MANUAL PRÁTICO DO MILITAR - 3ª EDIÇÃO - VERSÃO ONLINE 3.22.11 - ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO EM 11.11.2022
Para contratar Dr. Diógenes entre em contato pelo WhatsApp 61-99800-5309
ATUAÇÃO EM TODO O BRASIL
CAPÍTULO 5 - CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE NA ESFERA MILITAR: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR
5.4. COMO EFETIVAR A COMUNICAÇÃO DA PRÁTICA DE ABUSO DE AUTORIDADE POR MILITAR
A nova lei de abuso de autoridade excluiu o termo jurídico “representação” para o fim de comunicar a prática do delito nas esferas penal, cível e administrativa, sendo que as denominações que entendo, particularmente, mais adequadas, atualmente, a serem utilizadas nas nominações das peças comunicativas da prática de delito de abuso de autoridade são as seguintes: a) perante a autoridade policial: notícia-crime; b) perante o Ministério Público: notícia-crime; e c) perante a administração pública: comunicação.
O direito de petição tem índole constitucional, assim, nenhuma outra norma jurídica poderá restringir esse direito constitucional de qualquer pessoa e, obviamente, esse direito também pertence ao militar. Esse esclarecimento foi necessário em virtude de que, não raro, a Administração Castrense entende que o militar não poderá fazer, por exemplo, notícia de fato contra superior hierárquico diretamente ao Ministério Público.
Quando era militar, um ex-Comandante da Base Aérea de Natal imputou-me 06 (seis) dias de prisão disciplinar sob o argumento de que eu não poderia ter efetivado uma representação por improbidade administrativa perante o MPF contra um Major da Aeronáutica, sendo que contra esse ato ilegal foi impetrado um habeas corpus (processo nº 2005.84.00.008857-2 – 2ª Vara Federal do Estado do Rio Grande do Norte), onde restou identificada a prática de abuso de poder.
O Juiz Federal concedeu a ordem nesse habeas corpus nos seguintes termos:
Diante do exposto, julgo procedente o pedido de habeas corpus formulado em prol de DIÓGENES GOMES VIEIRA, determinando que o paciente não seja preso em decorrência da ausência de comunicação prévia à autoridade militar hierarquicamente superior a cerca da representação enviada ao Ministério Público Federal, confirmando os efeitos da decisão liminar1. Condeno a autoridade coatora no pagamento das custas, pelo fato de ter agido, consoante as razões acima esposadas, com evidente abuso de poder.
A condenação em custas teve suporte no seguinte art. 653 do CPP:
Art. 653. Ordenada a soltura do paciente em virtude de habeas corpus, será condenada nas custas a autoridade que, por má-fé ou evidente abuso de poder, tiver determinado a coação.
Parágrafo único. Neste caso, será remetida ao Ministério Público cópia das peças necessárias para ser promovida a responsabilidade da autoridade.
Interessante, ainda, destacar os seguintes trechos da referida sentença:
Verifica-se, aqui, que se trata de prisão exalarada com afronta aos ditames imperativos da legalidade pela autoridade coatora, apenas, e tão-somente, pelo fato de o paciente, no seu legítimo direito de ação constitucionalmente assegurado, ter acionado, via representação, o Ministério Público, a quem compete a defesa da ordem pública, do regime democrático e dos direitos homogêneos e transindividuais, por isso mesmo, pode-se concluir que, nada obstante a dicção normativa do art. 5º, inciso XXXV, refira-se expressamente à inafastabilidade dos órgãos Judiciários, o Ministério Público legitimado para propor a ação por ato de improbidade administrativa, representa, nessa condição, não apenas a pessoa que subscreveu o pedido de representação, como também a coletividade de um modo geral.
No entanto – e por apresentar-se verdade bizantina, não precisaria nem ser sublinhado – é evidente que a autoridade militar, no escopo de manter a disciplinar e a obediência hierárquica não pode cometer abuso de poder e, tampouco, ilegalidade, em caráter absoluto. O exercício do direito de ação não pode conferir azo a nenhum tipo de punição, máxime à que consiste na privação do direito de liberdade, estreme de dúvidas, a mais severa dentre as admitidas. Punir-se alguém em virtude de ter recorrido aos meios de defesa de seus direitos, apresenta-se ilegalidade extrema, carecendo de controle judicial pela via do remédio heróico, ainda que se trate de prisão administrativa militar.
O caso sub examine traz à mente lição carregada de sabedoria, ministrada por IHERING, no “Livro a luta pelo Direito”: “Quando o arbítrio e a ilegalidade se aventuram audaciosamente a levantar a cabeça, é sempre um sinal certo de que aqueles que tinham por missão defender a lei não cumpriram o seu dever”.
Inegavelmente, o direito de petição2 ao Ministério Público para a reivindicação de direitos é um ato absolutamente constitucional.
O art. 39 da Lei nº 13.869/2019 prevê o seguinte:
Art. 39. Aplicam-se ao processo e ao julgamento dos delitos previstos nesta Lei, no que couber, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
A seguir, será discorrido, na prática, sobre como poderá ser efetivada a comunicação do cometimento, em tese, do crime de abuso de autoridade praticado por militar contra militar.
_____________________________________
1Foi concedido alvará de soltura no 2º dia de prisão disciplinar.
2APELAÇÃO. ART. 343 DO CPM. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. RECURSO DA ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOLO. DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. Para a perfeita subsunção do fato à norma, se faz necessária a clara comprovação do dolo direto, traduzido no conhecimento, pelo agente, o qual se imputa a denunciação caluniosa, de que o ofendido era inocente e, que, de forma voluntária e consciente, ainda assim, dá início à movimentação do Estado com vistas a apurar conduta criminosa. Ex-2º Sargento que, se sentindo verdadeiramente vítima, representou ao Ministério Público contra superior Oficial narrando os delitos de abuso de autoridade, difamação e injúria. Não se verifica nos autos a existência de um conjunto probatório apto a demonstrar que a instauração do Inquérito Policial Militar foi provocada com o escopo de atribuir crime a uma pessoa que se sabe ser inocente. Inexistindo, na hipótese, o dolo específico, elementar do tipo, não é imputável a conduta criminosa. Precedentes. Negado provimento ao recurso ministerial, para manter na íntegra a Sentença absolutória. Unânime. (STM – Apelação nº 0000020-58.2012.7.04.0004/MG - Relator Ministro Marcus Vinicius Oliveira dos Santos - DJe de 15.06.2016)