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CAPÍTULO 4 - HABEAS CORPUS NAS TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES
4.9.6. A LIMINAR EM SEDE DE HABEAS CORPUS
A CF/88 não previu a concessão de liminar1 no habeas corpus, assim como não há previsão no CPP e nem no CPPM, e nem em leis esparsas, entretanto, tanto a doutrina quanto à jurisprudência de nossos tribunais são unânimes quanto à possibilidade da concessão de liminar.
Há regimentos internos de tribunais que preveem a concessão de liminar pelo relator nos habeas corpus, assim como o § 1º do art. 83 do Regimento Interno do STJ:
Art. 83. Suspendem-se as atividades judicantes do Tribunal nos feriados, nas férias coletivas e nos dias em que o Tribunal o determinar.
§ 1º Nas hipóteses previstas neste artigo, poderá o Presidente ou seu substituto legal decidir pedidos de liminar em mandado de segurança e habeas corpus, determinar liberdade provisória ou sustação de ordem de prisão, e demais medidas que reclamem urgência.
(…)
O inciso IV do art. 201 desse Regimento prevê a concessão de liminar2 em sede de writ preventivo, conforme se depreende da leitura3 do referido dispositivo:
Art. 201. O relator requisitará informações do apontado coator, no prazo que fixar, podendo, ainda:
I - nomear advogado para acompanhar e defender oralmente o pedido, se o impetrante não for bacharel em Direito;
II - ordenar diligências necessárias à instrução do pedido;
III - se convier ouvir o paciente, determinar sua apresentação à sessão de julgamento;
IV - no habeas corpus preventivo, expedir salvo-conduto em favor do paciente, até decisão do feito, se houver grave risco de consumar-se a violência.
O art. 160 do Regimento Interno do TRF5, que trata do habeas corpus de competência originária4, assim prevê a concessão de liminar:
Art. 160. O Relator requisitará, se necessário, informações à autoridade impetrada, no prazo que fixar, podendo ainda:
I – deferir os pedidos liminares;
II – sendo relevante a matéria, nomear advogado para acompanhar e defender oralmente o pedido, se o impetrante não for bacharel em Direito;
III – ordenar diligências necessárias à instrução do pedido;
IV – se convier, ouvir o paciente.
Mas o que é a liminar5? Qual sua pertinência ou utilidade prática? Como obtê-la6?
Alexandre de Moraes7, citando o mestre Mirabete, faz o seguinte comentário sobre o tema que pode ser utilizado como resposta às indagações acima:
1.7.3. Liminar em habeas corpus
Em ambas as espécies haverá possibilidade de concessão de medida liminar, para se evitar possível constrangimento à liberdade de locomoção irreparável. Julio Fabbrini Mirabete lembra que “embora desconhecida na legislação referente ao habeas corpus, foi introduzida nesse remédio jurídico, pela jurisprudência, a figura da “liminar”, que visa atender casos em que a cassação da coação ilegal exige pronta intervenção do Judiciário. Passou, assim, a ser mencionada nos regimentos internos dos tribunais a possibilidade de concessão de liminar pelo relator, ou seja, a expedição do salvo conduto ou a ordem liberatória provisória antes do processamento do pedido, em caso de urgência”, concluindo que “como medida cautelar excepcional, a liminar em habeas corpus exige requisitos: o periculum in mora (probabilidade de dano irreparável) e o fumus boni iuris (elementos da impetração que indiquem a existência da ilegalidade no constrangimento).
Com a transcrição doutrinária acima, surgem 02 (dois) termos técnicos estrangeiros de suma importância para o deferimento8 de liminar em habeas corpus: periculum in mora e fumus boni iuris.
Como dito acima, o primeiro refere-se à probabilidade de dano irreparável, ou seja, o perigo da demora da entrega da prestação jurisdicional, isto é, demora da execução da decisão definitiva do Poder Judiciário a ser efetivada ao final da demanda judicial. Essa demora poderá resultar em graves malefícios ao paciente caso se aguarde todos os procedimentos necessários ao processamento e julgamento do mérito do writ.
Ressalte-se que o simples fato de a pessoa ter restringido o seu direito de ir e vir ou na iminência de sua restrição, por si só, configura o perigo da demora9 (periculum in mora) da prestação jurisdicional10.
Já o segundo, refere-se a um indício de que há ilegalidade, o termo fumus boni iuris traduz-se na “fumaça do bom direito”. Significa, em síntese, não ser necessário que o magistrado tenha absoluta certeza de que haja ilegalidade na prisão ou na iminência desta, mas sim que haja probabilidade (suspeita) de que a prisão ou ameaça possa ser ilegal.
Caso, por exemplo, o magistrado se convença da existência do perigo da demora e da probabilidade de que o direito alegado pelo impetrante seja relevante, é possível que seja concedida a liminar.
Por isso, sugiro que sempre seja requerida liminar no habeas corpus, seja ele preventivo ou repressivo, mesmo que o impetrante não consiga identificar o periculum in mora e o fumus boni iuris, posto que como já dito, o magistrado ao ler a petição irá verificar11 se existem ou não os requisitos mínimos necessários para a concessão de liminar.
Importante informar que a liminar deferida é provisória, podendo ser revogada12, inclusive, na sentença, caso o magistrado entenda pela denegação da ordem.
_________________________
1Liminar no writ é uma decisão anterior ao julgamento do mérito, visando, precipuamente, preservar o direito de ir e vir do paciente até o julgamento do writ, seja preventivo ou liberatório.
2Um detalhe muito importante: o fato de ser concedida a liminar, não quer dizer que o mérito do writ será pela concessão da ordem, pois há casos em que após a prestação de informações da autoridade coatora, o magistrado entenda que a prisão foi legal. E nesse caso, o magistrado, por exemplo, irá expedir ordem revogando o alvará de salvo-conduto ou alvará de soltura, possibilitando, assim, a prisão do paciente.
3Não consta a palavra liminar, todavia, quando o texto diz até decisão do feito, conclui-se que se trata de liminar.
4Competência originária, neste caso, em resumo, quer dizer que o habeas corpus será iniciado, impetrado, diretamente no Tribunal Regional Federal da 5ª Região.
5Em resumo: neste caso em discussão, liminar é, em regra, uma antecipação da concessão da ordem de habeas corpus, antes de findado o regular processo judicial, ou seja, antes de proferida a sentença definitiva de mérito, que considerará ou não a prisão ou a ameaça ilegal.
6Caso o leitor queira se aprofundar sobre o estudo da liminar no ordenamento jurídico brasileiro, sugiro a leitura do meu livro Concursos Públicos Militares: ilegalidades e medidas judiciais cabíveis, publicado pelo Juruá Editora em 2013.
7MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 144-145.
8HABEAS CORPUS. MILITAR. PRISÃO DISCIPLINAR. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERE LIMINAR. CABIMENTO. LIMITAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. - O indeferimento de pedido liminar configura constrangimento a ser reparado pelo writ se manifesta a ilegalidade, limitando-se, porém, sua análise, à verificação dos requisitos para o provimento cautelar, quais sejam: fumus boni iuris e periculum in mora. - Tendo o paciente sido apenado em sindicância instaurada contra outras pessoas, que, ao final das investigações, sem observância dos princípios que regem o processo administrativo-disciplinar no âmbito militar, concluiu o cometimento de transgressão em face da inveracidade dos fatos, há de se conceder o salvo-conduto liminarmente pretendido, até ulterior julgamento do habeas corpus impetrado em primeira instância, porquanto o cumprimento da punição, antes do julgamento definitivo, implicaria em inegável violação ao direito de locomoção. - Ordem concedida. (TRF4 - HC nº 200404010573890 - Turma Especial – Relator Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona - DJ de 03.02.2005)
9Em regra, os magistrados federais e estaduais verificam em primeiro lugar se há perigo da demora, para somente após verificar se existe a fumaça do bom direito. E quando não vislumbram o primeiro, costumam não analisar o segundo requisito necessário para a concessão de liminar.
10Prestação jurisdicional, em resumo, significa ter um pedido (direito) analisado (sentenciado) pelo Poder Judiciário.
11PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO DENEGATÓRIA DE HABEAS CORPUS. ART. 581, X, CPP. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR. DISCUSSÃO DO MÉRITO. INVIABILIDADE. ART. 142, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ANÁLISE APENAS DE ASPECTOS FORMAIS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NÃO COMPROVAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1 - O recorrente impetrou habeas corpus, com pedido liminar, contra o Comandante do 8º Distrito Naval, sustentando que é cabo da Marinha do Brasil e teve contra ele instaurado processo administrativo disciplinar. No writ, alegou que faltaria justa causa à instauração da sindicância, uma vez que a conduta imputada ao paciente seria atípica, além de violações às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como que estaria sofrendo crime de tortura psicológica, pois foi constrangido a prestar informação ou declaração, sob ameaça de violência. A ordem foi denegada. 2 - Observo que o presente recurso em sentido estrito pretende a reforma da decisão de primeiro grau utilizando-se dos mesmos argumentos já lançados no habeas corpus denegado em primeira instância. 3 - Cumpre ressaltar que o mérito de punição disciplinar militar não pode ser objeto de habeas corpus (artigo 142, §2º, da Constituição Federal), excetuadas as hipóteses de inobservância dos pressupostos de legalidade do ato. Dessa forma, o presente recurso deve se restringir à análise da garantia da dos princípios da ampla defesa e do contraditório, que se referem a aspectos formais do procedimento administrativo, não havendo espaço para discussão do mérito daquela decisão. 4 - No que toca aos vícios elencados pelo recorrente, necessário, ainda, ressaltar que não há comprovação de quaisquer ofensas à ampla defesa e ao contraditório no curso do procedimento administrativo. 5 - Pelos documentos juntados, não se contempla a ocorrência de vícios de formalidade, já que assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa ao paciente, inexistindo nulidades. Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça. 6 - Quanto à suposta ocorrência de tortura psicológica, repisa-se que a estreita via do remédio constitucional não se apresenta como adequada para eventual apuração acerca da ocorrência de infrações penais contra o ora recorrente. Consigno, ainda, que eventual apuração se insere no âmbito da competência da Justiça Militar da União. 7 - Recurso em sentido estrito desprovido. (TRF3 -RSE nº 5003470-52.2020.4.03.6104 - 11ª Turma – Relator Desembargador Federal José Marcos Lunardelli – DJe de 13.10.2020)
12PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA DENEGATÓRIA DE HABEAS CORPUS. CASSAÇÃO DE LIMINAR. PRISÃO DISCIPLINAR MILITAR. SUSPEIÇÃO DO JUÍZO. 1. A liminar concedida está sujeita a confirmação (ou não) quando do julgamento do mérito do habeas corpus. Todas as decisões liminares são interinas e dependem de futura confirmação. É irrelevante que a liminar seja de outro magistrado, pois o que se considera é o juízo; não a pessoa física do juiz. Inexiste ilegalidade na revogação da medida quando da prolação da sentença. 2. A eventual suspeição do juiz, sendo o caso, deve ser discutida em expediente próprio (art. 98 - CPP), não podendo ser discutida no âmbito do habeas corpus. Correta a sentença que, examinando o procedimento da prisão disciplinar militar, denegou a ordem da habeas corpus, nos termos do art. 142 da Constituição. 3. Recurso em sentido estrito desprovido. (TRF1 – RSE nº 0007859-27.2009.4.01.3900 – 4ª Turma - Relator Desembargador Federal Olindo Menezes – e-DJF1 de 31.05.2013)