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CAPÍTULO 3 - AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E INQUÉRITO POLICIAL MILITAR

3.2.2. NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE

 

O primeiro ponto a ser discutido é sobre a natureza jurídica do IPM1, sendo este, salvo a exceção2 disposta no art. 16-A do CPPM, um procedimento inquisitorial, ou seja, que objetiva a apuração sumária de fato que constitua, em tese, crime e de sua autoria.

Não é da essência do IPM3 o contraditório e à ampla defesa, por isso, todo o cuidado é pouco quando o militar ou civil, na condição de investigado, responder às perguntas do encarregado do IPM.

Para se ter uma ideia do que estou falando, citarei um caso prático: um cliente era testemunha4 no IPM (foi sem Advogado) e, acabou, inocentemente, sendo indiciado ao término do IPM e, posteriormente, denunciado pela prática, em tese, de crime militar. Ora, se uma testemunha, ao final do IPM, pode vir a ser denunciada, embora inocente, imaginem o que poderá acontecer ao próprio investigado.

Em caso de prisão em flagrante, os próprios autos poderão, em determinados casos, constituir o IPM, conforme disposição contida no art. 27 do CPPM:

 

Art. 27. Se, por si só, for suficiente para a elucidação do fato e sua autoria, o auto de flagrante delito constituirá o inquérito, dispensando outras diligências, salvo o exame de corpo de delito no crime que deixe vestígios, a identificação da coisa e a sua avaliação, quando o seu valor influir na aplicação da pena. A remessa dos autos, com breve relatório da autoridade policial militar, far-se-á sem demora ao juiz competente, nos termos do art. 20.

 

O IPM poderá ser dispensado nos seguintes casos:

 

Art. 28. O inquérito poderá ser dispensado, sem prejuízo de diligência requisitada pelo Ministério Público:

a) quando o fato e sua autoria já estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais;

b) nos crimes contra a honra, quando decorrerem de escrito ou publicação, cujo autor esteja identificado;

c) nos crimes previstos nos arts. 341 e 349 do Código Penal Militar.

 

Em síntese, o IPM5 procura 2 (dois) coisas: a materialidade e a autoria do crime. E para se chegar a estes objetivos, são efetivadas algumas diligências relativas ao fato, como por exemplos: investigação do local do crime, declarações do suspeito, do ofendido, das testemunhas, realização de exames periciais, avaliações, juntada de documentos, acareações, reconhecimento de pessoas, dentre outros.

E para que tudo isso serve? A resposta está no art. 9º: para dar elementos necessários à propositura de denúncia por parte do MPM. Pois, somente será possível denunciar alguém por crime se houver, pelo menos, a prova da materialidade delituosa e indícios6 de autoria, conforme disposto no art. 30 do CPPM:

 

Art. 30. A denúncia deve ser apresentada sempre que houver:

a) prova de fato que, em tese, constitua crime;

b) indícios de autoria.

 

O art. 382 do CPPM informa o que é indício7:

 

Art. 382. Indício8 é a circunstância ou fato conhecido e provado, de que se induz a existência de outra circunstância ou fato, de que não se tem prova.

 

Os arts. 77 e 78 do CPPM preveem, respectivamente, os requisitos necessários da denúncia e os casos em que será rejeitada:

 

Requisitos da denúncia

Art. 77. A denúncia conterá:

a) a designação do juiz a que se dirigir;

b) o nome, idade, profissão e residência do acusado, ou esclarecimentos pelos quais possa ser qualificado;

c) o tempo e o lugar do crime;

d) a qualificação do ofendido e a designação da pessoa jurídica ou instituição prejudicada ou atingida, sempre que possível;

e)9 a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias;

f) as razões de convicção ou presunção da delinquência;

g) a classificação do crime;

h) o rol das testemunhas, em número não superior a seis, com a indicação da sua profissão e residência; e o das informantes com a mesma indicação.

Dispensa de testemunhas

Parágrafo único. O rol de testemunhas poderá ser dispensado, se o Ministério Público dispuser de prova documental suficiente para oferecer a denúncia.

Rejeição de denúncia

Art. 78. A denúncia não será recebida pelo juiz:

a) se não contiver os requisitos expressos no artigo anterior;

b) se o fato narrado não constituir evidentemente crime da competência da Justiça Militar;

c) se já estiver extinta a punibilidade;

d) se for manifesta a incompetência do juiz ou a ilegitimidade do acusador.

Preenchimento de requisitos

§ 1º No caso da alínea a, o juiz antes de rejeitar a denúncia, mandará, em despacho fundamentado, remeter o processo ao órgão do Ministério Público para que, dentro do prazo de três dias, contados da data do recebimento dos autos, sejam preenchidos os requisitos que não o tenham sido.

Ilegitimidade do acusador

§ 2º No caso de ilegitimidade do acusador, a rejeição da denúncia não obstará o exercício da ação penal, desde que promovida depois por acusador legítimo, a quem o juiz determinará a apresentação dos autos.

Incompetência do juiz. Declaração

§ 3º No caso de incompetência do juiz, este a declarará em despacho fundamentado, determinando a remessa do processo ao juiz competente.

 

Se a denúncia estiver em desacordo com o art. 77 ou não existir prova da materialidade delituosa ou indícios suficientes de autoria, será ilegal o recebimento da mesma pelo Juiz, e caso isso aconteça, poderá ser impetrado habeas corpus com o objetivo de que a denúncia não seja recebida, isto é, que seja rejeitada com posterior arquivamento.

O habeas corpus é o meio adequado contra o recebimento de denúncia que estiver em desacordo com o art. 77, conforme entendimento jurisprudencial do STM:

 

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. Esta Justiça Especializada já se manifestou reiteradamente no sentido de que o trancamento de ação penal pela via estreita do Habeas Corpus é medida excepcional, admissível somente quando, de plano e inequivocamente, verifica-se a ausência de provas da materialidade do crime ou dos indícios de autoria, bem como se constata a atipicidade da conduta ou a existência de causa extintiva da punibilidade. Embora o IPM tenha concluído que o acidente automobilístico decorreu do mau acondicionamento da carga transportada, o Paciente não possuía o dever de cuidado objetivo, essencial para a configuração da conduta na forma culposa. Na espécie, torna-se evidente a inexistência de nexo causal entre a conduta do Paciente e os fatos versados na denúncia, o que inviabiliza o prosseguimento do feito principal. Ordem concedida para trancar a ação penal. (STM - HC nº 0000195-41.2013.7.00.0000 - Relator Ministro William de Oliveira Barros – DJe de 11.12.2013)

 

HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ART. 251, § 3º DO CPM. O habeas corpus é instrumento hábil para trancar a ação penal em casos de inépcia da denúncia, ausência de indícios de autoria ou de prova de materialidade do delito, atipicidade da conduta ou existência de causa extintiva da punibilidade. Tais hipóteses não se configuram no presente caso. Demais, é curial que em sede de habeas corpus não cabe discutir fatos e provas paralelamente ao processo penal, pois o remédio heróico tem rito célere e não comporta dilação probatória. Ordem denegada. Unânime. (STM – HC nº 2000.01.033557-9/RS – Relator Ministro José Júlio Pedrosa - DJ de 04.09.2000)

 

Do exposto, tem-se que o IPM, em regra, é um procedimento inquisitório com a finalidade de obter informações sobre a prática de infração penal, a fim de fornecer elementos para o MPM oferecer a denúncia10.

_________________

1O inquérito será iniciado mediante a instauração de portaria pela autoridade policial militar, podendo, inclusive, ser iniciado a requerimento da parte ofendida, nos termos do art. 10 do CPPM. Ou seja, um militar, por exemplo, sentindo-se vitimado por um crime cometido por outro militar, poderá requerer, via cadeia de comando, que a autoridade policial militar, em regra, o Comandante ou Diretor da OM, instaure IPM.

2Essa exceção está discorrida no subtópico 3.2.4.

3HABEAS CORPUS. DEFESA CONSTITUÍDA. INDICIAMENTO EM INQUÉRITO POLICIAL MILITAR. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO. ORDEM DENEGADA. UNANIMIDADE. O indiciamento decorrente da instauração de Inquérito Policial Militar não constitui ou caracteriza, por si só, situação configuradora de injusto constrangimento, salvo se constatada hipótese de flagrante ilegalidade ou abuso de poder. Ordem de Habeas Corpus denegada. Unanimidade. (STM – HC n° 0000252-88.2015.7.00.0000/MG - Relator Ministro Cleonilson Nicácio Silva - DJe de 04.02.2016)

4HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL MILITAR. APURAÇÃO DE EXTRAVIO DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ART. 37, PARÁGRAFO ÚNICO, DA PORTARIA Nº 01- DEPARTAMENTO LOGÍSTICO DO EXÉRCITO. INQUIRIÇÃO DO PACIENTE COMO TESTEMUNHA. TRANCAMENTO DO IPM. DENEGAÇÃO DA ORDEM. FALTA DE AMPARO LEGAL. UNANIMIDADE. O trancamento de inquérito policial militar em sede de habeas corpus reserva-se aos casos excepcionais, por nítida ameaça ao direito de locomoção do paciente, por ilegalidade ou abuso de poder. O fato de o Paciente ser ouvido como testemunha na fase investigatória, destinada à apuração de extravio de arma de fogo de uso restrito, de sua propriedade, por si só não é suficiente para o trancamento de inquérito, visto que a instauração de IPM no referido caso cumpre o disposto no paragrafo único do art. 37 da Portaria nº 01- Departamento Logístico do Exército, de 17 de janeiro de 2006. Ordem conhecida e denegada. Decisão unânime. (STM – HC n° 0000119-46.2015.7.00.0000 - Relator Ministro Odilson Sampaio Benzi - DJe de 29.10.2015)

5Porém, ressalte-se, não é obrigatória a instauração de IPM para o oferecimento da denúncia, nos termos do art. 28 do CPPM.

6Para denunciar bastam indícios (in dubio pro societate), porém para condenar não bastam indícios, mas sim provas suficientes da materialidade e da autoria. Pois, no processo penal militar ou comum vige a regra de que só se condena com prova suficiente da materialidade e da autoria. Na dúvida, restará a absolvição (in dubio pro reo) por falta de provas suficientes para uma condenação.

Segue abaixo decisão do STM onde informa o que pode ser considerado indícios:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DENÚNCIA REJEITADA. CRIME IMPOSSÍVEL. MILITAR "SUB JUDICE". SUPRESSÃO DE DADOS DO SISTEMA INTEGRADO DE GESTÃO DE PESSOAS DA MARINHA COM A FINALIDADE DE CONSTAR EM LISTA DE QUADRO DE ACESSO PARA PROMOÇÃO. ALTERAÇÃO REALIZADA COM A SENHA DO ACUSADO. INDÍCIOS APTOS A OFERECER SUPORTE PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. A Denúncia, para ser aceita, precisa ser acompanhada de uma carga decisória motivadora com respaldo naquilo que foi apresentado durante a fase inquisitorial. Os indícios de autoria podem ser entendidos como uma espécie de amostra capaz de instalar a dúvida, transmitindo um sentimento que indica a possível prática de um fato típico, antijurídico e culpável. A publicação do nome do Militar na lista de Quadro de Acesso como se preenchesse as condições legais para concorrer à almejada promoção, caracteriza, em tese, o delito capitulado na Denúncia. Não pode ser considerada como impossível a consumação do delito tipificado na Exordial, sob o argumento de que a supressão realizada no sistema não surtiria os efeitos esperados, já que era de pleno conhecimento de todos que o Militar encontrava-se na condição "sub judice", tendo, inclusive, seu nome figurado no Bono Especial impresso no Boletim nº 22/2011. É vedado ao Magistrado adentrar ao mérito da causa, bem como valorar provas, sob pena de julgamento antecipado da lide, suprimindo a apreciação por parte de seu juízo natural, no caso o CPJ/Mar.Recurso provido. Decisão por unanimidade. (STM - RSE n° 0000147-84.2011.7.01.0401/RJ - Relator Ministro Alvaro Luiz Pinto - DJe de 12.05.2017)

7HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL - ANÁLISE PROBATÓRIA - IMPOSSIBILIDADE PELA VIA ELEITA - ORDEM DENEGADA, AD REFERENDUM - HOMOLOGAÇÃO. O trancamento de Inquérito policial é medida excepcional, só sendo justificado, quando ausentes indícios mínimos de autoria e materialidade, ou então, quando extinta a punibilidade, o que não é o caso. Impossível a análise probatória na estreita via do habeas corpus. Denega-se a presente ordem. (TJMMG - HC nº 1654 - Processo nª 37.739/3ª AJME – Relator Juiz Cel PM Sócrates Edgard dos Anjos – DJ de 19.08.2010)

8HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. DENEGAÇÃO. UNANIMIDADE. No âmbito de apuração da ocorrência de ilícitos penais, vige o princípio in dubio pro societate, assegurando, tanto à autoridade responsável pelas investigações, quanto ao dominus litis, a prerrogativa de atuarem em benefício da lei e da ordem. Se a conduta imputada ao Paciente configura ou não crime militar, somente o processo penal regularmente instaurado e conduzido poderá afirmar. Não cabe ao Juiz aprofundar-se na análise dos fatos no ato de recebimento da denúncia, bastando verificar a incidência de indícios suficientes de autoria e de materialidade do delito. Ordem denegada. Decisão unânime. (STM - HC nº 7000128-10.2020.7.00.0000 – Relator Ministro William de Oliveira Barros – DJe de 05.06.2020)

9HABEAS CORPUS. PECULATO. CAPITÃO VETERINÁRIO. DESVIO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS. DENÚNCIA. INÉPCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA. AUSÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. Não é apta ao desencadeamento da persecução penal acusação genérica, que não expõe o fato delituoso de modo circunstanciado, tampouco individualiza a ação, em tese, ilícita. À ausência de justa causa somam-se as irregularidades formais de que padece a denúncia, por desatendimento aos requisitos do art. 77, alíneas "e" e "f", do CPPM, sem apresentar, com robustez de argumentos, as "razões de convicção ou presunção de delinquência". Ordem concedida, por unanimidade. (STM – HC nº 0000142-94.2012.7.00.0000 – Relator Ministro José Américo dos Santos – DJe de 29.10.2012)

10Não me aprofundarei, por enquanto, sobre a denúncia do MPM e seu recebimento, e nem sobre a instrução processual criminal militar, porém, certamente, será objeto de um novo capítulo.

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