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CAPÍTULO 4 - HABEAS CORPUS NAS TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES

4.4. É POSSÍVEL IMPETRAR HABEAS CORPUS CONTRA PUNIÇÃO DISCIPLINAR ILEGAL?

 

Inicialmente, cumpre informar que, pelo menos na Aeronáutica, pois foi a Força Armada que trabalhei por 18 (dezoito) anos, costuma-se ser divulgado, até oficialmente, que o habeas corpus é incabível para discutir punições disciplinares, tendo como fundamento jurídico o § 2º do art. 142 da CF/88, que faz a seguinte exceção na utilização do habeas corpus:

 

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

(...)

§ 2º Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares;

(…)

 

O art. 466 do CPPM, em seu parágrafo único, letra a e b, já fazia ressalva quanto a utilização do habeas corpus nas punições disciplinares:

 

Art. 466. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Exceção

Parágrafo único. Excetuam-se, todavia, os casos em que a ameaça ou a coação resultar:

a) de punição aplicada de acordo com os Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas;

b) de punição aplicada aos oficiais e praças das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, de acordo com os respectivos Regulamentos Disciplinares;

(…)

 

Entretanto, já se firmou jurisprudência, inclusive no STF, que é o guardião e interpretador final da Constituição Federal, que é possível a utilização de habeas corpus para discutir punição disciplinar. Todavia, conforme dito anteriormente, não é cabível discutir o mérito da punição, ou seja, em síntese, se foi justa ou injusta, sendo interessante a leitura do voto1 da Ministra aposentada Ellen Gracie de nossa Corte Constitucional nos autos do RE nº 338.840-1/RS (2ª Turma - DJU de 12.09.2003):

 

A concessão de habeas corpus impetrado contra punição disciplinar militar, desde que voltada tão-somente para os pressupostos de sua legalidade, excluindo a apreciação das questões referentes ao mérito, não configura violação ao art. 142, § 2º, da CF.

 

Desta forma, tem-se que o militar punido disciplinarmente detém o direito constitucional de impetrar habeas corpus quando a punição estiver eivada de inconstitucionalidade ou ilegalidade. Podendo, inclusive, impetrar o writ quando a punição disciplinar não estiver em consonância com os princípios da razoabilidade2 e proporcionalidade.

O STJ também possui jurisprudência consolidada sobre o tema desde 1997:

 

Concede-se ordem de habeas corpus para o fim de obstar aplicação de punição administrativa, consubstanciada em processo administrativo disciplinar que inobservou as formalidades legais pertinentes, cerceando o direito de defesa do paciente. (STJ – RHC nº 6529 – 5ª Turma – Relator Ministro Cid Fláquer Scartezzini – DJU de 01.09.1997)

 

CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PROCESSO DISCIPLINAR. MILITAR. TRANCAMENTO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 142, § 2º, DA CF. CABIMENTO DA AÇÃO CONSTITUCIONAL SOMENTE PARA EXAME PELO PODER JUDICIÁRIO DA REGULARIDADE FORMAL DO PROCESSO. HIPÓTESE NÃO CONFIGURADA NOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO MÉRITO DA IMPOSIÇÃO DA PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. No caso dos autos, o presente habeas corpus foi impetrado contra acórdão que afastou o cabimento da ação constitucional com o objetivo de trancar processo administrativo disciplinar militar. 2. Efetivamente, não obstante o disposto no art. 142, § 2º, da Constituição Federal, os Tribunais Superiores admitem a impetração de habeas corpus para trancamento de processo administrativo disciplinar militar. Entretanto, as hipóteses de cabimento estão restritas à regularidade formal do procedimento administrativo disciplinar militar ou aos casos de manifesta teratologia. 3. Sobre o tema, os seguintes precedentes: STF - RHC 88.543/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 3.4.2007; STF - RE 338.840/RS, 2ª Turma, Rel Min. Ellen Gracie, DJ de 12.9.2003; STJ - RHC 27.897/PI, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 8.10.2010; HC 129.466/RO, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 1º.2.2010; STJ - HC 80.852/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 28.4.2008. 4. Na hipótese examinada, a impetrante não alega qualquer vício formal no procedimento administrativo disciplinar, mas tão somente irresignação no tocante à legalidade da imposição da sanção disciplinar militar o que, por si só, afasta o cabimento de habeas corpus. 5. Habeas Corpus não conhecido. (STJ - HC n° 211.002/SP – 2ª Turma - Relator Ministro Mauro Campbell - DJe de 09.12.2011)

 

Em regra, então, saber-se-á se é possível que o Poder Judiciário aceite um habeas corpus em relação à punição disciplinar quando a resposta à seguinte indagação for negativa: o objetivo da habeas corpus é discutir se a punição foi justa ou injusta?

Do exposto, inegável que o militar pode utilizar o habeas corpus quando pretender discutir a constitucionalidade ou legalidade3 da punição disciplinar sob o aspecto formal4.

_______________________________

1Tratava-se de habeas corpus impetrado em desfavor do Comandante do 7º Batalhão de Infantaria Blindado.

2PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE HABEAS CORPUS. PRISÃO DISCIPLINAR MILITAR. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDDE. CONTROLE JUDICIAL. DESPROVIMENTO DA REMESSA OFICIAL. 1. Tem entendido a jurisprudência, interpretando o § 2º do art. 142 da CF ("Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares"), que o controle judicial da punição disciplinar militar na via do habeas corpus restringe-se à sua legalidade (competência, forma, devido processo legal etc.), não se estendendo ao segmento de mérito, radicado na conveniência e na oportunidade da punição. 2. A prisão disciplinar do paciente, por 20 (vinte) dias, em 01/09/2015, depois de ter sido repreendido, pelo mesmo fato, em 27/08/2015, apenas por estar o paciente portando um telefone celular quando em serviço de guarda do quartel, aparelho que inclusive estava desligado, revela que a pena não observou os princípios a razoabilidade e proporcionalidade, incidindo em ilegalidade, merecendo confirmação a sentença concessiva do habeas corpus. 3. Desprovimento da remessa oficial. (TRF1 – REEX nº 00252672120154013900 – 4ª Turma – Relator Desembargador Federal Olindo Menezes - e-DJF1 de 14.02.2017)

3A ilegalidade será verificada por erros formais do procedimento, incompetência da autoridade militar para instaurar o processo disciplinar, irregularidades de prazos para a defesa, indeferimento abusivos de diligências requeridas pela defesa, inobservância dos prazos recursais, dentre outros.

4CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CABIMENTO. ART. 142, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. 1. Nos termos do art. 142, § 2º, da Constituição Federal, "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares". A flexibilização dessa regra, na linha da orientação jurisprudencial firmada, ocorre somente no caso de alegação de vício formal do procedimento, situação inocorrente na espécie. 2. Agravo desprovido. (STJ – AgInt no RHC 70.421/BA - 6ª Turma - Relator Ministro Antônio Palheiro - DJe de 08.05.2017)

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