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CAPÍTULO 4 - HABEAS CORPUS NAS TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES

4. INTRODUÇÃO

 

Durante os últimos anos de minha carreira militar (1989-2007), vários foram os habeas corpus ou writ1 por mim impetrados contra punições disciplinares ilegais e arbitrárias, sendo que em muitos obtive vitória.

Ocorreu, entretanto, que um deles acabou por atingir um Coronel da Força Aérea Brasileira – Comandante de uma Base Aérea – que foi processado pelo crime de abuso de autoridade por ter me prendido ilegalmente com 06 (seis) dias de prisão disciplinar, e acabou aceitando cumprir um acordo criminal proposto pelo MPF a fim de não correr o risco de ser condenado criminalmente.

No decorrer deste capítulo citarei exemplos práticos, demonstrando, inclusive, matérias jornalísticas, documentos oficiais e decisões judiciais, ressaltando que não pretendo ofender nenhum militar das Forças Armadas ou mesmo a Instituição. Meu objetivo é unicamente dar esclarecimentos aos militares, estudantes e Advogados sobre o instituto do habeas corpus nas transgressões disciplinares militares. E nada melhor do que estudar um assunto com exemplos práticos que funcionaram comigo quando militar da Aeronáutica.

Alguns militares poderão, desde já, estar fazendo o seguinte questionamento: mas isso não vai me queimar, não vai atrapalhar minha carreira, não vou ser perseguido se impetrar um habeas corpus contra meu superior hierárquico, etc, etc.??? É possível sim!!! Assim como será possível, também, que esse superior hierárquico tenha grandes dores de cabeça2 com um processo criminal por abuso de autoridade: isso acaba com a carreira de qualquer Oficial, ainda mais quando desejam passar do posto de Coronel.

Recentemente, no ano de 2020, um Coronel impediu-me de ter acesso aos autos de uma sindicância, e por tal atitude fiz representação criminal contra o mesmo pela prática, em tese, de abuso de autoridade e, posteriormente, em determinada petição de lavra desse Coronel, este informou a um Juiz que não ascendeu ao posto de Brigadeiro por causa dessa representação.

Porém, existe um meio do militar ficar imune às perseguições, pelo menos na teoria, pois qualquer pessoa pode impetrar habeas corpus em favor de um militar preso ou na iminência de ser preso disciplinarmente: esposa, filho, amigo, primo ou desconhecido (isso mesmo, até pessoas estranhas: não há necessidade de procuração para impetrar habeas corpus).

A prisão disciplinar ilegal, arbitrária ou abusiva pode gerar, pelo menos, 02 (duas) consequências, que serão discorridas no decorrer deste capítulo: a) a autoridade militar que abusou de sua autoridade, agindo ilegalmente, quando ordenou e/ou executou a prisão disciplinar do militar estará passível de ser processada3 e condenada por crime4 de abuso de autoridade5 e b) o militar preso ilegalmente poderá receber indenização6 por danos morais na Justiça Federal (Forças Armadas) ou Estadual (Policiais e Bombeiros Militares).

Pretendo que, após a leitura deste capítulo, qualquer pessoa, civil ou militar, possa elaborar e impetrar (ajuizar) uma ação de habeas corpus perante o Poder Judiciário. E, como sempre, utilizarei a linguagem mais simples possível e caso tenha que utilizar termos técnicos, farei esclarecimentos: este livro é dirigido, especialmente para leigos (militares e civis) e não voltado exclusivamente para a seara acadêmica, logo a linguagem tem que ser simples e será esse meu objetivo.

Também não discorrei sobre o histórico do instituto do habeas corpus, como origem, desenvolvimento e teorias, por exemplos, pois este livro é, conforme o título, um manual prático. Todavia, caso o leitor queira se aprofundar no tema, bastará recorrer aos livros disponíveis em livrarias ou bibliotecas públicas.

E por último uma reflexão: já pararam para pensar porque a Aeronáutica, Exército e Marinha não divulgam nos Boletins Internos a íntegra das decisões judiciais que favorecem os militares? Mas, entretanto, já repararam que quando a decisão é desfavorável ao militar, divulgam a íntegra da mesma?

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1Writ é uma expressão inglesa utilizada no direito brasileiro, comumente, para identificar o mandado de segurança, o habeas corpus e o habeas data.

2É possível até mesmo a perda do posto.

3O art. 41 da Lei n° 6.880/1980 prevê o seguinte: “Cabe ao militar a responsabilidade integral pelas decisões que tomar, pelas ordens que emitir e pelos atos que pratica”.

PROCESSO PENAL - HABEAS CORPUS - PRETENDIDO TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL - PACIENTE TENENTE CORONEL DO EXÉRCITO, ACUSADO DE "ABUSO DE AUTORIDADE" PRATICADO CONTRA SUBORDINADO, ATRAVÉS DA IMPOSIÇÃO DE PENALIDADE CASTRENSE POSTERIORMENTE ANULADA PELO COMANDANTE MILITAR DO SUDESTE - ATO PRATICADO ATRAVÉS DE PROCESSO DSICIPLINAR QUE TRAMITOU NO RECINTO DO EXÉRCITO EM BAURU (SP) - CRIME CONSIDERADO MILITAR - ORDEM CONCEDIDA PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL, DIANTE DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Denúncia contra Tenente-Coronel do Exército atribuindo-lhe a prática do crime definido no art. 4º, alínea "a" da Lei nº 4.898/1965, o chamado "abuso de autoridade", por haver imposto a um Sargento a pena de detenção por três dias por ter, no âmbito de um procedimento administrativo castrense, dirigido recurso à autoridade militar superior (Comandante da 2ª Região Militar), assim quebrando a cadeia de comando por infringência do art. 54, § 1º, do Regulamento Disciplinar do Exército, ainda por ter se omitido em informações que poderiam conduzir a apuração de uma transgressão disciplinar e, finalmente, por haver se portado desrespeitosamente com o superior. Apenação mantida pelo General Comandante da 2ª. Região Militar, mas posteriormente anulada pelo Senhor Comandante do Comando Militar do Sudeste, que a considerou "injusta". 2. A narrativa contida na denúncia descreve a ocorrência, em tese, de um crime cometido por militar de patente superior contra outro militar, seu subordinado, ocorrido no recinto castrense e através de procedimento disciplinar regrado por normas militares, tudo a indicar que, se crime houve, deve ser capitulado no Código Penal Militar (artigo 174) e por essa razão falece competência à Justiça Federal para apreciar o caso. 3. Não se aplica ao caso dos autos a Súmula nº 172 do Superior Tribunal de Justiça ("compete a Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço"), pois os precedentes que resultaram nessa súmula referem-se a crimes cometidos por militares contra civis. 4. Ordem concedida. (TRF3 – HC n° 00601569020044030000 – 1ª Turma - Relator Desembargador Federal Johonsom Di Salvo - DJU de 31.05.2005)

4PENAL - "HABEAS CORPUS"- AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. Não comete crime de abuso de autoridade o militar que, seguindo estritamente o determinado pelas normas disciplinares da corporação aplica pena prisional a subordinado, afirmando-o desertor. A decisão na esfera cível, considerando juridicamente amparada a conduta do militar que se retirou da corporação, por óbvio, apenas afasta a ocorrência de deserção, mas não macula a conduta do paciente, anterior, pois lhe era inexigível conduta diversa, e do contrário ele seria o punido. Ordem concedida. (TRF2 - HC nº 9902141447 – 4ª Turma - Relator Desembargador Federal Guilherme Couto – DJ de 26.05.1999)

5O art. 164 do Regimento Interno do TRF5 assim dispõe:

Art. 164. Ordenada a soltura do paciente, em virtude de habeas corpus, a autoridade que, por má-fé ou evidente abuso de poder, tiver determinado a coação, será condenada nas custas, remetendo-se ao Ministério Público Federal traslado das peças que instruíram o processo para a verificação da ocorrência de crime.

PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HABEAS CORPUS IMPETRADO VISANDO A SOLTURA DO PACIENTE. PUNIÇÃO DISCIPLINAR CUMPRIDA: PREJUDICIALIDADE RECONHECIDA. 1. Recurso em sentido estrito interposto pelo impetrante contra denegação de ordem de habeas corpus. 2. O habeas corpus é um instituto com natureza de garantia constitucional destinado a proteger pessoas contra ameaças à sua liberdade de locomoção, advindas de ilegalidades ou abuso de poder. 3. A impetração encontra-se evidentemente prejudicada pelo término da prisão disciplinar de três dias, a contar de 05.10.15. O recurso perdeu o objeto, na medida em que não subsistem os motivos que ensejaram sua interposição. 4. Incompatível a utilização do writ para discutir o alegado abuso de autoridade do Comandante do Batalhão ou a legalidade da prisão disciplinar, vez que a sanção já foi cumprida. Inadequados os argumentos do recorrente quanto ao tema. 5. Processo extinto sem exame do mérito, de ofício. Recurso prejudicado. (TRF3 – RSE nº 00143272120154036105 – 2ª Turma – Relator Juiz Convocado Silva Neto - e-DJF3 de 17.03.2016)

6CONSTITUCIONAL. DANOS MORAIS. MILITAR PUNIDO POR DENÚNCIAS DE ABUSO DE AUTORIDADE. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA. I. A Constituição Federal em seu art. 5º, V, garante a indenização da lesão moral, independente de estar, ou não, associada a prejuízo patrimonial. II. Para que seja compelida a parte ré ao pagamento de indenização a título de danos morais, faz-se necessário que seja demonstrada a existência do evento danoso e o nexo causal entre este e o causador da lesão moral. III. Existindo fortes indícios de que houve vulnerabilidade no processo administrativo, em que se apurou denúncia de militar de abuso de autoridade, no qual o postulante passa da condição de queixoso para a situação de transgressor, com aplicação de punição, sob o argumento de que faltou com a verdade, sem a devida ampla defesa, há de se reconhecer que foi ferido o devido processo legal. IV. Não pode o indivíduo sofrer retaliação por haver exercido o seu direito de invocar a tutela jurisdicional. V. Disciplina e hierarquia, princípios inerentes à situação jurídica especial dos militares, não se confundem com ilegalidade e arbitrariedade. VI. Indenização por danos morais fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). VII. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDAS. (TRF5 - AC n° 200480000044440 - 4ª Turma - Relator Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho - DJ de 28.05.2009)

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