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CAPÍTULO 3 - AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E INQUÉRITO POLICIAL MILITAR

3. INTRODUÇÃO

 

Esse capítulo é muito interessante, em virtude de que a quase totalidade dos militares desconhecem como são os procedimentos do auto de prisão em flagrante (APF) e do inquérito policial militar (IPM).

O CPPM dispõe sobre como esses procedimentos policiais deverão ser realizados, no entanto, há normas internas castrenses específicas sobre o APF e IPM, e neste capítulo, a título de exemplificação, farei alguns comentários sobre as normas internas do Comando da Aeronáutica e da Marinha.

O APF e o IPM poderão resultar na efetivação de denúncia por parte do Ministério Público Militar (MPM) e, se recebida pelo Juiz da Justiça Militar, o militar ou civil, será processado e julgado pela prática, em tese, de crime sujeito à jurisdição do respectivo órgão competente do Poder Judiciário.

Importante esclarecer que o civil (que não era militar ao praticar o delito: é que o militar poderá ser licenciado/demitido da Força Auxiliar, passando, assim, à condição de civil, porém continuará a responder o processo na Justiça Militar, haja vista que quando cometeu o delito era militar) não poderá ser julgado pela Justiça Militar dos Estados e do DF, haja vista não haver previsão legal. Somente na Justiça Militar da União é que civis poderão ser processados, julgados e condenados pelo cometimento de delitos penais.

O CPPM, quando se refere ao magistrado da Justiça Militar, restringe-se à denominá-lo de “juiz”, sendo que na esfera do Poder Judiciário Estadual e Distrital são chamados de Juiz de Direito do Juízo Militar (§ 5º do art. 125 da CF/88) e no Poder Judiciário Federal de Juiz Federal1 da Justiça Militar da União, conforme alteração realizada pela Lei nº 13.774/2018.

Devido essa diferenciação, utilizarei nesse livro a palavra “Juiz” para me referir, genericamente, aos magistrados togados2 da Justiça Militar.

Importante destacar que o benefício disposto no art. 28-A do CPP, que trata do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), aplicável na “Justiça Penal Comum” quando, dentre outros requisitos, a pena mínima prevista for inferior a 4 (quatro) anos sem o uso de violência ou grave ameaça à pessoa, não é aplicável, subsidiariamente, na “Justiça Penal Militar da União” (Forças Armadas), conforme entendimento do STM na decisão colegiada, unânime, proferida no julgamento realizado neste ano de 2022 nos autos do Habeas Corpus nº 7000118-92.2022.7.00.0000, tendo a seguinte ementa:

 

HABEAS CORPUS. PEDIDO LIMINAR. NEGADO. OFERECIMENTO DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ANPP. INTIMAÇÃO DO MPM. INAPLICABILIDADE DO ANPP NA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. WRIT. ORDEM. DENEGAÇÃO. DECISÃO UNÂNIME. Pugnou a Defesa a concessão de medida liminar em virtude de estarem supostamente presentes os requisitos do art. 28-A do Código de Processo Penal, devendo o Ministério Público Militar oferecer o Acordo de Não Persecução Penal - ANPP. Indeferimento do pedido liminar. As normas do processo penal comum só podem ser aplicadas no âmbito da Justiça Militar da União em caso de omissão no CPPM, desde que não desvirtue a índole do processo penal militar, em observância ao princípio da especialidade. O entendimento desta Corte interpreta que o alcance normativo do Acordo de Não Persecução Penal está circunscrito ao âmbito do processo penal comum, não sendo possível invocá-lo subsidiariamente ao Código de Processo Penal Militar, sob pena de violação ao princípio da especialidade, uma vez que não existe omissão no Diploma Adjetivo Castrense. Ordem de habeas corpus denegada. Decisão unânime. (STM – HC nº 7000118-92.2022.7.00.0000 – Rel. Ministro Celso Luiz Nazareth – julgamento em 07.04.2022)

 

Inclusive, nos autos desse HC, a Procuradoria-Geral da Justiça Militar da União proferiu Parecer no sentido de que o ANPP não é aplicável na Justiça Militar da União.

Todavia, apenas a título de informação, o Ministério Público Militar da União, no ano de 2018, entendia que era possível o uso do ANPP na Justiça Militar da União, porém com certas restrições, como, por exemplo, não seria permitido para o militar da ativa ou para o civil em caso de coautoria, ou participação, de militar da ativa e somente era possível para crimes militares por equiparação (extensão), previstos na legislação penal (inciso II do art. 9º do CPM: redação alterada pela Lei nº 13.491/2017), ou seja, não se aplicava aos crimes militares previstos no CPM, conforme se observa com as leituras do caput e dos incisos VIII, IX e X do § 1º do art. 18 (revogado em 2020) da Resolução nº 101/CSMPM, de 26 de setembro de 2018, do MPM da União:

Art. 18. Não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público Militar poderá propor ao investigado acordo de não persecução penal, nos casos de crimes militares por equiparação, tal como assim considerados por força da Lei nº 13.491/2017, quando, cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, o investigado tiver confessado formal e circunstanciadamente a sua prática, mediante as seguintes condições, ajustadas cumulativa ou alternativamente:

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público Militar como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público Militar, preferencialmente em Organização Militar, no caso de investigado militar da ativa;

IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45, do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público Militar, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito, preferencialmente Organização Militar;

V – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público Militar, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.

§ 1º Não se admitirá a proposta nos casos em que:

I – o dano causado for superior a vinte salários mínimos ou a parâmetro econômico diverso, definido pela Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Militar.

II – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

III – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa;

IV – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida;

V – o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal;

VI – o delito for hediondo ou equiparado;

VII – a celebração do acordo não atender ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime;

VIII – nos casos de crimes militares previstos no inciso I do art. 9º do CPM, qualquer que seja o agente;

IX – o autor do delito seja militar da ativa;

X – mesmo que o autor seja civil, nos casos de coautoria, ou participação, de militar da ativa.

(...)

 

O inciso I (crimes propriamente militares) do art. 9º do CPM, citado no inciso VIII, acima transcrito, assim dispõe:

 

Art. 9º. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

(…)

 

Como dito anteriormente, o MPM da União entendia em 2018 que era possível a aplicação, subsidiária, do ANPP (art. 28-A do CPP) em certas hipóteses restritivas, todavia, no ano de 2020, por meio da Resolução nº 115/CSMPM, de 29 de outubro de 2020, o MPM revogou o referido art. 18 e com isso, “a princípio”, por questão lógica, o MPM passaria a não mais propô-lo na Justiça Militar da União.

Entretanto, e por isso fiz questão de destacar “a princípio” no parágrafo anterior, ocorreu que no ano de 2022, quase 2 (dois) anos após o MPM da União mudar seu entendimento sobre o ANPP, a fim de não aplicá-lo na Justiça Militar da União; deparei-me com uma situação nos autos do IPM nº 7000030-14.2020.7.03.0203, no qual sou 1 (um) dos Advogados, em que o MPM da União de Bagé/RS propôs esse Acordo para alguns civis e militares da ativa, tendo o Juiz Federal da 2ª Auditoria da 3ª CJM (Bagé/RS) homologado o referido Acordo: eu também fiquei sem entender!

E, agora, finalizando essa introdução, informo que o Ministério Público Militar da União, o Ministério da Defesa e as 3 (três) Forças Armadas publicaram em conjunto o “Manual de Polícia Judiciária Militar” no ano de 2019, a fim de padronizarem os procedimentos da Polícia Judiciária Militar, sendo um instrumento de grande utilidade para todos àqueles que atuam com o Direito Militar.

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1Antes da alteração efetivada por essa lei, a denominação era de Juiz-Auditor.

2Togado é o magistrado, bacharel em direito, que exerce a magistratura judicial.

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