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CAPÍTULO 3 - AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E INQUÉRITO POLICIAL MILITAR

3.2.8. ART. 18 DO CPPM: DETENÇÃO CAUTELAR DO MILITAR POR DECISÃO DO ENCARREGADO DO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR

 

O caput do art. 18 do CPPM prevê o seguinte:

 

Detenção de indiciado

Art. 18. Independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá ficar detido, durante as investigações policiais, até trinta dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária competente. Esse prazo poderá ser prorrogado, por mais vinte dias, pelo comandante da Região, Distrito Naval ou Zona Aérea, mediante solicitação fundamentada do encarregado do inquérito e por via hierárquica.

Prisão preventiva e menagem. Solicitação

Parágrafo único. Se entender necessário, o encarregado do inquérito solicitará, dentro do mesmo prazo ou sua prorrogação, justificando-a, a decretação da prisão preventiva ou de menagem, do indiciado.

 

O caput do art. 18 não foi recepcionado totalmente pela CF/88, pois a prisão de qualquer pessoa se restringirá às hipóteses previstas no LXI do art. 5º:

 

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

 

Mas o que é crime propriamente militar? É aquele crime que somente poderá ser praticado por militar. Eis alguns exemplos: insubordinação (CPM 163), abandono de posto (CPM 195), motim (CPM 149), violência contra superior (CPM 157), desrespeito a superior (CPM 160), dentre outros.

Célio Lobão1 assim conceitua o crime propriamente militar:

 

Como crime propriamente militar entende-se a infração penal, prevista no Código Penal Militar, específica e funcional do ocupante do cargo militar, que lesiona bens ou interesses das instituições militares, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, do serviço e do dever militar.

 

Assim, a detenção cautelar do militar prevista no art. 18 somente será constitucional em relação ao crime2 propriamente3 militar definido em lei, sendo que no meio castrense, esses crimes estão dispostos no CPM.

Ailton Soares4 – Major da reserva da Polícia Militar - co-autor de livro sobre comentários ao regulamento disciplinar da Polícia Militar de São Paulo, fez a seguinte explanação sobre este tema:

 

A disposição do art. 18 do CPPM foi parcialmente revogada pelo conteúdo do inciso LXI do art. 5º, da Constituição Federal. Eis que a garantia constitucional somente admite a excepcionalidade da prisão decretada por autoridade administrativa militar nos crimes propriamente militares, definidos em lei, ou seja, naqueles crimes que não tenha igual definição na lei penal comum, como por exemplo os crimes de motim; conspiração; desrespeito a superior; violência contra inferior; embriaguez em serviço, entre outros.

Nesse passo, o encarregado de IPM que decretar a detenção do policial militar, no curso da apuração de crime impropriamente militar, sujeitar-se-á às disposições da Lei Federal nº 4.898, de 9.12.1965 (Lei de Abuso de Autoridade), já que, em tese, estará dando azo a enquadrar-se na disposição prevista na alínea a do art. 4º da lei.

 

Célio Lobão5 faz o seguinte alerta sobre o art. 18 do CPPM:

 

Vedado ao encarregado do IPM, ou outra autoridade militar, determinar a prisão de civil, em qualquer hipótese, inclusive a do militar no crime impropriamente militar. Se o fizer, responderá por crime de abuso de autoridade (arts. 5º, LXI, da CF, 18, 254 e 255 do CPPM).

 

A IMA 111-1/19806 do Comando da Aeronáutica prevê o seguinte nos seus itens nºs 13.8 e 12.8.1:

 

Detenção de indiciado

13.8 - Independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá ficar detido, durante as investigações, até trinta dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária competente, com a declaração do local onde a mesma se acha sob custódia e se está, ou não, incomunicável. No caso de infração contra a Segurança Nacional, a comunicação será reservada.

Prorrogação da detenção

13.8.1 - Esse prazo poderá ser prorrogado por mais vinte dias pelo Comandante do Comando Aéreo Regional, mediante solicitação fundamentada do encarregado do inquérito e por via hierárquica.

 

O item nº 8.25 do DGPM-315 (3ª revisão) do Comanda da Marinha trata sobre a prisão com suporte no art. 18 do CPPM:

 

8.25 - CRIME PROPRIAMENTE MILITAR

8.25.1 - Crime propriamente militar é aquele que só pode ser praticado por militares, pois consiste na violação de deveres restritos, que lhes são próprios.

8.25.2 - Quando houver necessidade da detenção do indiciado (militar) no decorrer de um IPM para apurar o cometimento de crime propriamente militar, com o propósito de melhor elucidar os fatos, ela independerá de flagrante delito ou de ordem judicial, devendo o encarregado, observando o prazo do art. 18 do CPPM, lavrar o competente “Mandado de Prisão” (modelo do Anexo T) e imediatamente providenciar:

a) a comunicação da prisão às autoridades judiciária militar e do Ministério Público competentes (art. 10 da Lei Complementar nº 75/1993) (modelo do Anexo V);

b) a comunicação da prisão ao Comando do Distrito ou Comando Naval em cuja área ocorreu a detenção, à DPMM e ao CPesFN, quando envolver militar do CFN (modelo do Anexo U);

c) a comunicação à família do preso, ou a qualquer pessoa por ele indicada, do local onde o mesmo se encontra detido (modelo do Anexo V); e

d) a autorização para que seja prestada assistência pela família do preso ou por seu advogado, se este assim o desejar.

 

O item nº 8.26 do DGPM-315 (3ª revisão) prevê o que o encarregado deverá fazer se o crime praticado for impropriamente militar:

 

8.26 - CRIME IMPROPRIAMENTE MILITAR

Crimes impropriamente militares são os crimes comuns em sua natureza, cuja prática é possível a qualquer cidadão, civil ou militar. Quando, no curso das investigações, surgir necessidade da prisão do indiciado que tenha praticado crime impropriamente militar, deverá o encarregado solicitar a decretação da prisão preventiva, com base nos arts. 254 e 255 do CPPM, ao Juiz-Auditor da Circunscrição Judiciária Militar competente (modelo do Anexo AA)

 

A Procuradoria da Justiça Militar em Bagé/RS fez a seguinte recomendação7 ao Comandante do 25º Grupo de Artilharia de Campanha:

 

4) A aplicação do disposto no Art. 18 do CPPM só é possível no caso de crime propriamente militar, conforme parte final do inciso LXI ao Art. 5º da Constituição da República, o que não afasta a necessidade de comunicação imediata do cerceamento ao Juízo competente e Ministério Público Militar, remetendo-se também a documentação comprobatória da legalidade da prisão;

 

O que poderá, então, ser feito caso um militar seja detido por decreto (mandado de prisão) do encarregado do IPM com suporte no art. 18 do CPPM? Para responder essa pergunta, necessário, primeiro, a transcrição dos incisos LXV e LXVI do art. 5º da CF/88:

 

LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

 

Se a detenção8 por ordem do encarregado for ilegal, caberá peticionar ao Juiz requerendo o relaxamento da prisão, e caso este a mantenha, caberá a impetração de habeas corpus para o STM.

O caput do art. 18, a princípio, induz-nos a entender que a função da autoridade judicial quanto a essa detenção é apenas formal, mas, certamente, não o é, pois o inciso LXV do art. 5º da CF prevê que a prisão ilegal será imediatamente relaxada. Ademais, a detenção por ordem do encarregado do IPM deverá ser fundamentada, a fim de dar subsídios ao Juiz para verificar a legalidade da detenção.

Cláudio Amin Miguel e Nelson Coldibelli9 assim comentam sobre o prazo fixado no art. 18 do CPPM:

 

No que tange ao prazo de detenção, embora alguns entendam que seria de trinta dias, sem prorrogação, entendemos que não pode ultrapassar vinte dias, prazo fixado para o término do IPM, quando o indiciado estiver preso. No entanto, a apreciação quanto à necessidade da detenção não será exclusiva da autoridade militar, pois ao comunicá-la imediatamente ao Juiz-Auditor, este deverá apreciá-la sob os aspectos da legalidade, bem como da necessidade de sua manutenção.

 

Agora, um detalhe interessante: se a detenção for legal, caberá pedido de liberdade provisória ao Juiz? Ou os crimes propriamente militares estão imunes à previsão contida no LXVI do art. 5º da CF? A regra no processo penal é: em não estando presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, a liberdade provisória é um direito10, salvo previsão legal11 em sentido contrário.

O inciso LXI fez uma ressalva sobre a prisão referente aos crimes propriamente militares, todavia, não fez essa ressalva no inciso LXVI. Por isso, a princípio, aplica-se o instituto da liberdade provisória aos delitos propriamente militares. Porém, confesso que a concessão de liberdade provisória relativa à detenção prevista no art. 18 seria, na prática, desconsiderar a intenção deste dispositivo: prisão para averiguações policiais.

________________________

1LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p. 84.

2DETENÇÃO NO CURSO DE IPM, COM BASE NO ART. 18, DO CPPM. Inaplicabilidade, 'in casu', por não se configurar crime propriamente militar, inteligência do art. 5º, LXI, da Constituição Federal. Posterior decretação de prisão preventiva, sanando irregularidade da detenção e causando a perda do objeto do pedido. Habeas corpus conhecido e denegado. Decisão uniforme. (STM – HC n° 1992.01.032818-1/AM - Relator Ministro Wilberto Luiz Lima – DJ de 23.03.1992)

3Não sendo crimes propriamente militares e entendendo o encarregado pela necessidade da custódia cautelar, deverá requerer ao Juiz a decretação da prisão preventiva do investigado ou indiciado.

4AILTON, Soares. O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo comentado: lei complementar nº 893, de 9-3.2001. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 165.

5LOBÃO, Célio. Direito processual penal militar. São Paulo: Método, 2009. p. 63.

6Aprovado pela Portaria 183/COJAER, de 12 de fevereiro de 1980.

7Recomendação 16/2004/PJM/Bagé/RS. Ressalte-se que o MPM é o órgão fiscalizador das atividades policiais nas Forças Armadas e Auxiliares. O art. 117, inciso II, da Lei 75/93 prevê que caberá ao MPM o controle externo da atividade da Polícia Judiciária Militar.

8No meu ponto de vista técnico, é muito perigoso ao encarregado do IPM decretar a detenção do investigado ou indiciado com base no art. 18, pois em sendo a prisão considerada ilegal pelo Poder Judiciário, terá, em tese, cometido o delito de abuso de autoridade. Por isso, talvez, esse art. 18 esteja praticamente em desuso no âmbito castrense.

9MIGUEL, Cláudio Amin e COLDIBELLI, Nelson. Elementos de Direito Processual Penal Militar. 3ª ed. Editora: Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. p. 36.

10HABEAS CORPUS. FURTO. PRISÃO EM FLAGRANTE. CONVERSÃO EM PREVENTIVA COM BASE NOS PRINCÍPIOS DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA. INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. A decretação da prisão preventiva baseada no entendimento de que o fato foi prejudicial aos princípios da hierarquia e da disciplina, alínea "e" do art. 255 do CPPM, deve estar acompanhada de uma fundamentação concreta, plausível, elencando os elementos fáticos que sejam pertinentes para justificá-la. A prisão por tempo excessivo não pode ser instrumentalizada como modelo para inibir efeitos deletérios à disciplina e à hierarquia militar entre os militares na caserna. A prisão preventiva deve ser adotada sempre em último caso, de forma excepcional, quando se revelar insuficiente qualquer outra providência acautelatória, observando-se a necessidade e a proporcionalidade da medida, com o fim de evitar sua banalização. Ordem concedida. Unânime. (STM – HC n° 0000067-16.2016.7.00.0000/AM - Relator Ministro Odilson Sampaio Benzi - DJe de 08.06.2016)

11É o caso da letra b do art. 270 do CPPM.

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