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CAPÍTULO 5 - CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE NA ESFERA MILITAR: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR
5.2. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR: ALTERAÇÃO DO INCISO II DO ART. 9º DO CÓDIGO PENAL MILITAR
Até o advento da Lei nº 13.491/2017, que alterou o inciso II do art. 9º do CPM, que trata dos crimes em tempo de paz, a Justiça Militar somente detinha competência para processar e julgar militares e civis (exceto a Justiça Militar dos Estados e do DF) pelo cometimento de crime militar previsto no CPM, e devido ao fato de que o crime de abuso de autoridade não estava previsto no CPM, mas apenas em lei penal extravagante1 ou esparsa (Lei nº 4.898/1965), a competência era da Justiça Comum de acordo com a Súmula nº 172 do STJ.
Entretanto, a partir da vigência da Lei nº 13.491/2017, a Justiça Militar passou a ser competente para processar e julgar militar acusado da prática do crime de abuso de autoridade contra outro militar com suporte no inciso II do art. 9º do CPM:
Crimes militares em tempo de paz
Art. 9º. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
(...)
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) revogada.
(...)
O art. 39 da Lei nº 13.491/2017 permite a aplicação da Lei nº 9.099/1995 nos crimes de abuso de autoridade:
Art. 39. Aplicam-se ao processo e ao julgamento dos delitos previstos nesta Lei, no que couber, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Entretanto, esse dispositivo não se aplica na Justiça Militar, haja vista haver impedimento no art. 90-A da Lei nº 9.099/1995:
Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.
O Coronel da Aeronáutica, ex-Comandante da Base Aérea de Natal, que não conseguiu ser Brigadeiro, e foi processado por minha iniciativa por ter praticado abuso de autoridade contra mim no ano de 2006, quando ainda era militar da Aeronáutica, foi beneficiado pela aplicação da Lei nº 9.099/1995 que, à época, já era utilizada nos processos tramitados na Justiça Federal Comum, porém, se tivesse sido processado e julgado pela Justiça Militar da União na vigência da Lei nº 13.491/2017, não seria beneficiado com a Lei nº 9.099/1995 e, assim, as consequências maléficas em sua carreira militar seriam muito piores.
Em virtude da Lei nº 13.491/2017, os magistrados começaram a remeter os processos que estavam tramitando na Justiça Comum para a Justiça Militar, o que acabou ocasionando a suscitação de conflitos de competência2, podendo-se destacar o Conflito de Competência CC nº 160902/RJ do STJ sobre a aplicabilidade dessa nova lei em relação aos fatos delituosos ocorridos antes de sua vigência, tendo sido decidido que a competência é da Justiça Militar, conforme se depreende da respectiva ementa:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A LEI DE LICITAÇÕES PRATICADO POR MILITAR EM SITUAÇÃO DE ATIVIDADE CONTRA PATRIMÔNIO SOB A ADMINISTRAÇÃO MILITAR. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N.º 13.491/2017. AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CASTRENSE. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. SENTENÇA DE MÉRITO NÃO PROFERIDA. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITANTE. 1. Hipótese em que a controvérsia apresentada cinge-se à definição do Juízo competente para processar e julgar crime praticado, em tese, por militar em situação de atividade contra patrimônio sob a administração militar antes do advento da Lei n.º 13.491/2017. 2. A Lei n.º 13.491/2017 promoveu alteração na própria definição de crime militar, o que permite identificar a natureza material do regramento, mas também ampliou, por via reflexa, de modo substancial, a competência da Justiça Militar, o que constitui matéria de natureza processual. É importante registrar que, como a lei pode ter caráter híbrido em temas relativos ao aspecto penal, a aplicação para fatos praticados antes de sua vigência somente será cabível em benefício do réu, conforme o disposto no art. 2.º, § 1.º, do Código Penal Militar e no art. 5.º, inciso XL, da Constituição da República. Por sua vez, no que concerne às questões de índole puramente processual - hipótese dos autos -, o novo regramento terá aplicação imediata, em observância ao princípio do tempus regit actum. 3. Tratando-se de competência absoluta em razão da matéria e considerando que ainda não foi proferida sentença de mérito, não se aplica a regra da perpetuação da jurisdição, prevista no art. 43 do Código de Processo Civil, aplicada subsidiariamente ao processo penal, de modo que os autos devem ser remetidos para a Justiça Militar. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Auditor da 4.ª Auditoria da 1.ª Circunscrição Judiciária Militar do Estado do Rio de Janeiro, ora Suscitante. (STJ - CC 160.902/RJ – 3ª Seção - Relatora Ministra Laurita Vaz - DJe de 18.12.2018)
Os crimes previstos em leis penais extravagantes ou esparsas (ex.: Lei nº 13.869/2019: abuso de autoridade3) de competência da Justiça Militar, decorrentes da nova redação do inciso II do art. 9º do CPM dado pela Lei nº 13.491/2017, passaram a serem chamados de crimes militares por extensão.
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1Leis penais extravagantes ou esparsas, também conhecidas como leis especiais, são aquelas leis que não estão escritas no código penal, mas que constam em leis separadas.
2Em resumo, conflito de competência ocorre quando: a) 2 (dois) ou mais juízes se declaram competentes para julgar o processo (chama-se de conflito positivo); b) quando 2 (dois) ou mais juízes se consideram incompetentes para julgar o processo (chama-se de conflito negativo); ou c) quando entre 2 (dois) ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos.
3CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA MILITAR E JUSTIÇA COMUM. AÇÃO PENAL. ABUSO DE AUTORIDADE. FATO PERPETRADO ANTES DO ADVENTO DA LEI N 13.491/2017. DISSENSO ESTABELECIDO ACERCA DA INCIDÊNCIA DA NORMA, SOB A PERSPECTIVA DE QUE OSTENTA CONTEÚDO HÍBRIDO, CUJO EFEITO, POR ENSEJAR PREJUÍZO AO RÉU, SERIA PASSÍVEL DE AFASTAR A SUA APLICABILIDADE, POR IMPLICAR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS GRAVOSA. QUESTÃO DEBATIDA NO CC N. 160.902/RJ, SOB O ASPECTO PROCESSUAL. DISSENSO QUE RECLAMA O EXAME DA QUESTÃO SOB A PERSPECTIVA INTEGRAL DA NORMA. CARÁTER HÍBRIDO RECONHECIDO. POSSIBILIDADE DE CONFORMAÇÃO ENTRE A INCIDÊNCIA IMEDIATA E A OBSERVÂNCIA DA NORMA PENAL MAIS BENÉFICA AO TEMPO DO CRIME. DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO MILITAR COM RESSALVA. 1. A aplicação da Lei n. 13.491/2017 aos delitos perpetrados antes do seu advento foi objeto de julgado recente da Terceira Seção, no qual se concluiu pela aplicação imediata da norma, em observância ao princípio tempus regit actum (CC n. 160.902/RJ, Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe 18/12/2018). 2 . A solução do dissenso reclama uma discussão que vai além do aspecto processual, notadamente porque há posições doutrinárias que, sob a premissa de que a norma possui conteúdo híbrido, afastam sua aplicabilidade aos fatos anteriores ao seu advento. 3. A Lei n. 13.491/2017 não tratou apenas de ampliar a competência da Justiça Militar, também ampliou o conceito de crime militar, circunstância que, isoladamente, autoriza a conclusão no sentido da existência de um caráter de direito material na norma. Tal aspecto, embora evidente, não afasta a sua aplicabilidade imediata aos fatos perpetrados antes de seu advento, já que a simples modificação da classificação de um crime como comum para um delito de natureza militar não traduz, por si só, uma situação mais gravosa ao réu, de modo a atrair a incidência do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (arts. 5º, XL, da CF e 2º, I, do CP). 4. A modificação da competência dela decorrente, em alguns casos, enseja consequências que repercutem diretamente no jus libertatis, inclusive de forma mais gravosa ao réu, tais como: 1) a possibilidade de cúmulo material das penas, mesmo em crimes perpetrados em continuidade delitiva (art. 80 do Código Penal Militar); 2) o afastamento das medidas despenalizadoras previstas na Lei n. 9.099/1995 (ante a vedação prevista no art. 90-A da Lei n. 9.099/1995); e 3) a inaplicabilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (nos moldes previstos no art. 44 do CP). 5. A existência de um caráter híbrido na norma não afasta a sua aplicabilidade imediata, pois é possível conformar sua incidência com o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, mediante observância, pelo Juízo Militar, da legislação penal (seja ela militar ou comum) mais benéfica ao tempo do crime. 6. A solução não implica uma cisão da norma, repudiada pela jurisprudência, notadamente porque o caráter material, cuja retroatividade é passível de gerar prejuízo ao réu, não está na norma em si, mas nas consequências que dela advêm. 7. Ressalva inafastável da declaração de competência, já que a solução do julgado dela depende, além do que a simples declaração da Justiça Militar pode dar azo a ilegalidade futura. 8. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Auditoria da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, o suscitante, nos moldes explanados no voto condutor. (STJ - CC nº 161.898/MG – 3ª seção - Relator Ministro Sebastião Reis Júnior - DJe de 20.02.2019)