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CAPÍTULO 4 - HABEAS CORPUS NAS TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES

4.2. COMO IDENTIFICAR SE UMA PUNIÇÃO DISCIPLINAR É ILEGAL?

 

Primeiramente, deve-se, desde já, deixar muito bem esclarecido que não é possível questionar o mérito1 da punição2 disciplinar perante o Poder Judiciário. Ou seja, não é cabível questionar se a punição foi justa ou injusta: isso não é possível, pois é matéria atinente somente à Administração Castrense, é uma questão discricionária das Forças Armadas e das Forças Auxiliares (Polícia e Bombeiros Militares).

Celso Antônio Bandeira de Mello3 assim conceitua o que seja um ato discricionário:

 

Atos “discricionários”, pelo contrário, seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles.

 

Após a leitura do ensinamento do mestre Bandeira de Mello, podemos, sem sombra de dúvidas, afirmar o seguinte: a) os regulamentos militares disciplinares são normas específicas a serem aplicadas aos integrantes de cada Força Armada ou Força Auxiliar; b) os próprios regulamentos disciplinares conferem poderes discricionários aos superiores hierárquicos para punirem seus subordinados; e c) nestas normas disciplinares há grande poder de discricionariedade de avaliação e decisão por parte dos superiores hierárquicos.

Devido a tais poderes4 de avaliação e decisão, que poderão ser identificados na leitura dos regulamentos disciplinares das Forças Armadas e Auxiliares, é que o Poder Judiciário está impedido de analisar o mérito (justo ou injusto) da punição disciplinar, pois tal ato administrativo está adstrito unicamente à Administração.

Entretanto, importante ressaltar que a Administração Castrense não possui poder discricionário ilimitado, pois nos próprios regulamentos constam atos vinculados que assim são definidos por Bandeira de Mello:

 

Atos vinculados seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma.

 

Mas, então, o que isso tudo quer dizer? Significa que o superior hierárquico detém poderes discricionários para avaliar a transgressão disciplinar e poder decisório sobre a mesma. Entretanto, está obrigado a cumprir certas regras discriminadas nos regulamentos, na CF/88 e demais normas5 jurídicas superiores. Se descumprir uma norma jurídica, estará cometendo um ato ilegal ou inconstitucional. E se descumprir a lei, estará ultrapassando de seu poder administrativo, e em consequência, o Poder Judiciário poderá analisar a imposição da punição disciplinar.

Porém, ressalte-se, a ilegalidade da punição disciplinar não estará restrita ao descumprimento dos regulamentos militares, mas sim, ou melhor, principalmente, quando houver quaisquer desconformidades com a CF/88 e demais leis do Brasil, e ainda, a alguns Tratados Internacionais de que o Brasil faça parte, podendo-se citar a seguinte ilegalidade cometida contra um militar sob a motivação de tratamento de sua saúde:

 

PROCESSO PENAL. REMESSA OFICIAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SENTENÇA CONCESSIVA DE HABEAS CORPUS. MILITAR DETIDO EM ENFERMARIA PARA TRATAMENTO FISIOTERÁPICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. 1. Remessa oficial e recurso em sentido estrito contra sentença que concedeu a ordem para determinar a imediata liberação do paciente da enfermaria militar no qual está "baixado", retido ou internado compulsoriamente para tratamento de saúde. 2. Preliminar de ilegitimidade passiva não conhecida. Matéria não apreciada pelo juízo a quo. Assim, incabível a análise diretamente neste Tribunal porquanto importaria supressão de instância. Precedentes. 3. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, sob o argumento de que a ordem de internação era passível de impugnação na via administrativa, também rejeitada. O habeas corpus constitui remédio constitucional de tutela da liberdade de locomoção do indivíduo, visando coibir qualquer ilegalidade ou abuso de poder voltado à constrição do direito de ir, vir e permanecer. O artigo 51, §3º, do Estatuto dos Militares (Lei 6880/80), que dispõe que "o militar só poderá recorrer ao Judiciário após esgotados todos os recursos administrativos", não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por violar o princípio do livre acesso ao Judiciário, assegurado no art. 5º, XXXV, da CF. Precedentes. 4. Dispõe o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". 5. A autoridade impetrada não apontou fundamento legal a justificar a constrição do paciente na unidade militar, limitando-se a fazer referência ao parecer médico. O tratamento a que o paciente foi submetido restringia-se a sessões de fisioterapia, a serem realizadas na Unimed de Lins. Parece ilógico manter o paciente recluso na enfermaria da Organização Militar, se esta enfermaria sequer possui estrutura suficiente para oferecer o tratamento médico. 6. Não consta no parecer médico ou nas informações da autoridade coatora justificativa razoável para a manutenção do paciente em tempo integral na enfermaria militar, a fundamentar a aplicação do disposto no artigo 425, parágrafo único, inciso I, letra "a", do Regulamento Interno e dos Serviços Gerais, não sendo plausível a simples ilação de que priva por "melhor acompanhamento médico" ou "melhor dedicação do paciente". 7. Possibilidade de ao paciente militar escolher o tratamento médico que melhor lhe convir, constituindo constrangimento ilegal a internação compulsória em enfermaria militar. Precedentes. 8. Preliminares rejeitadas. Remessa oficial e recurso em sentido estrito desprovidos. (TRF3 – RSE nº 0004133-94.2008.4.03.6108 – 1ª Turma – Relatora Juíza Federal convocada Sílvia Rocha - e-DJF3 de 17.05.2011)

 

Ademais, oportuno mencionar que os Regulamentos Disciplinares da Aeronáutica e Marinha foram promulgados antes da promulgação da CF/88, ambos possuindo, não raro, normas incompatíveis com a Carta Democrática de 1988 e demais leis, podendo-se citar como exemplo o inciso 5 do art. 34 do RDAER:

 

Art. 34. Nenhuma punição será imposta sem ser ouvido o transgressor e sem estarem os fatos devidamente apurados.

(...)

5 - Os detidos para averiguações podem ser mantidos incomunicáveis para interrogatório da autoridade a cuja disposição se achem. A cessação da incomunicabilidade depende da ultimação das averiguações procedidas com a máxima urgência, não podendo, de qualquer forma, o período de incomunicabilidade ser superior a quatro dias.

 

Se algum superior hierárquico aplicar esse inciso disciplinar, proibindo um Advogado de se comunicar6 com o militar preso disciplinarmente, estará descumprindo o art. 7°, inciso III, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), pois é proibida a incomunicabilidade entre Advogado e cliente:

 

Art. 7º. São direitos do advogado:

(...)

III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;

(…)

 

Caso o Advogado seja proibido de se comunicar com seu cliente ou impedido de participar de audiência de interrogatório de algum processo administrativo disciplinar e o cliente vier a ser punido ou estar na iminência de o ser; será possível ao Judiciário, devido a essa gritante arbitrariedade, analisar a constitucionalidade e/ou legalidade da execução da punição ou de sua iminência através, respectivamente, do habeas corpus liberatório7 ou preventivo.

Agora, voltando ao nosso estudo prático, o que podemos fazer para descobrir se há alguma inconstitucionalidade e/ou ilegalidade no trâmite do processo administrativo disciplinar? Ou seja, irregularidades nos procedimentos, no julgamento, na definição da pena imposta ou na própria execução8 da pena disciplinar? Seguem abaixo algumas orientações sobre como identificar se uma punição é ilegal:

 

a) PRIMEIRO: ler o regulamento disciplinar da respectiva Força Armada ou Auxiliar, a fim de verificar se os trâmites processuais estão sendo respeitados, como, por exemplo, o prazo para apresentação de defesa escrita9, analisar se a punição imposta está em consonância com o regulamento, verificar os prazos recursais10, etc; e

 

b) SEGUNDO: verificar se a norma porque está sendo punido é legal, ou seja, se está em consonância com norma legal superior. Exemplo: o RDAER é um decreto11, logo, se algum dispositivo dessa norma for contrário à CF/88 ou outra norma superior, a aplicação da punição será inconstitucional ou ilegal. Certa vez fui punido por não ter esgotado previamente a esfera administrativa antes de impetrar um habeas corpus, ou seja, fui acusado de ter descumprido o art. 51, § 3º12, da Lei 6.880/1880 (em vigor antes modificações efetivadas pela Lei nº 13.954/2019). Porém, esse dispositivo normativo não foi recepcionado pela CF/88, logo, a punição imposta era inconstitucional (ver Capítulo 5), onde, inclusive foi deferida liminar em habeas corpus com a expedição de alvará de soltura, sendo que a autoridade coatora (Coronel) foi, posteriormente, processada por crime de abuso de autoridade.

 

Em relação à parte processual do processo administrativo, em regra, será inconstitucional qualquer ato que descumpra o preceito13 constitucional ao contraditório e à ampla defesa14 no âmbito administrativo, conforme disposição contida no inciso LV do art. 5º da CF/88:

 

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório15 e ampla defesa16, com os meios e recursos a ela inerentes;

 

Assim, tem-se que é possível verificar se uma punição administrativa disciplinar é inconstitucional ou ilegal, quando estiver em desacordo, seja no aspecto material17 ou processual18, com alguma norma jurídica (da CF/88, do próprio regulamento disciplinar ou demais normas jurídicas, como leis, decretos, etc).

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1PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO DENEGATÓRIA DE HABEAS CORPUS. ART. 581, X, CPP. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR. DISCUSSÃO DO MÉRITO. INVIABILIDADE. ART. 142, §2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ANÁLISE APENAS DE ASPECTOS FORMAIS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NÃO COMPROVAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1 - O recorrente impetrou habeas corpus, com pedido liminar, contra o Comandante do 8º Distrito Naval, sustentando que é cabo da Marinha do Brasil e teve contra ele instaurado processo administrativo disciplinar. No writ, alegou que faltaria justa causa à instauração da sindicância, uma vez que a conduta imputada ao paciente seria atípica, além de violações às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como que estaria sofrendo crime de tortura psicológica, pois foi constrangido a prestar informação ou declaração, sob ameaça de violência. A ordem foi denegada. 2 - Observo que o presente recurso em sentido estrito pretende a reforma da decisão de primeiro grau utilizando-se dos mesmos argumentos já lançados no habeas corpus denegado em primeira instância. 3 - Cumpre ressaltar que o mérito de punição disciplinar militar não pode ser objeto de habeas corpus (artigo 142, §2º, da Constituição Federal), excetuadas as hipóteses de inobservância dos pressupostos de legalidade do ato. Dessa forma, o presente recurso deve se restringir à análise da garantia da dos princípios da ampla defesa e do contraditório, que se referem a aspectos formais do procedimento administrativo, não havendo espaço para discussão do mérito daquela decisão. 4 - No que toca aos vícios elencados pelo recorrente, necessário, ainda, ressaltar que não há comprovação de quaisquer ofensas à ampla defesa e ao contraditório no curso do procedimento administrativo. 5- Pelos documentos juntados, não se contempla a ocorrência de vícios de formalidade, já que assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa ao paciente, inexistindo nulidades. Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça. 6 - Quanto à suposta ocorrência de tortura psicológica, repisa-se que a estreita via do remédio constitucional não se apresenta como adequada para eventual apuração acerca da ocorrência de infrações penais contra o ora recorrente. Consigno, ainda, que eventual apuração se insere no âmbito da competência da Justiça Militar da União. 7- Recurso em sentido estrito desprovido. (TRF3 - RSE nº 5003470-52.2020.4.03.6104 – 11ª Turma – Relator Desembargador Federal José Marcos Lunardelli – Dje de 13.10.2020)

CIVIL. PROCESSO CIVIL. MILITAR. FATD. APLICAÇÃO DE PENA DE PRISÃO. EXCLUSÃO DA AERONÁUTICA. MÉRITO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. APELAÇÃO NEGADA. 1. Dispõe o art. 47, da Lei nº 6.880/80: Art. 47. Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares. § 1º As penas disciplinares de impedimento, detenção ou prisão não podem ultrapassar 30 (trinta) dias. § 2º À praça especial aplicam-se, também, as disposições disciplinares previstas no regulamento do estabelecimento de ensino onde estiver matriculada. 2. O E. STF já se manifestou na ADI nº 3.340/DF aduzindo que o art. 47, da Lei nº 6.880/80 foi recepcionado pela Constituição Federal, pelo que não há que se falar em inconstitucionalidade do referido artigo. 3. Ademais, cumpre esclarecer que, pese embora as restrições à liberdade de locomoção e os parâmetros de hierarquia e disciplina militares sejam rigorosos, a definição das condutas tidas como relevantes para a determinação da prisão é reservada à lei. 4. Assim, tratando-se de transgressões militares, cabe à lei ordinária especificar parâmetros essenciais da infração administrativa punível, bem como estabelecer limites máximos de sanção, sendo conferida às autoridades administrativas a complementação necessária à segurança jurídica, fundamentos jurídicos que dão amparo à plena recepção do art. 47, da Lei nº 6.880/1980 pelo sistema constitucional de 1988. 5. Além disso, o E. STJ firmou entendimento no sentido de que o controle do Poder Judiciário nos processos administrativos disciplinares restringe-se ao exame do efetivo respeito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, sendo vedado adentrar no mérito administrativo, cabendo à parte demonstrar efetivamente ofensa aos referidos princípios. 6. Segundo restou apurado nos FATD instaurado, a apelante cometeu as transgressões disciplinares enumeradas no RDAER com as agravantes, todas enumeradas no art. 10, itens 16, 17, 50, 51, 66, art. 13, item 3, "c", "e", "g" e "i", todos do RDAER.

7. E, como bem analisou o MM Juiz a quo: "A autora foi instada a apresentar defesa na sindicância contra a qual se insurge. Irresignada com a sua conclusão, formulou pedido de reconsideração, o qual foi indeferido (fls. 340/345). Considerando os documentos apresentados às fls. 256/345 verifico que a autora acumula faltas disciplinares ao longo de sua carreira militar. (...) Além disso, a autora é militar temporária, o que faz o seu reengajamento ato discricionário da Administração Pública, nos termos do art. 121 da Lei nº 6.880/80, e não direito subjetivo seu. " 8. Apelação a que se nega provimento. (TRF3 - AC nº 5000677-35.2019.4.03.6118 – 1ª Turma – Relatora Juíza Federal convocada – DJF3 de 10.01.2020)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO QUE DENEGA ORDEM DE HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. PRISÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIO FORMAL NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO IMPROVIDO. 1. A proibição inserta no artigo 142, parágrafo 2º, da Constituição Federal, relativa ao não cabimento de habeas corpus contra punições disciplinares militares, é limitada ao exame de mérito, não alcançando o exame formal do ato administrativo-disciplinar, tido como abusivo e, por força de natureza, próprio da competência da Justiça castrense. 2. A punição disciplinar por transgressão militar tem a natureza jurídica de ato administrativo, e o seu exame, por meio de habeas corpus, embora possível, fica restrito à regularidade formal do ato (competência, cerceamento de defesa e cumprimento de formalidades legais). 3. O histórico fático constante nos autos não demonstra nenhuma irregularidade formal constitucional e/ou legal do procedimento administrativo disciplinar instaurado contra o recorrente/paciente. Foram observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa 4. O fato de a sindicância ter sido aberta em prazo superior ao previsto em portaria não é suficiente para a anulação do procedimento administrativo. É preciso que se comprove que a inobservância formal, no curso desse procedimento, tenha distorcido o direito material buscado, e tenha causado prejuízo à parte. Aplica-se ao caso o princípio pás de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo) 5. Não há falar em constrangimento ilegal, por abuso de poder ou ameaça à liberdade do recorrente/paciente. 6. Recurso em Sentido Estrito improvido. (TRF5 - RSE n° 00110964020154058300 – 3ª Turma – Relator Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior - DJe de 04.11.2016)

PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HABEAS CORPUS. MILITAR. TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR. ART. 142, PARÁGRAFO 2.º DA CONSTITUIÇÃO. RESPECITO AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA IMPARCIALIDADE DO JULGAMENTO. DECISÃO PUNITIVA DEVE SER MANTIDA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DESPROVIDO. 01. A despeito de os arts. 142, parágrafo 2.º, da Constituição, e 647, do Código de Processo Penal, estabelecerem expressamente não ser cabível habeas Corpus para discutir punição disciplinar militar, a jurisprudência tem entendido que, caracterizando-se como ato administrativo, seus aspectos formais podem ser analisados pelo Poder Judiciário, sendo vedado apenas o exame do mérito da punição disciplinar militar. Precedente do TRF/5.ª: RHCEXOF nº 2373/RN, Quarta Turma, Rel. Margarida Cantarelli, DJ 17/05/2006, p. 1069. 02. Em que pese as razões recursais se voltarem a questões procedimentos e de mérito a respeito do fato propriamente dito e da injustiça da aplicação da sanção disciplinar, atenta-se à análise apenas daquelas que se voltam ao aspecto formal, propriamente dito. 03. Ao contrário do quanto apregoado, o recorrente teve, sim, oportunidade de apresentar sua defesa prévia consistente de justificativas ou alegações para o seu ato no prazo de cinco dias úteis, previsto no art. 4.º, inciso II, da Portaria n.º 782/GC3, de 2010, do Comando da Aeronáutica. 04. Insubsistente se mostra a alegação de excesso de prazo, já que passados apenas 22 (vinte e dois) dias desde a ciência do fato à data de início da apuração, isto por que seria sobrelevar a forma em desfavor do conteúdo do ato administrativo, já que como se não bastasse, não se demonstrou qualquer prejuízo à defesa do requerente. 05. No procedimento disciplinar, restou provado que o militar deixou de preencher o controle de saída de viatura e entregar a quem não estava autorizado a conduzir a viatura oficial e ter omitido as informações para o Oficial do dia, sem motivo justificado, o que foi admitido, inclusive, pelo recorrente, cuja apuração encontrou respaldo dentro da rígida disciplina da hierarquia militar, cujas regras de autoridade e hierarquia devem prevalecer em atenção ao sistema estrutural organizado e amparado constitucionalmente. 06. A sentença objurgada não afronta qualquer imperativo formal. A legalidade da imposição de punição constritiva da liberdade em procedimento administrativo castrense autoriza a manutenção da sentença que denegou a ordem de Habeas Corpus, sendo sua manutenção medida que se impõe. 07. Recurso em Sentido Estrito desprovido. (TRF5 - RSE n° 00110972520154058300 – 3ª Turma - Relator Desembargador Federal Janilson Bezerra de Siqueira - DJe de 01.07.2016)

2O Advogado poderá ser contratado para acompanhar todo o processo administrativo disciplinar, a fim de participar do depoimento do militar, requerer diligências, cópias dos autos, arrolar testemunhas, elaborar a defesa técnica, interpor recursos, etc.

3BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 380.

4ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. MILITAR. ATO DE PUNIÇÃO DISCIPLINAR (TRANSGRESSÃO). ANULAÇÃO. IMPOSSÍBILIDADE. AUSÊNCIA DE DESVIO DE FINALIDADE. LEGALIDADE. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO CASTRENSE. DANOS MORAIS. NÃO OCORRÊNCIA. PRIMAZIA DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA. IMPROVIMENTO. 1. Em ações que versam sobre o controle jurisdicional do processo administrativo, a atuação do Poder Judiciário se limita à análise da regularidade do procedimento, não lhe sendo permitida qualquer incursão no mérito para aferir a conveniência e a oportunidade da decisão tomada pela autoridade administrativa. 2. A hierarquia e a disciplina constituem a base institucional das Forças Armadas, por exigência constitucional e legal, nos termos do art. 142, da CF e art. 14 da Lei nº 6.880/80, de modo que o militar deve se submeter a rigorosa disciplina castrense e acatar integralmente as leis ou ordens emanadas da Corporação. 3. Na espécie, à vista das provas carreadas aos autos, especialmente do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar (fls. 79/85) e dos testemunhos produzidos em audiência (fls.276/287), resta inconteste que a punição de transgressão disciplinar aplicada ao demandante foi levada a efeito por autoridade militar competente, de forma motivada e com a observância das regras que regem a hierarquia e a disciplina do Exército, dentro, portanto, da legalidade e do poder discricionário da administração castrense, de modo que não prospera a sua pretensão de anular o ato de punição sofrido. 4. Ante a inexistência da prática de qualquer ato ilícito por parte da demandada e da ocorrência efetiva de dano, ausente os requisitos autorizadores da responsabilidade civil. 5. Apelação improvida. Sentença mantida pelos seus próprios fundamentos. (TRF5 - AC n° 200984000098236 – 4ª Turma - Relator Desembargador Federal Marco Bruno Miranda Clementino – DJe de 02.08.2012)

5Quando citar a palavra norma neste livro, estarei me referindo, genericamente, a qualquer portaria, decreto, lei ordinária, lei complementar, CF/88, tratado internacional, etc.

6E estará, também, cometendo o delito de abuso de autoridade contra o exercício profissional da Advocacia, conforme previsão disposta no § 12 do art. 7º da Lei nº 8.906/1994.

7No decorrer desse capítulo há um tópico especial para definir as modalidades do writ.

8É possível, também, impetrar habeas corpus em relação à execução da pena disciplinar, pois esta poderá estar sendo abusiva e darei um exemplo ocorrido comigo na Base Aérea do Recife: em 2006 fui preso disciplinarmente por 6 (seis) dias no Hotel de Trânsito dos SO e SGT e o Comandante da OM ordenou aos seus Oficiais que me acordassem de hora em hora durante toda noite durante os 6 (seis) dias! Isso mesmo, tortura psicológica!!! Ocorreu, entretanto, que na mesma noite preparei (escondido) um habeas corpus escrito à mão e consegui passar para um colega de farda protocolar (dei-lhe as mesmas orientações que faço nesse capítulo) na Justiça Federal e que após entregasse uma cópia no Ministério Público Federal. Atualmente, esse colega - Dr. Lívio Silva (http://www.linkedin.com/in/professorliviosilva) - é advogado e professor universitário, além de ser especialista em Direitos Humanos e Direito Internacional. No dia seguinte aconteceu que: um Juiz Federal marcou uma audiência com o Comandante da OM (que faltou!) e comigo (imaginem como as autoridades militares ficaram). À época houve grande resistência de me levarem para frente do Juiz Federal, sendo que até ordem de prisão contra o ex-Comandante da BARF havia sido expedida pelo Juiz Federal, não sendo cumprida porque a Aeronáutica me levou para a Justiça Federal a tempo! Na audiência estava um Advogado da União e o Procurador da República (Ministério Público Federal) que recebeu a cópia da petição de habeas corpus escrita à mão. Nesta audiência judicial, o Juiz me perguntou se era verdade que eu estava sendo acordado de hora em hora, e quando confirmei esse fato, foi concedida liminar a fim de que parassem de me acordar de hora em hora. Com esse relato, os leitores podem perceber o poder de um habeas corpus, que, como dito, foi escrito à mão, e sequer foi necessário um Advogado, pois qualquer pessoa pode impetrar um habeas corpus.

9Se quiser que alguma testemunha seja ouvida ou algum documento em posse da Administração Militar seja juntado aos autos do processo disciplinar, faça tal pedido explicitamente quando da elaboração da defesa escrita.

PROCESSO PENAL. RECURSO DE HABEAS CORPUS. MILITAR. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. I - A punição imposta ao militar depende de prévio processo administrativo, em que lhe seja assegurado direito de defesa e ao contraditório, o que provou não ter ocorrido. II - Existência de vícios formais no procedimento. III - Remessa desprovida. (TRF1 - REOHC nº 0001914-80.2005.4.01.4100 – 3ª Turma – Relator Juiz Federal convocado Rubens Rolla D´Oliveira - DJ de 12.08.2005)

10APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. MILITAR. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. VIOLAÇÃO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Apelação interposta contra a sentença proferida em ação ordinária, que julgou procedente em parte o pedido para determinar que a União promova a anulação, na Folha de Alterações e na Ficha Disciplinar Individual do demandante, da punição disciplinar de detenção descrita na decisão exarada no "Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar". 2. Narrou o demandante, em síntese, que é militar do Exército e foi punido na via administrativa com três dias de detenção, em virtude do atraso na remessa de ofícios. Alegou que, a punição foi exagerada, já que se tratou da primeira, e não havia prazo para o cumprimento da ordem, ofendendo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Sustentou ainda que fora punido no mesmo dia da publicação da ordem sancionatória, sem direito a recurso. 3. Verifica-se que foram violados diversos dispositivos legais, constantes no Regulamento Disciplinar do Exército, e constitucionais, relativos à ampla defesa e ao contraditório. O fato de o demandado ter sido punido no mesmo dia em que fora publicada a ordem sancionatória, sem dúvida alguma, inviabilizou a interposição de recurso administrativo contra a decisão, violando o contraditório e a ampla defesa. Por outro lado, a punição não observou a proporcionalidade da gravidade da transgressão, que, por ser considerada leve, não cabe pena de detenção, que é aplicada aos casos de transgressão média. Precedentes: TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 0066465-60.2016.4.02.5101, Rel. Des. Fed. ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, Dje 2.3.2017; TRF2, 5ª Turma Especializada, AC 0118404-23.2014.4.02.5110, Rel. Des. Fed. ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, Dje 17.11.2015. 4. Apelação não provida. (TRF2 - AC n° 00079608620104025101 – 5ª Turma Especializada - Relator Desembargador Ricardo Perlingeiro – DJe de 15.05.2017)

11O RDAER é um Decreto, todavia, a princípio, foi recepcionado como lei pela CF/88.

12Esse parágrafo foi revogado pela Lei nº 13.954/2019.

13PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PROCESSO ADMINSITRATIVO PARA APURAÇÃO DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR DE MILITAR. DECISÃO DETERMINANDO PUNIÇÃO. NÃO FUNDAMENTAÇÃO DA AUTORIDADE. INOBSERVÂNCIA DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. Ainda que se admita a rigorosa disciplina peculiar à vida militar, não se apresenta regular o desrespeito aos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa. 2. Uma vez caracterizado o desrespeito aos direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, em processo administrativo disciplinar movido contra o paciente, impõe-se a manutenção da sentença concessiva de ordem de Habeas Corpus liberatório. 3. Recurso em sentido estrito improvido. (TRF1 – RSE n° 00006484320134013400 – 4ª Turma – Relator Juiz Federal convocado Hilton Queiroz - e-DJF1 de 04.02.2014)

14ADMINISTRATIVO. MILITAR. PUNIÇÃO DE NATUREZA DISCIPLINAR. HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA PARA PERMITIR AO MILITAR QUE RECORRA EM LIBERDADE DA PENA DE PRISÃO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO PUNITIVA INDEFERIDO. RECURSO ADMINISTRATIVO NÃO INTERPOSTO. PERDA DO OBJETO DO WRIT. RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO PREJUDICADO. 1. A ordem em habeas corpus foi concedida para que o militar pudesse recorrer em liberdade da punição disciplinar a ele imposta. Atendendo ao despacho de fl. 230-e, a União informa que "o militar em tela não recorreu à instância superior referente ao indeferimento do pleito da reconsideração de ato e não cumpriu os dias restantes da punição disciplinar" (fl. 236-e). Como se vê, já foi apreciado pedido de reconsideração, e não houve interposição de recurso administrativo; assim, é de se reconhecer a perda do objeto do recurso especial, tendo em vista que busca reverter ordem concedida em habeas corpus para afastar o cumprimento imediato da pena, permitindo ao militar que recorra em liberdade. 2. Agravo regimental não provido. (STJ - AGRESP nº 201302333860 – 2ª Turma – Relator Ministro Mauro Campbell Marques - DJe de 28.02.2014)

15Contraditório significa, resumidamente, o direito de se defender de uma acusação, antes de sofrer uma punição.

16Já a ampla defesa, sinteticamente, é o direito a que se permita ao acusado utilizar todos os meios que dispuser com o fim de provar sua inocência por meio de provas testemunhais, documentais, depoimento pessoal, etc. Por isso que, caso seja indeferido o pedido do militar de apresentação (arrolamento) de testemunha para provar sua inocência, é motivo suficiente de impetração de habeas corpus, pois tal ato além de ilegal é, sobretudo, inconstitucional.

17Direito material é o direito objetivo que vem estabelecer a substância, a matéria da norma agendi, fonte geradora e assegurada de todo direito. E assim se diz para se contrapor ao direito formal (processual), que vem instituir o processo ou forma de proteger tal direito objetivo (exemplo: toda pessoa possui o direito de petição aos órgãos públicos). Já o direito processual (formal) se denomina como todo complexo de regras instituídas pelo Poder Público no sentido de determinar a forma por que serão os direitos protegidos pelo Poder Judiciário.

18A Lei nº 9.784/1999 (Regula o processo administrativo no âmbito federal) tem aplicação, em determinadas situações (subsidiariamente, por exemplo), nos processos administrativos disciplinares.

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