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CAPÍTULO 2 – SINDICÂNCIA NA ESFERA MILITAR

2.1. CONCEITO, FINALIDADE E NATUREZA JURÍDICA

 

Para conceituar a sindicância militar utilizarei1 o item 1.2.11 da ICA 111-2/2017, que trata da sindicância no âmbito da Aeronáutica, dispondo o seguinte:

1.2.11. SINDICÂNCIA

É o procedimento formal, apresentado por escrito, que tem por objetivo a apuração das ocorrências, as quais, caso confirmadas, poderão ensejar a abertura do competente processo disciplinar, administrativo ou criminal. A sindicância observará os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Importante consignar que somente em 2017 com a reedição da ICA 111-2 foi que a sindicância no âmbito da Aeronáutica passou a observar os princípios do contraditório e da ampla defesa previstos na CF/88.

Já os itens abaixo transcritos conceituam, respectivamente, o sindicado, o sindicante e a testemunha:

1.2.10. SINDICADO

É a pessoa a quem se imputa a prática da ocorrência apurada no âmbito da sindicância.

1.2.12. SINDICANTE

É o agente designado pela autoridade competente para instauração da sindicância, ficando encarregado pela sua condução.

1.2.13. TESTEMUNHA

É a pessoa ou agente que ateste a veracidade de um ato ou que preste esclarecimentos acerca de fatos apurados no âmbito da sindicância.

No âmbito do Exército, a sindicância está regulada pela EB10-IG-09.001 (Instruções Gerais para a Elaboração de Sindicância no Âmbito do Exército Brasileiro)2, sendo oportuna a seguinte transcrição:

 

Art. 2º - A sindicância é o procedimento formal, apresentado por escrito, que tem por objetivo a apuração de fatos de interesse da administração militar, quando julgado necessário pela autoridade competente, ou de situações que envolvam direitos.

§ 1º - Na hipótese de não ser possível identificar a pessoa diretamente envolvida no fato a ser esclarecido, a sindicância terá caráter meramente investigatório; entretanto, sendo identificada a figura do sindicado desde sua instauração ou ao longo da apuração, o procedimento assumirá caráter processual, devendo ser assegurado àquele o direito ao contraditório e à ampla defesa.

§ 2º - Nas hipóteses em que legislação específica assim o determinar ou de irregularidades em que não haja a previsão legal de adoção de outros instrumentos hábeis ao esclarecimento e solução dos fatos, a instauração da sindicância será obrigatória.

§ 3º - Denúncia apócrifa sobre irregularidades ou que não contenha dados que permitam a identificação e o endereço do denunciante não constitui documento hábil a ensejar a formalização de instauração de sindicância, podendo a autoridade competente, nesse caso, adotar medidas sumárias de verificação, com prudência e discrição, no intuito de avaliar a plausibilidade dos fatos, e, em se constatando elementos de verossimilhança, poderá formalizar abertura de procedimento adequado baseado nos elementos verificados e não na denúncia, sendo vedada a juntada desta aos autos (Modelo do Anexo B destas IG).

§ 4º - Será dispensada a instauração de sindicância quando o fato ou objeto puder ser comprovado sumariamente mediante prova documental idônea.

 

No âmbito da Marinha, a norma que disciplina a sindicância é a DGPM-315 (3ª revisão), sendo considerada um procedimento sumário de natureza preparatória, logo, não existe, em regra, a oportunidade de que o sindicado exerça os seus direitos constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, conforme se depreende da leitura do seu item nº 3.1.1:

 

3.1.1 - A Sindicância é um procedimento administrativo sumário de que se utiliza a Administração Naval, com sindicados ou não, a fim de proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço, as quais, confirmadas, fornecerão elementos concretos para a imediata abertura do respectivo processo administrativo (Procedimento do RDM, Conselho de Disciplina, Conselho de Justificação) ou Inquérito Policial Militar (IPM), revestindo-se, portanto, de caráter preparatório, com objetivo de mera apuração preliminar. Deverá ser instaurada pelo titular da OM em que ocorreu o fato a ser apurado ou por autoridade equivalente, ainda, nos casos de morte violenta de militar da ativa ocorrida em área não sujeita à jurisdição militar, objetivando verificar se o falecimento se deu em situação de serviço ou em situação considerada como acidente em serviço, para o fim de promoção post-mortem.

 

Se a sindicância no âmbito da Marinha, concluir que o militar cometeu contravenção disciplinar, será instaurado processo administrativo do RDM, a fim de que o mesmo possa exercer os seus direitos constitucionais ao contraditório e à ampla defesa.

Os arts. 65 a 79 da I-16-PM (Instruções do Processo Administrativo da Polícia Militar de São Paulo) dispõem sobre a sindicância, que possui natureza inquisitória, sendo oportuna a seguinte transcrição:

 

Objetos de investigação

Artigo 65 - A Sindicância é o meio sumário de investigação de:
I - danos no patrimônio do Estado sob administração da Polícia Militar, compreendidos os conveniados, provocados por policial militar ou pelo civil;

II - danos no patrimônio e/ou integridade física de terceiros, decorrentes da atividade policial;

III - acidente pessoal de servidor militar ocorridos em razão do serviço ou "in itinere";

IV - ato de bravura;

V - atos indecorosos e indignos para o exercício da função policial militar;
VI - outros fatos de índole administrativa, quando necessário procedimento formal de apuração.

Finalidade
§ 1º - A finalidade da Sindicância é a determinação da responsabilidade civil, disciplinar, dos direitos e obrigações dos envolvidos e, em especial, do Estado.

Proibição em caso de crime militar

§ 2º - É proibida a instauração de Sindicância para apuração de crimes militares.

Fatos conexos

§ 3º - Para fatos conexos, previstos no Artigo 67 destas Instruções, a autoridade instauradora deverá instaurar uma única Sindicância.

 

A sindicância se inicia mediante portaria por ordem da autoridade militar competente, onde será discriminado o posto ou3 a graduação e nome do sindicante, assim como os nomes e posto ou graduação do escrivão e do sindicado4. Deverá, também, constar na portaria o motivo da instauração da sindicância, bastando a descrição sucinta dos fatos a serem investigados.

O art. 71 da I-16-PM da Polícia Militar de SP nos dá uma visão detalhada sobre os objetivos de uma sindicância:

 

Art. 71 - A instrução da Sindicância consiste na busca da verdade real dos fatos, através da coleta ou complementação das provas testemunhais, documentais, periciais e indiciárias, observados os preceitos gerais do direito processual administrativo, penal e civil.
Rol de atividades instrutórias

§ 1º - São atos instrutórios:

1 - tomar as providências relacionadas nos incisos do § 6º do Artigo 67 destas Instruções, se não tiverem sido realizadas;

2 - inquirir as pessoas envolvidas e as testemunhas;

3 - realizar reconhecimentos de pessoas e coisas e acareações;
4 - determinar a realização de exames e perícias necessárias, quando cabível;

5 - determinar a avaliação e identificação da coisa perdida, subtraída, desviada, destruída ou danificada;

6 - proceder buscas e apreensões, quando competente;

7 - proceder a reprodução simulada dos fatos;

8 - juntar documentos, papéis, fotografias, croquis e qualquer outro meio moral e legal que ilustre o modo como os fatos se desenvolveram;
9 - outros atos necessários.

Função investigatória do sindicante
§ 2º - O sindicante deverá deslocar-se para investigar ou obter pessoalmente os indícios ou provas necessárias;

Carta precatória

§ 3º - Poderá ser requisitada a produção de prova através de carta precatória, expedida diretamente ao Comandante da Unidade local.

 

Em regra, a finalidade precípua da sindicância, seja no âmbito das Forças Armadas ou Forças Auxiliares, é investigatória5, ou seja, possui natureza de procedimento inquisitório, assim como o IPM6, todavia, como já discorrido anteriormente, faz-se necessário verificar a respectiva legislação para que se possa verificar se a sindicância é meramente inquisitória ou não.

Por isso, em regra, não há que se falar em contraditório e na ampla defesa em sede de sindicância militar, pois o objetivo é investigar7 e apurar a prática de algum ilícito, a fim de ser iniciado, se for o caso, algum procedimento (ex.: IPM em caso de haver indícios de crime) ou processo administrativo (ex.: processo disciplinar em caso de haver indícios do cometimento de transgressão disciplinar).

Entretanto, ratifique-se, deverá ser verificada a respectiva legislação militar a fim de se constatar se determinada sindicância possui índole inquisitorial ou processual administrativa, com é o caso das Forças Armadas, onde somente a sindicância no âmbito da Marinha possui natureza inquisitorial, sendo que nas demais Forças a sindicância possui natureza de processo administrativo com o direito ao contraditório e à ampla defesa previstos na CF/88.

Porém, mesmo quando a sindicância possui caráter inquisitorial, não há óbice à juntada de documentos e/ou pedido de diligências por parte do investigado8, a fim de contribuir para a elucidação de todos os fatos sob investigação, sendo mais adequado a contratação de Advogado especialista em Direito Militar, pois esse profissional saberá como utilizar esse tipo de mecanismo jurídico no âmbito de sindicância inquisitorial.

Como se percebe, mais uma vez, a atuação do Advogado especialista em Direito Militar antes de iniciada a Ação Penal, seja em sede de sindicância ou IPM, pode ser fundamental para impedir a aplicação de punição disciplinar ou a denúncia pelo cometimento de crime e impedir as várias restrições9 na carreira do militar.

Em resumo, a sindicância visa obter subsídios para que a Administração Castrense instaure processo administrativo disciplinar contra o investigado, todavia, se forem encontrados na sindicância indícios de crime, será instaurado, em regra10, o IPM. Da mesma forma ocorre com o IPM, pois esse serve para colher e ceder informações ao MPM para que ofereça denúncia contra o indiciado por cometimento de crime.

_____________________

1Não existe uma norma jurídica única para as Forças Armadas, disciplinando a sindicância, assim, cada Força Armada e Forças Auxiliares possuem legislação específica.

2Portaria nº 107, de 13 de fevereiro de 2012.

3No âmbito da Aeronáutica é possível que o sindicante seja Oficial ou Graduado. A regra é que o sindicante seja sempre mais antigo que o investigado ou sindicado, logo, se por exemplo, o sindicado for um Cabo, não há qualquer problema em que o sindicante seja Sargento.

4Obviamente, somente constará o nome do sindicado na portaria se já for do conhecimento da Administração Castrense. A sindicância poderá ser instaurada sem que se saiba quem é o investigado ou sindicado.

5Também conhecida como sindicância investigativa ou inquisitorial ou preparatória.

6No entendimento do STF, é permitido o contraditório diferido no inquérito policial em relação às perícias, conforme ensinamento contido na decisão abaixo do TRF2:

APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. MILITAR. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA RESPEITADOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO. IMPROVIMENTO. 1. O cerne da questão consiste na anulação de sanções administrativas de Cabo da Marinha e, em razão disso, a condenação da União Federal à reparação por danos morais e materiais, decorrente da alegada nulidade da sindicância instaurada, por afronta aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento do cabimento do contraditório diferido no inquérito policial - a faculdade de o réu impugnar a perícia, requerer novos exames ou pedir esclarecimentos aos peritos, consubstancia o contraditório. 3. O recurso não traz novos argumentos além daqueles já deduzidos - aliás, consubstancia-se em mera cópia de termos da petição inicial - que não são capazes, por si só, de proporcionar a reforma da bem lançada sentença proferida pelo Juízo a quo. 4. O apelante pleiteia ressarcimento por danos morais, em decorrência de peculiaridades da vida castrense as quais tinha pleno conhecimento dos regulamentos militares. 5. Em face dos argumentos acima deduzidos, conclui-se que a pretensão autoral é improcedente, seja por ter a Administração agido em exercício regular de direito, seja pela ausência de qualquer prejuízo ao apelante, prejuízo esse que é pressuposto do dano. 6. Apelação improvida. (TRF2 – AC nº 200651010148358 – 6ª Turma Especializada – Relator Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama – E-DJF2R de 26.11.2010)

7APELAÇÃO. DEFESA. LESÃO CORPORAL CULPOSA. ART. 210 DO CPM. PRELIMINAR. NULIDADE DO EXAME DE CORPO DE DELITO. ACOLHIDA POR MAIORIA. MÉRITO. INEXPRESSIVIDADE JURÍDICA DA LESÃO. INSIGNIFICÂNCIA PENAL. APELO PROVIDO PARCIALMENTE. UNANIMIDADE. 1. A ausência de IPM não impede que a autoridade policial militar tome medidas que entenda necessárias à melhor elucidação dos fatos, conforme o disposto no art. 12, "d", do CPPM, uma vez que a coleta de provas, bem como a verificação dos elementos indiciários, pode anteceder ao Inquérito, subsidiando a sua instauração, contudo, considera-se impedido de ser perito aquele que tiver opinado anteriormente sobre objeto da perícia, conforme o art. 52, alínea "b", do CPPM, e a segunda parte da súmula 361 do STF. Preliminar acolhida por maioria de votos. 2. Conforme enuncia o parágrafo único do art. 328 do CPPM, o exame de corpo de delito pode ser suprido por outros elementos de prova. 3. Verificados, sob o ponto de vista jurídico, serem inexpressivas as lesões sofridas pelo ofendido, e constatada a presença dos quatro vetores de observância obrigatória e cumulativa para a aplicação do princípio da bagatela, de acordo com a jurisprudência pátria ((a)mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) relativa inexpressividade da lesão jurídica), deve ser reconhecida a insignificância lesiva da conduta. Precedentes do STF. Apelo provido parcialmente. Unanimidade. (STM – Apelação Criminal nº 0000015-16.2013.7.10.0010 - Relator Ministro Carlos Augusto de Sousa – DJe de 13.10.2016)

8PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. GRAVAÇÕES CLANDESTINAS. POSSIBILIDADE DA JUNTADA. PROVA. FASE INQUISITORIAL. SIGILO DAS INVESTIGAÇÕES. NECESSIDADE. 1. Não há óbice para que o investigado em inquérito policial solicite a juntada de provas destinadas a demonstrar sua alegada inocência. 2. Em que pese as gravações clandestinas de conversas particulares possam ser consideradas ilícitas - o que, em tese, inviabilizaria sua utilização como prova em ação judicial - na fase investigatória não é razoável desprezar a existência de elementos que visam a contribuir para a correta elucidação dos fatos, mormente em face do princípio da verdade real que norteia o processo penal. 3. Deve ser assegurado no transcurso do procedimento o sigilo necessário à apuração dos delitos, revelando-se adequada a restrição à publicidade do inquérito, sob pena de restar comprometido o resultado das investigações. 4. Indeferido o pedido de extração de cópia dos autos. (TRF4 - ACR nº 200170020028046 – 8ª Turma – Relator Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro - DJ de 21.05.2003)

9Exemplo: o graduado da Aeronáutica com denúncia recebida, ou seja, respondendo a processo penal, fica impedido de ser promovido na carreira, conforme inciso X do art. 44 do Decreto nº 881/1993, enquanto não houver sentença transitada em julgado com sua absolvição.

10HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE IPM. PROVAS EMPRESTADAS DE SINDICÂNCIA. POSSIBILIDADE. Pedido de habeas corpus para desconstituir decisão judicial de recebimento da denúncia, sob o fundamento de inexistência de IPM que dê suporte à Acusação. I - O Inquérito é procedimento meramente administrativo e informativo para a formação da opinio delicti do titular da ação penal, sendo até mesmo dispensável nos termos do artigo 28, alínea 'a', do CPPM. II - Possibilidade de aproveitamento de provas indiciárias colhidas em diligências realizadas na Sindicância instaurada por requisição do MPM, nos termos do art. 33, § 2º, do CPPM, e convertida em IPM, em face da presença de crime militar, em tese, sendo ratificados os atos antes praticados pelo mesmo oficial investigante. III - Segundo remansosa jurisprudência de nossos Tribunais, as eventuais irregularidades do inquérito não afetam a ação penal. Habeas Corpus conhecido e ordem denegada, por falta de amparo legal. Decisão unânime. (STM – HC nº 2002.01.033715-6 - Relator Ministro José Coêlho Ferreira – DJ de 29.05.2002)

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