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CAPÍTULO 4 - HABEAS CORPUS NAS TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES

4.9.3. QUAIS OS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS PARA JUNTAR À PETIÇÃO INICIAL DO WRIT?

 

Primeiramente, importante frisar que a ação de habeas corpus exige prova pré-constituída1, ou seja, é necessário que todas as provas sejam juntadas com a petição inicial.

Não é possível, em regra2, que sejam produzidas provas posteriormente (dilação probatória), embora, ressalte-se, seja possível impetrar o writ sem qualquer documento. Entretanto, obviamente, a falta de documentos poderá ser prejudicial ao paciente, pois poderá faltar ao magistrado os subsídios suficientes para concluir se a punição disciplinar é ilegal.

O STF possui o seguinte entendimento sobre a prova pré-constituída no habeas corpus:

 

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. COMPLETA DEFICIÊNCIA NA INSTRUÇÃO DO PEDIDO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS DOCUMENTAIS PRÉ-CONSTITUÍDOS. NÃO-COMPROVAÇÃO DO ALEGADO. IMPOSSIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO WRIT. DECISÃO RECORRIDA EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A orientação jurisprudencial desta Casa de Justiça é firme no sentido de não conhecer de habeas corpus quando os autos não forem instruídos com as peças necessárias à confirmação da efetiva ocorrência do constrangimento ilegal. (Cf. HC 103.938/SP, decisão monocrática por mim exarada, DJ 24/08/2010; HC 100.994/SP, Segunda Turma, da relatoria da ministra Ellen Gracie, DJ 06/08/2010; HC 97.618/MG, Segunda Turma, da relatoria da ministra Ellen Gracie, DJ 12/03/2010; HC 102.271/RS, decisão monocrática da ministra Ellen Gracie, DJ 12/02/2010; HC 98.999/CE, Segunda Turma, da relatoria da ministra Ellen Gracie, DJ 05/02/2010; HC 101.359/RS, decisão monocrática do ministro Celso de Mello, DJ 02/02/2010; HC 97.368/SP, Primeira Turma, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, DJ 14/08/2009; HC 91.755/MG, Primeira Turma, da relatoria da ministra Cármen Lúcia, DJ 23/11/2007; HC 87.048-AgR/SP, Primeira Turma, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence, DJ 09/12/2005; HC 71.254/RJ, Primeira Turma, da relatoria do ministro Sydney Sanches, DJ 20/02/1995.) 2. Isso se deve à circunstância de que "a ação de habeas corpus - que possui rito sumaríssimo - não comporta, em função de sua própria natureza processual, maior dilação probatória, eis que ao impetrante compete, na realidade - sem prejuízo da complementação instrutória ministrada pelo órgão coator -, subsidiar, com elementos documentais pré-constituídos, o conhecimento da causa pelo Poder Judiciário. A utilização adequada do remédio constitucional do habeas corpus impõe, em consequência, seja o writ instruído, ordinariamente, com documentos suficientes e necessários à analise da pretensão de direito material nele deduzida" (cf. HC 68.698/SP, Primeira Turma, da relatoria do ministro Celso de Mello, DJ 21/02/1992). 3. Agravo regimental desprovido. (STF - HC nº 103.240 – 2ª Turma - Relator Ministro Ayres Britto - DJe de 11.04.2011)

 

O STJ segue tal entendimento, conforme se pode verificar na leitura das seguintes decisões:

 

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DOCUMENTOS IMPRESCINDÍVEIS PARA A ANÁLISE DAS AVENTADAS ILEGALIDADES. AUSÊNCIA. INSTRUÇÃO DEFICITÁRIA. QUESTÃO DECIDIDA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE DE REEXAME PELA CORTE LOCAL OU EM WRIT DIRIGIDO AO PRÓPRIO STJ. INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO INICIAL DO HABEAS CORPUS. ADEQUAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, incumbindo ao impetrante o dever de instruí-lo corretamente, com todos os documentos necessários à análise das teses trazidas a julgamento. A instrução deficitária impede o conhecimento do writ e a apreciação de eventual constrangimento ilegal, hábil a ensejar a atuação de ofício por este Superior Tribunal de Justiça. Precedentes. 2. Revela-se adequada a negativa do Tribunal local em enfrentar, em sede revisional, o mérito de questão dirimida pelo Superior Tribunal de Justiça em anterior recurso especial interposto pelo paciente. Tampouco é cabível habeas corpus nesta Corte para impugnar suas próprias decisões, conforme ressai da competência constitucional atribuída ao Superior Tribunal de Justiça no art. 105 da Carta da República. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC nº 341.811/SP – 5ª Turma - Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca - DJe de 10.12.2015)

 

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. TESE DE EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INSTRUÇÃO DEFICIENTE DO WRIT. AUSÊNCIA DA CÓPIA INTEGRAL DO ACÓRDÃO IMPUGNADO. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. ÔNUS DO IMPETRANTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. - A restrição de hipóteses de conhecimento dos habeas corpus substitutivos de recurso próprio encontra-se amparada no entendimento jurisprudencial tanto desta Corte quanto do Supremo Tribunal Federal. - Impossível o exame do constrangimento alegado, pois ausente cópia integral do acórdão impugnado, sendo firme o entendimento de que o writ deve vir acompanhado com todos os documentos necessários à imediata comprovação das alegações nele trazidas, sob pena de não conhecimento da ordem. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC nº 189.540/RS – 5ª Turma - Relatora Desembargadora convocada Marilza Maynarda - DJe de 26.08.2013)

 

O TRF3 fez o seguinte ensinamento sobre a obrigatoriedade da prova pré-constituída no habeas corpus:

 

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 35 DA LEI 11.343/06. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ADITAMENTO DE DENÚNCIA OFERECIDA NO JUÍZO ESTADUAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO JUÍZO DESIGNADO PARA A PRÁTICA DE ATOS URGENTES. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. O Ministério Público Federal, possui direito à ciência da redistribuição do feito à Justiça Federal, bem como de manifestar seu interesse no prosseguimento do feito, mesmo estando a competência do juízo suscitado pendente de decisão em Conflito de Competência. 2. Fixada a competência da Justiça Federal, o Ministério Público Federal pode ratificar e ao mesmo tempo aditar denúncia oferecida anteriormente pelo Ministério Público Estadual com o fim de agilizar os atos processuais e tornar mais rápida a busca da verdade real. 3. Na ação constitucional de habeas corpus, a cognição é sumária, ou seja, não há fase instrutória, razão pela qual somente se admite o exame da prova pré-constituída que acompanha a impetração. Assim, a despeito da ausência de formalismo (art. 654 do CPP), a inicial deve sempre vir acompanhada de documentos suficientes à compreensão e à comprovação do alegado. 4. O juízo eleito como competente para apreciar eventuais requerimentos ou peticionamentos urgentes até definição da competência em Conflito de Competência pode receber a denúncia a fim de configurar a infração penal e interromper a prescrição penal, sendo que o contraditório e a ampla defesa terão espaço no decorrer da instrução. 5. A segregação cautelar deverá ser analisada sempre na presença dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. 6. Ordem denegada. (TRF3 – HC nº 5019581-90.2020.4.03.0000 - 5ª Turma – Relator Desembargador Federal Maurício Yukikzazu Kato - e-DJF3 Judicial de 22.09.2020)

 

Sendo assim, o impetrante deverá juntar quaisquer documentos que possam demonstrar a ilegalidade da prisão disciplinar, sendo que é conveniente que sejam juntados, pelo menos, os seguintes: a) cópias3 da identidade e CPF4 do paciente e do impetrante; b) cópia dos autos5 do processo administrativo disciplinar ou da notificação6 sobre sua instauração; e c) cópia do documento oficial (boletim interno, etc) da respectiva Força Armada ou Auxiliar que decretou a punição disciplinar.

É obrigação da respectiva Força Armada e Auxiliar entregar cópias dos autos do processo disciplinar ao militar sujeito a processo disciplinar, sendo que tal pedido deve ser formal7 (por escrito) e caso a Administração Castrense se negue8 a fornecer cópia dos autos, deve-se informar tal fato ao magistrado na petição de habeas corpus e juntar a respectiva cópia do comprovante desse pedido administrativo.

Logo, caso a autoridade militar se negue a fornecer cópia dos autos do processo disciplinar ou quaisquer outros documentos de vital importância para se identificar a ameaça ou ilegalidade da prisão, sugiro que dentre os pedidos constantes na petição inicial, seja acrescido o seguinte: requer-se a intimação da autoridade coatora para, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas de sua intimação pessoal, juntar aos autos cópia dos autos do processo administrativo disciplinar.

Por analogia, podemos demonstrar tal possibilidade de requisição de documentos pelo magistrado, respectivamente, com a leitura do inciso II do art. 191 do Regimento Interno do STF e do inciso III do art. 160 do Regimento Interno do TRF5, que tratam do habeas corpus de competência originária9:

 

Art. 191. O Relator requisitará informações do apontado coator e, sem prejuízo do disposto no art. 21, IV e V, poderá:

(...)

II – ordenar diligências necessárias à instrução do pedido, no prazo que estabelecer, se a deficiência deste não for imputável ao impetrante;

(…)

 

Art. 160. O Relator requisitará, se necessário, informações à autoridade impetrada, no prazo que fixar, podendo ainda:

(...)

III – ordenar diligências necessárias à instrução do pedido;

(...)

 

Se a petição do habeas corpus estiver instruída, pelo menos, com os autos do processo administrativo disciplinar, isso permitirá ao magistrado verificar se houve alguma ilegalidade na imposição da punição disciplinar.

______________________

1Ou seja, não admite, em regra, dilação probatória, isto é, que sejam realizadas provas após sua impetração, como por exemplo, a prova testemunhal ou pericial.

2Digo em regra porque poderá ocorrer, por exemplo, de a autoridade coatora estar de posse de documentos necessários à prova da prisão ilegal e ter se negado a fornecer ao militar, logo, será possível requerer, no próprio habeas corpus, tais documentos ao magistrado para serem juntados posteriormente aos autos pela autoridade coatora. Por isso é sempre importante que qualquer documento solicitado pelo militar ao seu quartel seja por escrito e que o militar guarde cópia do pedido administrativo.

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. INSTRUÇÃO DEFICIENTE DO WRIT. INOBSERVÂNCIA DE PRESSUPOSTO INDISPENSÁVEL AO SEU CONHECIMENTO. PRECEDENTES. DECISUM FUNDADO NA REITERADA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. AGRAVO DESPROVIDO. I - Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, por terem sido opostos contra decisão monocrática que negou conhecimento ao habeas corpus por instrução deficiente. Precedentes. II - Decisão fundada na reiterada jurisprudência desta Suprema Corte sobre a matéria, no sentido de que no habeas corpus, assim como no mandado de segurança, hão de ser apresentadas provas pré-constituídas do constrangimento ilegal imposto ao paciente. Não cabe ao magistrado proceder à regular instrução do processo, a não ser que, da leitura da documentação juntada com a impetração, resulte dúvida fundada, a justificar a realização de diligência. Precedentes. III - Agravo regimental desprovido. (STF – HC nº 138.443 – 2ª Turma - Relator Ministro Ricardo Lewandowski - DJe de 11.04.2017)

3Não é necessário autenticação em cartório das cópias dos documentos anexados à petição inicial.

4Não há nenhuma lei obrigando que o impetrante informe o número da identidade ou do CPFdo paciente e/ou a juntada de cópia desses documentos para impetrar habeas corpus, entretanto há órgãos do Poder Judiciário que exigem o CPF. Logo, é sensato, se possível, é claro, informar e juntar, desde logo, tais documentos na petição do habeas corpus, a fim de não atrasar o processamento do writ.

5O militar detém o direito à cópia dos autos do processo disciplinar, sendo que tal pedido deve ser feito por escrito ao superior hierárquico, a fim de que, futuramente, se for o caso, possa se provar que foi solicitada a referida cópia.

6Caso não disponha dos autos do processo disciplinar.

7Lembre-se: quando for protocolar na Organização Militar seu pedido de cópia dos autos, leve 2 (duas) cópias do pedido e exija que o responsável pelo setor competente assine (ou protocole) o recebimento de uma cópia, a fim de que receba 1 (uma) cópia que comprovará seu pedido administrativo.

8O habeas data (art. 5º, inciso LXXII, da CF/88 e Lei nº 9.507/97) é um dos instrumentos jurídicos adequados para obrigar a administração castrense a entregar documentos de seu interesse (ver Capítulo 8).

9Competência originária, nesse caso, em resumo, quer dizer que o habeas corpus será iniciado, impetrado, diretamente no Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Esse exemplo foi apenas didático, pois os tribunais regionais federais não possuem competência para conhecer de habeas corpus contra punições disciplinares de militares das Forças Armadas. A atuação dos TRFs em relação a habeas corpus contra punições disciplinares impostas a militares das Forças Armadas é apenas em grau recursal (recurso em sentido estrito). O STJ é que possui competência originária quando a autoridade coatora apontada no habeas corpus for um dos Comandantes das Forças Armadas.

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