO: DISTINÇÕES E APLICABILIDADES

8.1.5. INFORMAÇÕES SIGILOSAS EM RELAÇÃO AO IMPETRANTE

 

O inciso LXXII do art. 5º da CF/88 não prevê qualquer ressalva na obtenção de informações mediante o habeas data, todavia, a jurisprudência dominante já pacificou o entendimento de que esse inciso constitucional deve ser interpretado em conjunto com o inciso XXXIII1, abaixo transcrito:

 

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

 

A Administração Castrense tem o hábito de carimbar documentos com o título RESERVADO, SIGILOSO, RESTRITO ou CONFIDENCIAL, porém, em regra, tais “carimbos” não se aplicam à pessoa a que esses documentos se referem, entretanto, não é esse o entendimento de muitos administradores militares, fazendo com que seja necessária a impetração de habeas data.

Há várias normas internas das Forças Armadas e Auxiliares sobre documentos restritos a terceiros, todavia, esses documentos jamais poderão ser tidos como sigilosos ou confidenciais para aqueles militares que são partes referenciadas nestes documentos.

A parte final do inciso XXXIII é bem clara: ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Assim, se a informação ou documento não for imprescindível para a segurança da sociedade e do Estado, obviamente, não será tido como sigiloso para fins de proibição de concessão de habeas data.

Em caso de impetração de habeas data, caberá à autoridade coatora fundamentar na sua defesa (informações) sobre a necessidade do sigilo dos documentos ou informações, demonstrando a imprescindibilidade do sigilo para a segurança da sociedade e do Estado (segurança nacional), sob pena de ser concedido o habeas data.

Citando o caso do ex-Comandante do DTCEA-NT que se negou a me entregar os documentos sobre minha movimentação ex officio, em 2006, de Natal/RN (DTCEA-NT) para Recife/PE (CINDACTA 3), o magistrado assim discorreu sobre a alegação da autoridade coatora de que esses documentos eram confidenciais:

 

23. Embora se trate de documento tido pela Administração Castrense como confidencial, não vislumbro qualquer risco à segurança da sociedade e do Estado pelo simples fornecimento de cópia do despacho acima referido ao impetrante. Prejuízo maior sofre ele, por sequer ter noção dos motivos que ensejaram a sua remoção compulsória de um Estado para outro.

 

O art. 373, inciso II, do CPC prevê que o ônus da prova é de quem, dentre outras, alegar a existência de fato impeditivo ao direito do autor da ação judicial:

 

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

(...)

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

 

Logo, se a autoridade coatora argumentar que o documento ou informação não poderá ser concedido ao militar sob a alegação de que é sigiloso e assim deve permanecer sob a afirmação de que é imprescindível à preservação da segurança nacional, deverá, então, provar2 tal alegação ao prestar as informações judiciais no habeas data.

Vejamos abaixo uma decisão judicial importante em que um Tenente Coronel teve sua matrícula indeferida em curso necessário para a progressão na carreira militar e que teve negado3 o fornecimento de documentos sobre esse indeferimento, inclusive as Fichas de Avaliação de Desempenho desse Oficial:

CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. MILITAR DA AERONÁUTICA. MATRÍCULA EM CURSO DA ECEMAR. PEDIDO INDEFERIDO. ACESSO A DOCUMENTOS FUNCIONAIS. NEGATIVA DA ADMINISTRAÇÃO. REGRA CONSTITUCIONAL: PUBLICIDADE. EXCEÇÃO: SIGILO. 1. O habeas data é o remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor do interessado, o exercício da pretensão jurídica que podemos dividir em três aspectos distintos: a) direito de acesso aos registros existentes; b) direito de retificação dos registros errôneos; c) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos. 2. A exceção trazida na parte final do inciso XXXIII do art. 5º da CF/88, contida na expressão "ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado", não deve prevalecer sobre a regra inscrita na primeira parte de tal preceito. Isso porque, embora a lei 5.821/72, no parágrafo único do seu art. 26, classifique a documentação como sendo sigilosa, tanto quanto o faz o Decreto 1.319/94, não resulta de tais normas nada que indique estar a se prevenir risco à segurança da sociedade e do Estado, pressupostos indispensáveis à incidência da restrição constitucional em apreço, opondo-se ao particular, no caso o impetrante, o legítimo e natural direito de conhecer os respectivos documentos, que lastrearam a negativa de sua matrícula em curso da Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica - ECEMAR, e consequente promoção ao posto de coronel. 3. A publicidade constitui regra essencial, como resulta do art. 5º, LX, quanto aos atos processuais; art. 37 caput, quanto aos princípios a serem observados pela Administração; art. 1º, quanto à chamada publicidade institucional; art. 93, IX e X, quanto às decisões judiciais e administrativas. No caso, não há justificativa razoável a determinar a incidência da exceção - sigilo - em detrimento da regra - publicidade. (Aplicação do enunciado 684 da Súmula do STF) 4. Apelação provida. Ordem concedida. (TRF1 - AC nº 200234000334448 – 2ª Turma Suplementar - Relatora Juíza Federal Rosimayre Goncalves de Carvalho - e-DJF1 de 16.11.2011)

 

Há doutrinadores, como Alexandre de Moraes4, que entendem pela impossibilidade de que sejam negadas informações pessoais do impetrante sob a alegação de imprescindibilidade à segurança social e nacional:

 

Assim, inaplicável a possibilidade de negar-se ao próprio impetrante todas ou algumas de suas informações pessoais, alegando-se sigilo em virtude da imprescindibilidade à segurança da Sociedade ou do Estado. Essa conclusão alcança-se pela constatação de que o direito de manter determinados dados sigilosos direciona-se a terceiros que estariam, em virtude da segurança social ou do Estado, impedidos de conhecê-los, e não ao próprio impetrante, que é o verdadeiro objeto dessas informações, pois se as informações forem verdadeiras, certamente já eram de conhecimento do próprio impetrante, e se forem falsas, sua retificação não causará nenhum dano à segurança social ou nacional.

 

Respeitando entendimentos contrários, entendo que certamente haverá casos em que haja, realmente, necessidade de se manter em sigilo determinados documentos e informações. Todavia, o magistrado deverá analisar com muita cautela a alegação da autoridade coatora de que um documento ou informação deva permanecer em sigilo, principalmente, quando emanada de autoridades militares.

O militar detém o direito de conhecer quaisquer informações funcionais a seu respeito, conforme entendimento do STJ:

 

CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. MILITAR DA AERONÁUTICA. MATRÍCULA EM CURSO DA ECEMAR. PEDIDO INDEFERIDO. ACESSO A DOCUMENTOS FUNCIONAIS. NEGATIVA DA ADMINISTRAÇÃO. REGRA CONSTITUCIONAL BASILAR: PUBLICIDADE. EXCEÇÃO: SIGILO. ORDEM CONCEDIDA. 1. "O 'habeas data' configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros existentes; (b) direito de retificação dos registros errôneos e (c) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos. Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, que representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem” (HD 75/DF, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, Informativo STF 446, de 1º/11/2006). 2. A exceção ao direito às informações, inscrita na parte final do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal, contida na expressão "ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado", não deve preponderar sobre a regra albergada na primeira parte de tal preceito. Isso porque, embora a Lei 5.821/72, no parágrafo único de seu art. 26, classifique a documentação como sendo sigilosa, tanto quanto o faz o Decreto 1.319/94, não resulta de tais normas nada que indique estar a se prevenir risco à segurança da sociedade e do Estado, pressupostos indispensáveis à incidência da restrição constitucional em apreço, opondo-se ao particular, no caso o impetrante, o legítimo e natural direito de conhecer os respectivos documentos, que lastrearam, ainda que em parte, e, assim digo, porque deve existir, também, certo subjetivismo na avaliação, a negativa de sua matrícula em curso da Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica – ECEMAR, como alegado. 3. A publicidade constitui regra essencial, como resulta da Lei Fundamental, art. 5º, LX, quanto aos atos processuais; 37, caput, quanto aos princípios a serem observados pela Administração; seu § 1º, quanto à chamada publicidade institucional: 93, IX e X, quanto às decisões judiciais, inclusive administrativas, além de jurisprudência, inclusive a Súmula 684/STF, em sua compreensão. No caso, não há justificativa razoável a determinar a incidência da exceção (sigilo), em detrimento da regra. Aplicação, ademais, do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, como bem ponderado pelo órgão do Ministério Público Federal. 4. Ordem concedida. (STJ - HD nº 91/DF – 3ª Seção - Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima - DJ de 16.04.2007)

 

Logo, tem-se que o militar, em regra, poderá utilizar o habeas data sempre que pretender obter documentos ou informações funcionais a seu respeito, mesmo que a Força Armada ou Auxiliar insira os famosos e muitas vezes desnecessários “carimbos” com os dizeres: RESTRITO, RESERVADO, CONFIDENCIAL, SIGILO ou RESERVADO.

_____________________________________

1Esse inciso foi regulado pela Lei nº 12.527/2011.

 

2APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. MILITAR. HABEAS DATA. ACESSO A DOCUMENTOS RELATIVOS À PESSOA DO IMPETRANTE PARA FINS DE INSTRUÇÃO EM FUTURA AÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. RECUSA INJUSTIFICADA DA ADMINISTRAÇÃO. 1. Apelação cível contra sentença que julga procedente o pedido, a fim de conceder a ordem para determinar que a autoridade impetrada permita que o impetrante tenha acesso e possa extrair cópias (a serem por ele pagas) dos autos do processo administrativo. 2. De acordo com o art. 5º, LXXII, da Constituição Federal e com o art. 7º da Lei nº 9.507/97, a impetração do habeas data é cabível nas seguintes situações: (a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; (b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; (c) ou para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável (TRF2; 5ª Turma Especializada; Reex 2013.51.01.019576-6, Rel. Des. Fed. ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, E-DJF2R 12.12.2014). 3. No caso, o militar por postulou administrativamente a cópia de documentos de seu interesse, para ter conhecimento dos fundamentos de sua reforma, a fim de tentar obter benefícios relacionados à anistia política. O pleito foi rejeitado sob o argumento de que as informações perseguidas seriam de natureza reservada, fazendo com que incidisse o óbice previsto no art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 9.507/97. No entanto, a resistência da Administração não pode ser genérica, sem que seja exposto o motivo pelo qual a segurança nacional estaria efetivamente em risco, a fim de justificar o sigilo das informação relativas ao próprio interessado. Dessa forma, resta configurada a pertinência do presente habeas data, possuindo o impetrante o direito de lhe ser assegurado o conhecimento de informações relativas a sua pessoa, constantes dos registros de entidades governamentais, conforme determina o art. 5º, inciso LXXII, "a", da Constituição Federal e o art. 7º, I, da Lei nº 9.507/97. 4. Apelação não provida. (TRF2 - AC nº 00061297120084025101 - 5ª Turma Especializada – Relator Desembargador Federal Ricardo Perlingeiro - DJe de 03.05.2017)

3O impetrado neste habeas data foi o Presidente da Comissão de Promoção de Oficiais da Aeronáutica.

4MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 1996. p. 162.

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