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CAPÍTULO 2 - SINDICÂNCIA NA ESFERA MILITAR

2.3. DIREITO DO ADVOGADO GRAVAR OS DEPOIMENTOS

Diferentemente dos depoimentos colhidos em sede judicial, que são, em regra, gravados por meio audiovisual, no âmbito das sindicâncias militares, os depoimentos, salvo raras exceções, não são gravados.

Nas normas sobre sindicância do Exército (EB10-IG-09.001) e da Marinha (DGPM-315 (3ª revisão)) não há previsão expressa de que os depoimentos poderão ser gravados pelo sindicante, podendo-se citar, como exemplo, os itens nº 3.16.6 e 3.16.7 de aplicação na Marinha:

 

3.16.6 - As perguntas formuladas ao depoente serão transcritas antes das respectivas respostas.

3.16.7 - Após o depoimento, o termo deverá ser lido e assinado pelo depoente e pelas testemunhas, caso haja, que rubricarão, também, as folhas que não contiverem assinatura.

 

No âmbito da Aeronáutica, em decorrência da revisão efetivada no ano de 2017 na ICA 111-2/2017, foi incluída a possibilidade da gravação dos depoimentos por iniciativa do sindicante, conforme se observa no seu item nº 2.23:

​​

2.23. As inquirições serão feitas pelo sindicante e versarão sobre todos os fatos que julgar importantes para elucidação do objeto da sindicância, aconselhando-se, porém, o uso de recursos de gravação, que torna mais autêntica a reprodução do que foi declarado.


Após essas breves explanações, é possível se fazer a seguinte indagação: independentemente de os depoimentos serem ou não gravados pelo sindicante, é permitido ao Advogado, se assim desejar, gravar os depoimentos?

A resposta é afirmativa e tem por base, inicialmente, a aplicação, subsidiária, do § 6º do art. 367 do CPC:

 

Art. 367. O servidor lavrará, sob ditado do juiz, termo que conterá, em resumo, o ocorrido na audiência, bem como, por extenso, os despachos, as decisões e a sentença, se proferida no ato.

(...)

§ 5º A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica.

§ 6º A gravação a que se refere o § 5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.

 

No ano de 2019, um sindicante, Capitão da Aeronáutica, não me permitiu gravar os depoimentos de dezenas de clientes que estavam sendo investigados, então, impetrei Mandado de Segurança perante a Justiça Federal do Distrito Federal (processo nº 1031477-77.2019.4.01.3400), tendo sido concedida liminar, conforme se observa abaixo:

 

Nesse contexto, DEFIRO o pedido de liminar, para determinar que as autoridade Impetradas assegurem ao Impetrante, gravar os áudios dos interrogatórios dos seus clientes que serão ouvidos na instrução processual da Sindicância instaurada por meio da Portaria (excluído intencionalmente), ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem (art. 46 da Lei 9.784/1999).

 

O Ministério Público Federal, ao apresentar Parecer sobre o referido Mandado de Segurança, afirmou que o direito à gravação dos depoimentos não está firmado apenas com o § 6º do art. 367 do CPC, mas, também, com suporte nos §§1º e 2º do art. 405 do CPP, tendo dito o seguinte:

 

7. O direito do autor é assegurado não apenas pelo aludido art. 367, § 6º, do CPC, como também pelo art. 405, §§1º e 2º do Código de Processo Penal, valendo observar que referido diploma é aplicado subsidiariamente em todos as sindicâncias e procedimentos administrativos disciplinares.

8. As regras contidas no art. 405, §§1º e 2º do CPP são aplicáveis, inclusive, aos inquéritos policiais, por força do art. 6º, V, do CPP. Nesse passo, cumpre lembrar que os inquéritos policiais são procedimentos de natureza sigilosa (CPP, art. 20), o que não
representa óbice ao direito de gravação.

9. Causa mesmo perplexidade a negativa do direito à gravação do próprio depoimento, seja ele prestado em qual condição for. Em uma sindicância, muito embora não existam partes no sentido processual, há investigados, o que, infere-se dos autos, é a condição ocupada pelo clientes do impetrante, sendo isso o quanto basta para que lhe seja assegurado o direito. A gravação unilateral da audiência pelo defensor público ou pelo advogado constitui exercício de um direito público subjetivo e meio eficaz de coibir o registro inexato de informações, o que pode ocorrer mesmo estando as autoridades que presidem o ato imbuídas de boa-fé.

10. A preocupação com a eficiência das apurações, evitando-se, v.g., que os depoimentos sejam ajustados, pode ser contornada com a oitiva simultânea ou sequencial, expediente rotineiramente empregado pela Polícia Federal. Ademais, a redução a termo dos depoimentos não evita por si só semelhante ajuste, pois os arquivos de texto também podem ser compartilhados entre os depoentes. Assim, se a redução a termo é a solução aventada pela AGU para afastar a alegação de prejuízo com a negativa de gravação dos depoimentos, ela é inócua para os propósitos que ditaram essa mesma negativa, o que demonstra mais uma vez a sua irrazoabilidade.

11. O caráter reservado, ou mesmo sigiloso das investigações, não é empecilho para o exercício do direito, havendo simples transferência do dever de sua manutenção ao profissional da advocacia ou ao defensor público, que ficam sujeitos à responsabilização criminal e ético-disciplinar em caso de violação.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal se manifesta pela concessão da segurança.

E o parecer.


Os parágrafos 1º e 2º do art. 405 do CPP assim dispõem:

 

Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.

§ 1º Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações.

§ 2º No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.

 

Assim, verifica-se que o Advogado detém o direito de gravar os depoimentos dos seus clientes em sede de sindicância.

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