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CAPÍTULO 5 - CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE NA ESFERA MILITAR: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR

5.4.2.1. AÇÃO PRIVADA SUBSIDIÁRIA: INÉRCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Os §§ 1 e 2º do art. 3º da Lei nº 13.869/2019 tratam da ação privada subsidiária, também conhecida como queixa-crime subsidiária da pública:

 

Art. 3º. Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

§ 1º Será admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

§ 2º A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.

 

O Desembargador Dante Busana do TJSP, ao ser citado no acordão proferido nos autos do RESp nº 263328 do STJ, fez a seguinte explicação sobre quando ocorre a inércia do Ministério Público:

 

1. A queixa privada subsidiária, modalidade de controle externo da atuação do Ministério Público como titular da ação penal pública, tem como condição especial de admissibilidade a inércia daquele órgão: "será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal", diz o artigo 5°, LIX da Constituição, com as mesmas palavras do artigo 29 do Código de Processo Penal.

A expressão "se esta (a ação penal pública) não for intentada no prazo legal" vem sendo interpretada pela doutrina e jurisprudência como significando, se o Ministério Público não se manifestar naquele prazo (por todos: FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, Processo Penal, vol. 1 o , pág. 451, 20a ed. Saraiva, 1998; ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES, 0 Papel da Vitima No Processo Criminal, págs. 111-116, ed. Malheiros, 1995; RT 653/389, 2 a turma do Supremo Tribunal Federal e RTJ136/651, 1 a Turma do Supremo Tribunal Federal)

(...)

 

Assim, caso o Ministério Público mantenha-se completamente inerte (exemplos: não oferecer denúncia, não requisitar a realização de novas diligências, não pedir o arquivamento ou não requerer a declinação1 de competência) em relação à notícia-crime, à notícia de fato “criminal”, às peças de informação, ao APF ou à solução do IPM referentes à prática, em tese, do delito de abuso de autoridade durante o prazo legal, será iniciada a contagem decadencial de 6 (seis) meses para que a vítima do abuso de autoridade, se assim desejar, ingresse com queixa-crime subsidiária da pública, fazendo com que, na prática, a queixa-crime substitua2 a denúncia “não apresentada” pelo Ministério Público.

Esse prazo de 6 (seis) meses é apenas em relação ao direito de a vítima ingressar com a queixa-crime, não se confundindo com o prazo prescricional para a extinção da pena, logo, mesmo que o Ministério Público permaneça inerte e a vítima não ingresse com a ação privada subsidiária no prazo legal, será possível ao órgão ministerial, posteriormente, efetivar a denúncia enquanto não ocorrer a prescrição da pretensão punitiva.

Diferentemente do CPP, o CPPM não prevê a ação privada penal subsidiária da pública por inércia do MPM, todavia, tal direito possui índole constitucional, estando contido no inciso LIX do art. 5º da CF/88, sendo, obviamente, de aplicação em qualquer jurisdição penal, haja vista que esse inciso não fez nenhuma ressalva quanto à Justiça Militar:

 

LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;

 

Inclusive, o ex-Ministro Celso de Mello do STF, ao analisar os autos da Petição nº 4281/DF, afirmou que é cabível a queixa-crime subsidiária da pública no âmbito da Justiça Militar da União, conforme se depreende nos seguintes trechos da respectiva decisão:

 

Em suma: torna-se lícito concluir, considerados o magistério da doutrina e a diretriz jurisprudencial prevalecente na matéria, que o ajuizamento da ação penal privada subsidiária da pública, mesmo em sede de crimes militares, pressupõe a completa inércia do Ministério Público, que se abstém, sem justa causa, no prazo legal, (a) de oferecer denúncia, ou (b) de adotar medidas que viabilizem o arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação, ou, ainda, (c) de requisitar novas (e indispensáveis) diligências investigatórias à autoridade policial ou a quaisquer outros órgãos ou agentes do Estado.

 

Importante esclarecer, conforme se extrai do texto legal, que o direito da vítima à queixa-crime subsidiária em consequência da inércia do Ministério Público não é aplicável quando este órgão ministerial requerer o arquivamento dos autos ao órgão competente do Poder Judiciário sob o fundamento de inexistir indícios de autoria e materialidade do delito, ou seja, o inconformismo da vítima quanto ao pedido de arquivamento da notícia-crime, da notícia de fato “criminal”, do APF ou do IPM não possibilitará à vítima o ajuizamento de ação privada subsidiária, porém, se assim fizer, o magistrado rejeitará a queixa-crime por ilegitimidade ativa.

O STJ entende que não será cabível a queixa-crime subsidiária, caso o Ministério Público esteja realizando diligências necessárias ao oferecimento da denúncia, conforme se depreende da ementa abaixo sobre julgamento com suporte na revogada Lei nº 4.898/1965:

 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA. CABIMENTO. REEXAME DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE. LEI 4.898/65. ABUSO DE AUTORIDADE. PRESCRIÇÃO. CONCURSO DE CRIMES. 1. Insuficiente a instrução da representação dirigida à Chefia do Parquet, a realização de diligências imprescindíveis ao oferecimento de denúncia, em regular procedimento investigatório, obsta a propositura de ação penal privada subsidiária da pública, não consubstanciando inércia do órgão do Ministério Público. Inteligência do artigo 39 do Código de Processo Penal. 2. Na hipótese do artigo 29 do Código de Processo Penal, o Ministério Público não perde a legitimidade para a actio, devendo sua manifestação de arquivamento dos autos ser apreciada pelo Poder Judiciário, ainda que invocada a prestação jurisdicional pelo querelante. 3. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial." (Súmula do STJ, Enunciado nº 7). 4. Sendo certo que a prescrição da pena de multa ocorre no mesmo prazo estabelecido para a prescrição da pena privativa de liberdade, quando cumulativamente cominada (artigo 114, inciso II, do Código Penal), e, ainda, que as penas mais leves prescrevem com as mais graves (artigo 118 do Código Penal), tem-se que a prescrição da pretensão punitiva, para os crimes previstos na Lei nº 4.898/65, ocorre, in abstrato, em 2 anos, à luz do que determina o artigo 109, inciso VI, da lei material penal. 5. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incide sobre a pena de cada um, isoladamente (artigo 119 do Código Penal). 6. Recurso não conhecido. (STJ – Resp nº 263.328/SP – 6ª Turma - Relator Ministro Hamilton Carvalhido - DJ de 27.08.2001)

 

O fato de o Ministério Público ordenar a instauração de IPM antes do oferecimento da denúncia, também não autoriza a queixa-crime subsidiária, conforme entendimento do STF durante a vigência da revogada Lei nº 4.898/1965:

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. AÇÃO PENAL SUBSIDIARIA. LEI 4898, DE 1965. I. - Só terá cabimento a queixa-crime de que trata o art. 16 da lei 4898/65, se ficar comprovada a inércia do Ministério Público. II. - Não há falar em omissão do Ministério Público se este, pelo fato de a representação não estar instruída com elementos de prova suficientes para a apresentação da denúncia, requer a instauração de inquérito para tal fim. III. - H.C. Deferido. (STF - HC nº 71282 – 2ª Turma - Relator Ministro Carlos Velloso - DJ de 18.11.1994)

 

O Ministério Público de São Paulo possui o seguinte enunciado sobre o tema:

 

ENUNCIADO nº 46 (art. 3º.): Os crimes da Lei de Abuso de Autoridade são perseguidos mediante ação penal pública incondicionada. A queixa subsidiária pressupõe comprovada inércia do Ministério Público, caracterizada pela inexistência de qualquer manifestação ministerial.

 

A Lei nº 13.869/2019 não explicitou qual é o prazo legal para o oferecimento da denúncia, logo, aplicam-se, subsidiariamente (art. 39), as previsões dispostas no art. 79 do CPPM e no § 1º do art. 46 do CPP que, assim, dispõem, respectivamente:

 

Prazo para oferecimento da denúncia

Art. 79. A denúncia deverá ser oferecida, se o acusado estiver preso, dentro do prazo de cinco dias, contados da data do recebimento dos autos para aquele fim; e, dentro do prazo de quinze dias, se o acusado estiver solto. O auditor deverá manifestar-se sobre a denúncia, dentro do prazo de quinze dias.

Prorrogação de prazo

§ 1º O prazo para o oferecimento da denúncia poderá, por despacho do juiz, ser prorrogado ao dobro; ou ao triplo, em caso excepcional e se o acusado não estiver preso.

§ 2º Se o Ministério Público não oferecer a denúncia dentro deste último prazo, ficará sujeito à pena disciplinar que no caso couber, sem prejuízo da responsabilidade penal em que incorrer, competindo ao juiz providenciar no sentido de ser a denúncia oferecida pelo substituto legal, dirigindo-se, para este fim, ao procurador-geral, que, na falta ou impedimento do substituto, designará outro procurador.

 

Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.

§ 1º Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação.

 

O STF, ao julgar processo com repercussão geral no ano de 2015, entendeu que o prazo legal a ser considerado para fins de configuração da inércia do Ministério Público para possibilitar o direito de ajuizamento de queixa-crime subsidiária pela vítima é o previsto no art. 46 do CPP, conforme se verifica na leitura da respectiva ementa:

 

Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral. Constitucional. Penal e processual penal. 2. Habeas corpus. Intervenção de terceiros. Os querelantes têm legitimidade e interesse para intervir em ação de habeas corpus buscando o trancamento da ação penal privada e recorrer da decisão que concede a ordem. 3. A promoção do arquivamento do inquérito, posterior à propositura da ação penal privada, não afeta o andamento desta. 4. Os fatos, tal como admitidos na instância recorrida, são suficientes para análise da questão constitucional. Provimento do agravo de instrumento, para análise do recurso extraordinário. 5. Direito a mover ação penal privada subsidiária da pública. Art. 5º, LIX, da Constituição Federal. Direito da vítima e sua família à aplicação da lei penal, inclusive tomando as rédeas da ação criminal, se o Ministério Público não agir em tempo. Relevância jurídica. Repercussão geral reconhecida. 6. Inquérito policial relatado remetido ao Ministério Público. Ausência de movimentação externa ao Parquet por prazo superior ao legal (art. 46 do Código de Processo Penal). Surgimento do direito potestativo a propor ação penal privada. 7. Questão constitucional resolvida no sentido de que: (i) o ajuizamento da ação penal privada pode ocorrer após o decurso do prazo legal, sem que seja oferecida denúncia, ou promovido o arquivamento, ou requisitadas diligências externas ao Ministério Público. Diligências internas à instituição são irrelevantes; (ii) a conduta do Ministério Público posterior ao surgimento do direito de queixa não prejudica sua propositura. Assim, o oferecimento de denúncia, a promoção do arquivamento ou a requisição de diligências externas ao Ministério Público, posterior ao decurso do prazo legal para a propositura da ação penal, não afastam o direito de queixa. Nem mesmo a ciência da vítima ou da família quanto a tais diligências afasta esse direito, por não representar concordância com a falta de iniciativa da ação penal pública. 8. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 9. Recurso extraordinário provido, por maioria, para reformar o acórdão recorrido e denegar a ordem de habeas corpus, a fim de que a ação penal privada prossiga, em seus ulteriores termos. (STF - ARE nº 859251 RG – Tribunal Pleno – Relator Ministro Gilmar Mendes – DJe de 21.05.2015)

 

Importante destacar que o § 1º do art. 46 do CPP faz a seguinte observação:

 

§ 1º Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação.

 

Como dito anteriormente, na prática, a notícia de fato de natureza “criminal” é como se fosse “peças de informações”, sendo que a revogada Lei nº 4.898/1965 previa que a notícia de crime de abuso de autoridade efetivada pela vítima ao Ministério Público era denominada de “representação”, logo, certamente, por questão lógica, aplica-se o § 1º do art. 46 do CPP, assim como o art. 79 do CPPM, de forma subsidiária na Lei nº 13.869/2019 para fins de configuração da inércia do Ministério Público.

Entretanto, o Conselho Nacional do Ministério Público, por meio da Resolução nº 174, de 04.07.2017, que disciplinou, no âmbito do Ministério Público, a notícia de fato de natureza “cível” e “criminal”, em contrariedade aos prazos legais fixados no art. 79 do CPPM e no § 1º do art. 46 do CPP, aumentou, ilegalmente, os prazos para que o Ministério Público analise a notícia-crime (notícia de fato “criminal”), conforme se depreende do art. 3º da referida resolução:

 

Art. 3º. A Notícia de Fato será apreciada no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do seu recebimento, prorrogável uma vez, fundamentadamente, por até 90 (noventa) dias.

Parágrafo único. No prazo do caput, o membro do Ministério Público poderá colher informações preliminares imprescindíveis para deliberar sobre a instauração do procedimento próprio, sendo vedada a expedição de requisições.

 

Porém, o art. 6º desta mesma resolução prevê que em sendo notícia de fato de natureza “criminal”, o Ministério Público deverá observar a legislação vigente que, como já discorrido, em virtude de omissão na Lei nº 13.869/2019, aplica-se, subsidiariamente, o art. 79 do CPPM e o § 1º do art. 46 do CPP, então vejamos o mencionado art. 6º:

 

Art. 6º. Na hipótese de notícia de natureza criminal, além da providência prevista no parágrafo único do art. 3°, o membro do Ministério Público deverá observar as normas pertinentes do Conselho Nacional do Ministério Público e da legislação vigente.

 

Todavia, após a análise de várias notícias de fato em tramitação no Ministério Público Militar da União, foi verificado que mesmo em caso de notícia de fato de natureza “criminal” pela prática, em tese, do delito de abuso de autoridade ou outro delito penal militar ou militar por extensão, o Ministério Público segue somente o prazo fixado no art. 3º da Resolução nº 174, de 04.07.2017, o que, na minha opinião técnica, respeitando entendimentos contrários, é absolutamente ilegal por ferir, flagrantemente, os prazos fixados na legislação vigente (art. 79 do CPPM e no § 1º do art. 46 do CPP).

O prejuízo para a vítima quando o Ministério Público aplica o prazo previsto na citada resolução e não o prazo fixado na legislação processual penal para o oferecimento da denúncia é a demora para que seja possível a utilização da queixa-crime subsidiária em caso de inércia do órgão ministerial. Haja vista que, de acordo com o art. 3º da referida resolução, o Ministério Público deverá apreciar inicialmente a notícia de fato “criminal” em até 30 (trinta) dias, podendo prorrogar por até 90 (noventa) dias, mas se for seguida a legislação vigente (CPP ou CPPM), o prazo para a apreciação inicial da notícia “criminal” será de 15 (quinze) dias se o acusado da prática delituosa estiver solto, podendo, conforme o caso, ser prorrogado.

Na prática, quando o Ministério Público passa a aplicar o prazo previsto no art. 3º da Resolução nº 174, de 04.07.2017, nas notícias-crimes apresentadas pelas vítimas do cometimento do delito de abuso de autoridade, está “ganhando” um prazo excedente de até 1053 (cento e cinco) dias para a apreciação inicial da notícia de fato “criminal” em prejuízo da vítima que deseja justiça de forma célere.

É óbvio, inclusive já foi discorrido, que se, por exemplo, no prazo de 15 (quinze) dias o Ministério Público entender serem necessárias novas diligências, não se configurará a sua inércia4 para fins de queixa-crime subsidiária da pública.

Uma prova jurídica de que o procedimento interno do Ministério Público denominado notícia de fato, de natureza “criminal”, referente à prática, em tese, do delito de abuso de autoridade deve seguir os prazos da legislação processual “penal” e não da Resolução nº 174, de 04.07.2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, é a jurisprudência sobre o art. 13 da revogada Lei nº 4.898/1965, que previa o prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a contar da representação da vítima, para que o Ministério Público, se fosse o caso, oferecesse denúncia:

 

Art. 13. Apresentada ao Ministério Público a representação da vítima, aquele, no prazo de quarenta e oito horas, denunciará o réu, desde que o fato narrado constitua abuso de autoridade, e requererá ao Juiz a sua citação, e, bem assim, a designação de audiência de instrução e julgamento.

§ 1º A denúncia do Ministério Público será apresentada em duas vias.

 

O TRF2 afirmou o seguinte em relação ao art. 13:

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA. LEGITIMIDADE DEPENDENTE DA CARACTERIZAÇÃO DA INÉRCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. A legitimidade para a propositura de queixa subsidiária depende da caracterização da inércia do Ministério Público. 2. O prazo exíguo de 48 (quarenta e oito) horas previsto no art. 13 da Lei 4898-65 para o ajuizamento da denúncia deve ser interpretado sistematicamente, de modo que a lentidão do parquet é intolerável se o fato narrado consistir inequivocamente em abuso de autoridade, mas não pode servir de empecilho ao exercício da persecução penal pelo órgão ministerial, se a formação de opinio delicti demandar atraso justificado. 3. Os fatos narrados pelo recorrente são insuficientes para que se firme a justa causa necessária ao ajuizamento da ação penal. 4. Recurso desprovido. (TRF2 – RSE nº 0002725-96.2002.4.02.0000 - Relator Desembargador Federal André Fontes - DJ de 19.12.2006)

 

Entendo, respeitando posicionamentos contrários, que os prazos dispostos no art. 3º da Resolução nº 174, de 04.07.2017, do Conselho Nacional do Ministério Público para a apreciação de notícia de fato somente podem ser aplicados em notícia de fato de natureza “cível”, pois em sendo a notícia de fato de natureza “criminal”, ou mesmo PIC, os prazos para a apreciação para fins de oferecimento de denúncia ou, se for o caso, por exemplos, de pedido de arquivamento ou novas diligências, devem ser os previstos na legislação processual “penal” vigente: art. 79 do CPPM e § 1º do art. 46 do CPP.

Sem sombra de dúvidas, o CPPM e o CPP são normas hierarquicamente superiores a qualquer norma interna do Conselho Nacional do Ministério Público, logo, em sendo desrespeitada a hierarquia das normas5, estar-se-á praticando ilegalidade.

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1DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. OFERECIMENTO DE QUEIXA-CRIME. DELITOS PRATICADOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR. NÃO COMPROVAÇÃO DA INÉRCIA DO TITULAR DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA AD CAUSAM. ART. 129, I DA CRFB). I - Nos crimes de ação penal pública incondicionada, a admissibilidade da ação penal privada subsidiária da pública (art. 29 do Código Penal) fica condicionada à inércia do dominus litis (art. 129, I da CRFB). II - Se, ao receber a Notícia de Fato objeto da presente queixa-crime, o órgão do "parquet" federal entendeu por bem declinar de sua atribuição, remetendo os autos ao MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR, sob o fundamento que os ilícitos apontados foram praticados contra a Administração Militar, o que está a descaracterizar a sua inércia, não há fato jurígeno à legitimação ativa extraordinária do particular para o ajuizamento de ação penal pública. III - Recurso em sentido estrito desprovido. (TRF2 – RSE nº 201851010784400 - 2ª Turma Especializada – Relator Desembargador André Fonte – DJe de 20.08.2019)

2RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA APURAR A SUPOSTA PRÁTICA DO DELITO DE MAUS TRATOS. QUEIXA- CRIME DE AÇÃO PÚBLICA SUBSIDIÁRIA. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO. PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULADO APÓS O AJUIZAMENTO DA QUEIXA-CRIME. IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO. VIOLAÇÃO AO ART. 29 DO CPP e ART. 5º, LIX, DA CF. EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO PROVIDO. 1. A Constituição da República, de 1988, fazendo clara opção pela persecução penal pública como regra (art. 129, I), previu uma única hipótese de iniciar-se a ação penal por provocação do particular ofendido (ou seu representante legal), ao estabelecer, no art. 5º, inciso LIX do seu Bill of Rights, que "será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal", iniciativa, ressalte-se, que, por sua topografia constitucional, ineludivelmente constitui um direito do indivíduo. 2. Na espécie, vencido o prazo para o oferecimento da denúncia sem manifestação alguma do representante do Ministério Público, foi oferecida queixa-crime subsidiária pelo representante legal da vítima, sendo irrelevante posterior pedido de arquivamento do inquérito policial pelo Parquet. 3. Ante a inércia do Ministério Público e proposta a ação penal subsidiária após o decurso do prazo ministerial, é o caso de o Magistrado de primeira instância prosseguir na análise relativa ao recebimento da exordial acusatória. Precedentes e doutrina. 4. Recurso provido, a fim de anular a decisão de arquivamento, determinando ao Juízo de Direito que processe a queixa-crime subsidiária. (STJ – RMS nº 50780 SP 2016/0109958-0 – 6ª Turma - Relator Ministro Rogério Schietti Cruz - DJe de 02.02.2017)

330 dias mais 90 dias em prorrogação (120 dias: resolução) menos (15 dias: CPP e CPPM) igual a 105 dias.

4PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE REJEITOU A QUEIXA-CRIME, NOS TERMOS DO PARECER MINISTERIAL. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DOS DELITOS DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 339, § 1º. DO CP), CORRUPÇÃO DE TESTEMUNHA (ART. 343 DO CP), FAVORECIMENTO REAL (ART. 349 DO CP) E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 288 DO CP) A DESEMBARGADORA DO TJAP E PROCURADORES DE JUSTIÇA DO MPAP, DENTRE OUTROS QUERELADOS. AUSÊNCIA DE INÉRCIA OU DESÍDIA DO PARQUET. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 29 DO CPP E 100, § 3o., DO CP. INVIABILIDADE DE DEFLAGRAÇÃO DA QUEIXA-CRIME SUBSIDIÁRIA. AGRAVO REGIMENTAL DO QUERELANTE REJEITADO, NOS TERMOS DA MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 1. Trata-se de Ação Penal Privada em que se pede a apuração de alegada prática dos crimes de denunciação caluniosa (art. 339, § 1º. do CP), corrupção de testemunha (art. 343 do CP), favorecimento real (art. 349 do CP) e associação criminosa (art. 288 do CP) atribuídos contra Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá e quatro membros do Ministério Público do Estado do Amapá, delitos que teriam sido praticados juntamente com outros agentes. 2. A Ação Penal Privada Subsidiária da Pública, de nítida envergadura constitucional (art. 5º., LIX da CF), configura espécie excepcional de legitimidade do ofendido para promover a persecução penal. O seu pressuposto procedimental, ou a sua premissa básica, é a inérica do Ministério Público, de modo que, ausente esta, não é de se dar trânsito à queixa-crime supletiva, ajuizada em substituição à denúncia pública. 3. Segundo o Ministério Público Federal anotou em seu Parecer, a complexidade dos fatos e a pluralidade de versões apresentadas determinaram o não oferecimento imediato da denúncia, diante da necessidade de aprofundamento das investigações e densificação da colheita de prova. Deve-se reconhecer que esta atitude prudencial do MPF, coaduna-se com a sua gravíssima responsabilidade como dominus litis. 4. Constatação de que os fatos alegados pelo Querelante estão sendo apurados pelo titular da Ação Penal com a prudência e a cautela que se esperam de sua atuação, o que torna ilegítimo e improcedível o ajuizamento da queixa-crime substitutiva, nos exatos termos do art. 29 do Código de Processo Penal. 5. Agravo Regimental do Querelante a que se nega provimento, de acordo com a pertinente manifestação do Ministério Público Federal, mantendo-se a decisão de rejeição da queixa-crime. (STJ - AgRg na APn: 826 DF 2015/0250349-0 – Corte Especial - Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho - NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO - DJe de 19.09.2018)

5O Capítulo 16 trata do estudo da hierarquia das normas.

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