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CAPÍTULO 4 - HABEAS CORPUS NAS TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES
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4.8. QUEM PODE IMPETRAR (AJUIZAR) UM HABEAS CORPUS? É OBRIGATÓRIA A CONTRATAÇÃO DE UM ADVOGADO? HÁ DESPESAS COM O PODER JUDICIÁRIO?

 

Para iniciar esse subtópico, transcreverei o inciso LXXVII do art. 5º da CF/88:

 

LXXVII - são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data1", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.

 

Esse dispositivo constitucional informa que a impetração de habeas corpus é gratuita, todavia, a gratuidade se refere ao pagamento de custas processuais2, que são as despesas ou encargos decorrentes do ajuizamento, processamento e julgamento de uma ação judicial. Isso não quer dizer que o Advogado, se for contratado, não cobrará por seus serviços (honorários advocatícios).

Importante mencionar que há instituições que oferecem, gratuitamente, para pessoas mais carentes, os serviços do Advogado, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria Pública, Associações, dentre outras.

Surge, então, a seguinte pergunta: é obrigatória a participação do Advogado na confecção da petição3 do habeas corpus a fim de ser possível a impetração desse remédio constitucional perante o Poder Judiciário? A resposta é negativa, embora, sem dúvidas, ninguém melhor do que o Advogado para confeccionar a petição inicial do writ, haja vista possuir conhecimentos técnicos jurídicos suficientes para efetivar a fundamentação jurídica junto ao Poder Judiciário, a fim de impedir ou cessar prisões ilegais.

O § 1º do art. 1º da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) prevê que não é privativo do Advogado a impetração do writ constitucional:

 

Art. 1º. São atividades privativas de advocacia:

I - a postulação a qualquer4 órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.

 

O art. 3º-A na Lei nº 8.906/1994, incluído pela Lei nº 14.039/2020, trata da notória especialização dos serviços profissionais de Advogado:

 

Art. 3º-A. Os serviços profissionais de advogado são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.

Parágrafo único. Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de advogados cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

Aproveito e transcrevo o dispositivo da CF/88 que informa que o Advogado é imprescindível para a concretização da Justiça:

 

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

 

Logo, se não é obrigatória a impetração do habeas corpus por Advogado, concluiu-se, então, que qualquer pessoa5, física ou jurídica6, poderá confeccionar e assinar a petição desse writ constitucional.

Segue abaixo uma decisão do TRF1 onde está expresso (“impetrado em causa própria pelo paciente”) que o próprio paciente-militar impetrou habeas corpus preventivo com pedido de liminar, ou seja, sem a necessidade de Advogado, no entanto a petição do habeas corpus foi indeferida7 em virtude da falta de competência do TRF1 para processar e julgar o caso concreto desse militar:

 

Trata-se de habeas corpus preventivo, com pedido de liminar, impetrado em causa própria pelo paciente (nome excluído propositalmente), em que aponta como autoridade impetrada o Comandante do Grupamento de Apoio de Anápolis, Tenente Coronel de Infantaria (nome excluído propositalmente), que determinou a instauração de procedimento administrativo contra o referido paciente, por supostamente ter cometido transgressão disciplinar, a ser punida com prisão. Insurge-se o impetrante, em síntese, contra a alegada violação ao seu direito ao devido processo legal, com respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, desconsiderados pela autoridade impetrada com o indeferimento do requerimento de oitiva de testemunhas de defesa. Dessa forma, afirma o procedimento administrativo disciplinar está praticamente concluído, sendo eminente o risco de ser punido com prisão disciplinar, o que autoriza a concessão de salvo conduto para evitar uma prisão ilegal. Inicialmente, foram os autos distribuídos à desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas, membro da Primeira Turma deste Tribunal (fl. 44), que acolheu a manifestação da PRR/1ª Região (fls. 52/58), para declinar da competência em prol de um dos membros da Segunda Seção desta Corte (fls. 62/63). Foram os autos redistribuídos para o desembargador federal Cândido Ribeiro - Quarta Turma (fl. 66). É o relatório. O Tribunal Regional Federal da Primeira Região não tem competência para processar e julgar o presente habeas corpus, impetrado contra autoridade que não foro por prerrogativa de função perante esta Corte Regional, nos termos do artigo 108, inciso I, alínea "a", da Constituição Federal, que elenca de forma taxativa as autoridades que devem ser julgadas neste TRF1, bem como da alínea "d" do referido dispositivo constitucional. Considerando o entendimento no sentido de que: "Não se apresenta como juridicamente possível a alteração, em momento posterior à impetração, da autoridade inicialmente apontada na petição inicial como coatora, considerando que o foro competente para o processamento e julgamento do habeas corpus é fixado no momento da impetração, levando-se em consideração a autoridade que se indica como impetrada" (TRF1 - 4ª Turma, AGRHC 0075573-93.2011.4.01.0000/MT, e-DJF1 p. O72 de 10/04/2012), a presente impetração não tem como ser conhecida. No mesmo sentido: TRF1 - 4ª Turma, HC 0038597-53.2012.4.01.0000/DF, e-DJF1 p. 9O2 de 15/08/2012). Por sua vez, verifica-se na documentação trazida com a petição inicial deste writ, que o paciente, acertadamente, já impetrou habeas corpus perante a autoridade competente, que é o Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Anápolis, Seccional de Goiás (HC 0000596-90.2017.4.01.3502), pelos mesmos fatos, sendo que a liminar foi indeferida (fls. 39/43). Pelo exposto, com base no artigo 221 do RITRF1, indefiro liminarmente a petição inicial deste habeas corpus, em face da incompetência absoluta deste Tribunal, para dele tomar conhecimento originariamente, por ter sido impetrado contra ato atribuído ao Comandante do Grupamento de Apoio de Anápolis, Tenente Coronel de Infantaria Aldo José Pereira da Rosa. I. Comunique-se à autoridade impetrada e ao Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Anápolis, Seccional de Goiás. Dê-se ciência à PRR/1ª Região. Sem recurso, arquivem-se os autos. Cumpra-se. Brasília (DF), 16 de março de 2017. JUIZ FEDERAL LEÃO APARECIDO ALVES (CONVOCADO) Na ausência eventual do Relator (RITRF1, art. 118, I)

 

Surge mais uma indagação: o militar que estiver na iminência de ser preso ou se estiver preso disciplinarmente será a única pessoa que poderá elaborar e impetrar o pedido de habeas corpus? A resposta é negativa, pois o paciente8 poderá ser o próprio impetrante9, assim como qualquer outra pessoa, inclusive a pessoa jurídica10, conforme entendimento jurisprudencial, podendo-se destacar a seguinte decisão do STJ:

 

PROCESSUAL E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS REQUERIDO POR PESSOA JURÍDICA. DIREITO A EDUCAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PROCEDIMENTO JUDICIAL. CONDUÇÃO COERCITIVA. POSSIBILIDADE. 1. É possível a impetração de habeas corpus por pessoa jurídica em favor de um de seus sócios, pois não se deve antepor restrições a uma ação cujo escopo fundamental é preservar a liberdade do cidadão contra quaisquer ilegalidades ou abusos de poder (...) (STJ – RHC nº 3.716/PR – 5ª Turma – Relator Ministro Jesus Costa Lima – DJ de 15.08.1994)

 

O caput do art. 654 do CPP dispõe sobre a legitimidade para se impetrar o habeas corpus:

 

Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.

 

O STF assim se pronunciou sobre a possibilidade de qualquer pessoa impetrar habeas corpus e, se for o caso, interpor recurso sem a necessidade de Advogado:

 

RECURSO - HABEAS CORPUS - DISPENSA DA CAPACIDADE POSTULATÓRIA. Versando o processo sobre a ação constitucional de habeas corpus, tem-se a possibilidade de acompanhamento pelo leigo, que pode interpor recurso, sem a exigência de a peça mostrar-se subscrita por profissional da advocacia. Precedentes: Habeas Corpus nº 73.455-3/DF, Segunda Turma, relator ministro Francisco Rezek, Diário da Justiça de 7 de março de 1997, e Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 60.421-8/ES, Segunda Turma, relator ministro Moreira Alves, Revista Trimestral de Jurisprudência 108/117-20. O enfoque é linear, alcançando o recurso interposto contra decisão de turma recursal de juizado especial proferida por força de habeas corpus. (STF – HC nº 84.716/MG – 1ª Turma – Relator Ministro Marco Aurélio - DJ de 26.11.2004)

 

Capacidade postulatória em relação aos Advogados, é a capacidade técnica-formal concretizada pela inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de acordo com as diretrizes previstas na Lei nº 8.906/1994.

Em sede de habeas corpus, não é necessário que o impetrante possua capacidade postulatória para impetrar o writ, entretanto, se pretender impetrar um mandado de segurança, será necessário possuir capacidade postulatória, e em não a possuindo, deverá contratar um Advogado ou requerer os serviços gratuitos da nobre Defensoria Pública.

Todavia, existiam Tribunais que não seguiam o entendimento do STF quanto à desnecessidade da capacidade postulatória para a impetração de habeas corpus, como por exemplo, o STJ, conforme se depreende na ementa abaixo:

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OPOSIÇÃO. PRÓPRIO PACIENTE. JUS POSTULANDI. INTEGRAÇÃO. ADVOGADO. NECESSIDADE. 1. Não se conhece de embargos declaratórios opostos pelo próprio paciente contra acórdão de habeas corpus, dado que, embora possa manifestar a vontade inequívoca de recorrer, conforme o art. 577 do CPP, não tem capacidade técnica para arrazoar o inconformismo, necessitando o seu jus postulandi ser integrado pela assistência de um advogado inscrito nos quadros da OAB. 2. Embargos de declaração não conhecidos. (STJ – EDHC nº 99616 2008.00.20925-9 – 6ª Turma – Relatora Maria Thereza de Assis Moura – Dje de 14.09.2011)

 

Em 2014, o STF, mais uma vez, firmou sua jurisprudência no sentido de que é desnecessário que o impetrante em favor de terceiros ou o impetrante-paciente no habeas corpus tenha capacidade postulatória para recorrer contra as decisões proferidas nesse writ, tendo, inclusive, citado o entendimento contrário do STJ, conforme se verifica abaixo:

 

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO EM SEDE DE HABEAS CORPUS NÃO ADMITIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA POR AUSÊNCIA DE CAPACIDADE PROCESSUAL DO RECORRENTE. ENTENDIMENTO QUE AFRONTA A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Em sede de habeas corpus, o fato de a parte não possuir capacidade postulatória não impede o conhecimento do agravo regimental. Precedentes. Ordem concedida de ofício. 1. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça em não admitir o manejo, pelo paciente que não detém capacidade postulatória, de agravo regimental em sede de habeas corpus está em desacordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. É firme a jurisprudência da Corte no sentido de que, em sede de habeas corpus, o fato de a parte não possuir capacidade postulatória não impede o conhecimento do agravo regimental. 3. Ordem concedida de ofício para determinar ao Superior Tribunal de Justiça que, afastado o óbice ao conhecimento do agravo regimental interposto, julgue seu mérito. (STF - HC nº 123837 – 1ª Turma – Relator Ministro Dias Toffoli – DJe de 18.12.2014)

 

O STJ, então, passou a seguir11 a jurisprudência do STF, conforme se depreende da seguinte ementa de julgamento proferido no ano de 2020:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS INDEFERIDO LIMINARMENTE. INTERPOSIÇÃO DE PRÓPRIO PUNHO. POSSIBILIDADE. FALTA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO. TRIPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. AMPLA REVISÃO DA PENA. REITERAÇÃO DE WRIT ANTERIORMENTE IMPETRADO. DESCABIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INEVIDÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Diz a jurisprudência que o fato de o agravante não possuir capacidade postulatória não impede o conhecimento do respectivo recurso. É desnecessário se exigir daquele que impetra a ordem de habeas corpus habilitação legal ou representação para posteriormente recorrer. 2. É intempestivo o agravo regimental, em matéria penal, interposto após o prazo de 5 dias. 3. No caso, inexiste evidência de constrangimento ilegal, pois as teses suscitadas (redução da pena-base, redimensionamento da reprimenda, reconhecimento do homicídio privilegiado, reconhecimento do crime continuado) ou já foram trazidas antes e rebatidas ou configuram inovação ou revelam nítido intento de suprimir instância ou exigem o reexame do conjunto fático-probatório da ação penal. O mero inconformismo do sentenciado com sua condenação há muito transitada em julgado não justifica a análise, repetidas vezes, das teses que entende pertinentes. Também é descabida a pretensão de suprimir instância e buscar a apreciação de questões não submetidas ao Tribunal a quo, oportunamente sob a alegação de cerceamento de defesa. 4. Agravo regimental não conhecido, por ser intempestivo, conforme os precedentes. Caso entendam de outra maneira, simplesmente nego provimento ao recurso. (STJ - PET no HC nº 479.971/SP – 6ª Turma - Relator Ministro Sebastião Júnior - DJe de 28.05.2020)

 

Os arts. 189 e 190 do Regimento Interno do STF definem quem poderá impetrar o habeas corpus e o que deverá constar na petição inicial do writ:

 

Art. 189. O habeas corpus pode ser impetrado:

I – por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem;

II – pelo Ministério Público.

Art. 190. A petição de habeas corpus deverá conter:

I – o nome do impetrante, bem como o do paciente e do coator;

II – os motivos do pedido e, quando possível, a prova documental dos fatos alegados;

III – a assinatura do impetrante ou de alguém a seu rogo, se não souber ou não puder escrever.

 

Mirabete12 discorre muito bem sobre o tema, logo cabível transcrever seus ensinamentos na íntegra:

 

O direito constitucional de impetrar habeas corpus é atributo da personalidade. Qualquer pessoa do povo, independentemente de habilitação legal ou de representação por advogado, de capacidade política, civil ou processual, de idade, sexo, profissão, nacionalidade ou estado mental, pode fazer uso do remédio heróico, em benefício próprio ou alheio (grifei). Ao prever que a postulação em juízo é atividade privativa da advocacia, a Lei nº 8.906, de 4-7-1994, excetua expressamente a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal (art. 1º, § 1º). Não há impedimento para que o façam os incapazes, ainda que sem assistência ou representação. Tratando-se de analfabeto é suficiente que alguém assine a petição a seu rogo, não bastando a aposição de sua impressão digital na petição. Também não há impedimento que pessoa jurídica impetre habeas corpus em favor de quem (pessoa física) está submetido a constrangimento ilegal na liberdade de coação, já que o artigo faz referência a “qualquer pessoa”. É necessário porém que o subscritor da impetração comprove a condição de representante da pessoa jurídica. Tratando-se de procurador constituído pelo impetrante, a desistência do pedido depende de poderes especiais constantes do instrumento do mandato.

 

Entretanto, embora o impetrante não necessite de capacidade postulatória para impetrar habeas corpus e interpor os respectivos recursos, está impedido de realizar sustentação oral13, posto que esta somente é possível a quem detém capacidade postulatória (ex.: Advogados, Defensores Públicos e Promotores de Justiça), inclusive, a fim de ratificar essa afirmação, pode-se utilizar o inciso I do art. 191 do Regimento Interno do STF sobre o habeas corpus:

 

Art. 191. O Relator requisitará informações do apontado coator e, sem prejuízo do disposto no art. 21, IV e V, poderá:

I – sendo relevante a matéria, nomear advogado para acompanhar e defender oralmente o pedido, se o impetrante não for diplomado em direito;

(...)

 

Resumindo com um exemplo prático: digamos que um militar será preso por cometimento de transgressão disciplinar daqui a 3 (três) dias. Se a punição for ilegal, ele mesmo poderá confeccionar e assinar a petição (paciente será o próprio impetrante). Porém, ratifique-se que qualquer outra pessoa14 poderá impetrar a habeas corpus em favor do militar, mesmo sem a prévia autorização deste e, sobretudo, sem a necessidade15 de procuração. Isso quer dizer, na prática, o seguinte: um desconhecido pode requerer à Justiça Federal ou ao STJ16 que liberte um militar das Forças Armadas que estiver sofrendo constrangimento ilegal no seu direito de ir e vir em decorrência de prisão disciplinar.

Importante destacar que o impetrante, mesmo não possuindo capacidade postulatória, ou seja, sendo leigo, está obrigado a assinar17 a petição inicial do habeas corpus, conforme entendimento jurisprudencial, podendo-se destacar a seguinte decisão do STF:

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PETIÇÃO INICIAL SEM ASSINATURA. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR. SUPERAÇÃO DAS ALEGAÇÕES. LIBERDADE PROVISÓRIA NO CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. 1. Há obstáculos intransponíveis ao conhecimento do habeas corpus: a) a ausência de assinatura da impetrante na petição inicial deste writ, a caracterizar ato inexistente; b) a orientação contida na Súmula n° 691, do STF, eis que se trata de impetração de habeas corpus contra decisão monocrática que indeferiu pedido de liminar requerida em outro writ anteriormente aforado perante o STJ. 2. Ainda que se admita a impetração do habeas corpus pelo próprio paciente e por pessoa que não possua capacidade postulatória em juízo, no caso concreto não se observa a assinatura da impetrante na petição inicial, a caracterizar ato inexistente e, por isso, insuscetível de propiciar qualquer apreciação acerca do mérito. 3. Houve mera decisão monocrática do relator do STJ no sentido do indeferimento do pedido de liminar, incidindo o óbice representado pela orientação acolhida na Súmula 691, desta Corte. 4. Esta Corte tem adotado orientação segundo a qual há proibição legal para a concessão da liberdade provisória em favor dos sujeitos ativos do crime de tráfico ilícito de drogas (art. 44, da Lei n 11.343/06), o que, por si só, é fundamento para o indeferimento do requerimento de liberdade provisória. 5. HC não conhecido. (STF – HC nº 90937/GO – 2ª Turma – Relatora Ministra Ellen Gracie - DJe de 25.09.2008)

 

O instituto do habeas corpus é, em minha opinião, o mais importante instrumento jurídico disponibilizado a qualquer pessoa e que deveria ser ensinado aos nossos filhos nas escolas. Pois vocês, leitores, concluirão, ao final desse capítulo, que é muito simples18 confeccionar um habeas corpus, bastando, apenas, algumas informações e esclarecimentos pertinentes, e como já dito, não precisará pagar nada por isso e nem precisará contratar Advogado.

Alguns militares poderão estar se perguntando: mas qual o interesse prático em saber que terceiros poderão impetrar habeas corpus em favor do militar, já que o próprio paciente-militar poderá ser o impetrante? A resposta é simples: o militar não estará questionando uma decisão de um superior hierárquico, logo, a princípio, não sofreria perseguições, e importante destacar, mais uma vez, que é o impetrante quem questionará a ilegalidade da prisão disciplinar e não o paciente.

_______________________

1O instituto do habeas data é muito interessante e de grande valia para reivindicar direitos perante o Judiciário (ver Capítulo 8).

2Por exemplo: quando se ajuíza uma ação por danos morais, paga-se custas processuais, a não ser que seja deferido o pedido de gratuidade judicial. Na ação de habeas corpus não se pagará absolutamente nada de custas para o Poder Judiciário.

3Petição judicial, em síntese, é a formulação escrita de um ou vários pedidos dirigidos a um magistrado.

4A palavra “qualquer” foi considerada inconstitucional no julgamento da ADIN nº 1.127-8 do STF.

5A ausência de assinatura do impetrante ou de alguém a seu rogo na inicial de habeas corpus inviabiliza o seu conhecimento, haja vista a previsão disposta no art. 654. § 1º, alínea c, do CPP, conforme jurisprudência do STJ.

6A pessoa jurídica pode ser impetrante, mas não paciente no habeas corpus, pois esse writ tem por objetivo salvaguardar a liberdade de locomoção, conforme se observa na decisão abaixo do STJ:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SIGILO FISCAL. QUEBRA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. PEDIDO DE EXTENSÃO. SIMILITUDE FÁTICO-PROCESSUAL. PESSOA FÍSICA. ACOLHIMENTO. PESSOA JURÍDICA. INDEFERIMENTO DO PLEITO. 1. O art. 580 do Código de Processo Penal estabelece que "no caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros". 2. Hipótese em que o julgado proferido em sede de recurso ordinário considerou indevida a quebra do sigilo fiscal, o qual foi realizado sem prévia autorização judicial, reconhecendo-se, portanto, "a nulidade das provas obtidas ... trazendo como consequência a sua ineficácia jurídica". 3. Verificado que o recurso ordinário foi provido parcialmente sem a utilização de circunstância exclusivamente pessoal do recorrente e tendo em vista a similitude de situações fáticas, devem ser estendidos ao requerente WALTER FARIA os efeitos do provimento parcial do recurso ordinário - a teor do que dispõe o art. 580 do CPP. 4. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido da impossibilidade de impetração de habeas corpus em favor de pessoa jurídica pois o writ tem por objetivo salvaguardar a liberdade de locomoção. 5. Pedido de extensão de WALTER FARIA acolhido. Indeferido o pleito formulado pelas pessoas jurídicas. (STJ - PExt no RHC nº 42.618/SP – 5ª Turma - Relator Ministro Gurgel de Faria - DJe 19.05.2015)

7Neste capítulo, ensino qual é o órgão do Poder Judiciário competente para processar e julgar o habeas corpus contra punição disciplinar, a fim de que não ocorra o que aconteceu com esse militar ao impetrar o habeas corpus, ou seja, “deu entrada” com o writ no “lugar errado”.

8No ordenamento jurídico brasileiro, paciente no habeas corpus é a denominação dada à pessoa que está sofrendo constrangimento ilegal ou na sua iminência. Exemplo: será paciente o militar que estiver preso ou na iminência de ser preso.

9Impetrante é o autor da petição do habeas corpus, e como dito anteriormente, o impetrante poderá ser o próprio paciente. Não há nenhum impedimento legal de que o paciente também assine a petição inicial juntamente com o impetrante.

10Uma associação, sindicato, empresa, partido político, dentre outras pessoas jurídicas, inclusive o Ministério Público, podem impetrar o writ em favor de qualquer pessoa física.

11PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HABEAS CORPUS. CAPACIDADE POSTULATÓRIA. ATO IMPUGNADO PRATICADO POR JUIZ ESTADUAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E DO MM JUÍZO DE ORIGEM PARA JULGAR O WRIT. REMESSA PARA O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. RECURSO IMPROVIDO. I. Em sede de habeas corpus, não se exige a capacidade postulatória, seja para a impetração do writ, seja para a interposição de recurso em seu bojo, eis que a Constituição Federal estabelece, no particular, legitimação ampla e irrestrita. II. O presente writ impugna ato praticado pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Jacareí - SP. III. O MM Juízo de origem (3ª Vara Federal de São José dos Campos/SP) não é competente para processar e julgar habeas corpus impetrado em face de ato praticado pelo MM Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Jacareí - SP, sendo competente, para tanto, o Egrégio Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, nos termos do artigo 74, IV, da Constituição do estado de São Paulo. Precedente do E. STF. IV - Recurso em Sentido Estrito não provido. (TRF3 - RSE nº 0001274-42.2016.4.03.6103 – 11ª Turma – Relatora Desembargadora Federal Cecília Mello - e-DJF3 de 28.09.2016)

12MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 1460.

13PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DILAÇÃO PROBATÓRIA E INSTRUÇÃO PROCESSUAL NÃO ADMITIDAS. SUSTENTAÇÃO ORAL EM CAUSA PRÓPRIA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA. AMPLIAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES JÁ ADOTADAS. POSSIBILIDADE. ART. 315, § 1º, CPP. INTIMAÇÃO DA PARTE DISPENSADA. CONTRADITÓRIO DIFERIDO. ART. 282, § 3º, CPP. FATOS NOVOS. DECISÃO FUNDAMENTADA. DETERMINAÇÃO DE REAVALIAÇÃO DAS MEDIDAS NO PRAZO DE NOVENTA DIAS. IMPETRAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E PARCIALMENTE CONCEDIDA A ORDEM NA PARTE QUE SE CONHECEU. I A ação mandamental de habeas corpus requer provas pré-constituídas do alegado constrangimento ilegal, porquanto, não admite dilação probatória, tampouco instrução processual se não há dúvidas capazes de suscitar diligência judicial. Precedente STF: RHC 117.982. II Embora o art. 654 do CPP admita a impetração do habeas corpus por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, o exercício do direito de petição (art. 5º, XXXIV, a, CF) não se confunde com a garantia de atuar em juízo em nome próprio ou como representante de terceiro para realizar sustentação oral, sem ostentar capacidade postulatória. Precedentes do STF. III O art. 315, § 1º, do CPP, permite a ampliação das medidas cautelares já implementadas, mediante decisão fundamentada que aponte a existência de fatos novos ou contemporâneos capazes de justificar a referida ampliação. Ademais, não há ilegalidade na decisão fundamentada que amplia as medidas cautelares diversas da prisão, sem intimação prévia da defesa, quando garante o contraditório diferido em razão da urgência ou do perigo de ineficácia da medida (art. 282, § 3º, do CPP). Precedente do STJ: IV - Constatados fatos novos vinculados ao acirramento reiterado da relação conflituosa entre o paciente e integrantes da Polícia Militar, ao ponto de interferir no trânsito dos agentes para o atendimento de acidente com vítima fatal, bem como o registro de conversas em tom ameaçador, tem-se indicativos suficientes do risco potencial à ordem pública e à integridade dos envolvidos, de modo a justificar a ordem cautelar de afastamento da função pública de Agente da Polícia Rodoviária Federal, devolução do armamento e proibição de acesso ou manuseio de armas, como medidas a serem agregadas às cautelares anteriores adotadas, consistentes no i) acompanhamento médico; ii) não comparecimento ao local de trabalho do Corregedor-Geral da PRF; iii) proibição de porte de armas fora do local de trabalho; e, iv) proibição de ameaçar colegas de serviço, dado os fortes indícios de que o paciente dirigiu referências ameaçadoras ou intimidadoras contra seus superiores hierárquicos, como também à Juíza de Direito da Comarca de Caiapônia/GO, a sua ex-esposa e ao pai dela, conforme ficou evidenciado no julgamento do HC 1021663-56.2019.4.01.0000/GO. V Ainda que o caso concreto enseje cuidados específicos, a adoção de medidas cautelares por prazo indeterminado e até deliberação ulterior requer ponderação a fim não permitir eventual constrição por tempo indefinido, pelo que a ordem deve ser parcialmente concedida somente para ordenar à Autoridade Coatora que promova a reavaliação das medidas no prazo de 90 (noventa) dias. VI Indeferido o pedido de sustentação oral. Impetração conhecida, em parte, e concedida parcialmente a ordem somente para determinar à Autoridade Coatora a reavaliação das medidas cautelares no prazo de 90 (noventa) dias. (TRF1 – HC nº 1023191-91.2020.4.01.0000 – 4ª Turma – Relator Juiz Federal convocado Pablo Zuniga Dourado - DJe de 04.11.2020)

14Ou seja, se um civil, por exemplo, for preso por suposto cometimento de homicídio, qualquer pessoa, sendo ou não Advogado, poderá peticionar para o Poder Judiciário, a fim de que solicitar que o paciente seja libertado.

15O Advogado quando impetra habeas corpus em favor de um cliente não necessita de procuração para que a petição seja conhecida (aceita), a fim de que, posteriormente, o writ seja processado e julgado.

16Se a autoridade coatora for Comandante de uma das Forças Armadas.

17O paciente não está obrigado a assinar a petição do habeas corpus, embora, caso queira, não há qualquer problema em que assine. Todavia, se o paciente for também o impetrante, estará obrigado a assinar a petição do writ.

18Imaginem se a sociedade detivesse conhecimento para elaborar um habeas corpus contra prisões ilegais. Certamente, muitas ilegalidades cometidas por policiais, delegados e militares seriam cessadas no menor prazo possível e sem custos (sem necessidade de contratação de Advogado). E certamente essas autoridades ficariam mais apreensivas ao prender pessoas ilegalmente ou com abuso de autoridade, o que não é incomum e, como será demonstrado nesse capítulo, a prisão ilegal sujeita o coator a responder um processo criminal por abuso de poder.

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