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CAPÍTULO 19 - EFEITOS JURÍDICOS DA CONDENAÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR
19.4. SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE LIBERDADE PELA RESTRITIVA DE DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE
Muitos clientes militares e civis quando estão sendo processados ou na iminência de serem, em virtude do cometimento de delitos penais militares, costumam me perguntar se será possível converter a pena restritiva de liberdade em restritiva de direitos no caso de condenação. E, não raro, ficam muito surpresos quando respondo negativamente, haja vista que tal benefício1 não está previsto no CPM.
Tal possibilidade é exclusiva do direito penal comum, onde a conversão é possível quando presentes algumas condições vinculantes, conforme previsões contidas nos arts. 43 e 44 do CP:
Penas restritivas de direitos
Art. 432. As penas restritivas de direitos são:
I – prestação pecuniária;
II – perda de bens e valores;
III – (VETADO)
IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;
V – interdição temporária de direitos;
VI – limitação de fim de semana.
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 1º (VETADO)
§ 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.
§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
§ 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
§ 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.
O STM sempre negou tal conversão sob os seguintes fundamentos contidos nas decisões abaixo de 2008 e de 2021:
FURTO. EX-SOLDADO DA AERONÁUTICA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRIDA. PENA RESTRITIVA DE DIREITO. INAPLICABILIDADE À JUSTIÇA MILITAR. 1. Restando caracterizado, provado e confessado o crime capitulado no artigo 240 do CPM, inexistindo, em favor do Réu, qualquer causa excludente de culpabilidade e/ou de ilicitude, não há que se falar em absolvição. 2. Não se aplica aos condenados pela Justiça Militar, por falta de previsão na legislação penal castrense, a pena restritiva de direito prevista na legislação penal comum. Negado provimento ao apelo da Defesa, para manter a Sentença "a quo". Decisão unânime. (STM – Apelação Criminal nº 2006.01.050448-6/SP – Relator Ministro Flávio Alberto Marques - DJ de 21.02.2008)
APELAÇÃO. DEFESA. PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. REJEIÇÃO. DECISÃO UNÂNIME. ARTS. 315 E 311 AMBOS DO CPM. ALEGAÇÃO DE CRIME IMPOSSÍVEL. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. NÃO CONSIDERAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. INAPLICABILIDADE. DECISÃO UNÂNIME. I - O princípio da identidade física do juiz não é absoluto, podendo ser flexibilizado, dependendo do contexto fático em que se encontre, a fim de garantir maior agilidade na prestação jurisdicional. Preliminar rejeitada. Decisão unânime. II - A conduta atribuída à apelante se amolda ao delito de uso de documento falso, tipificado no art. 315 do CPM, consubstanciado na apresentação de documento de título acadêmico falso para processo seletivo realizado no Exército Brasileiro. III - Não se pode considerar grosseira a falsificação que foi analisada e validada por três militares da Comissão de Recebimento do Concurso. Impossibilidade de reconhecimento da atipicidade da conduta. IV - No tocante à substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, esta Corte Castrense tem entendido pela inaplicabilidade do instituto previsto no art. 44 do Código Penal no âmbito desta Justiça Especializada. Apelo defensivo desprovido. Decisão unânime. (STM – Apelação nº 7000369-81.2020.7.00.0000 - Relator Ministro José Coêlho Ferreira - DJe de 29.01.2021)
O STF tem jurisprudência consolidada de que não é possível a substituição de pena restritiva de liberdade por restritiva de direito aos condenados pela Justiça Militar, conforme decisões dos anos de 2006 e 2017:
HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO PELA JUSTIÇA MILITAR. CONVERSÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS. MILITAR DA RESERVA. NÃO-APLICAÇÃO DO REGIME ABERTO. CONHECIMENTO PARCIAL. ORDEM DENEGADA. O Supremo Tribunal Federal não é competente para julgar habeas corpus em que se impugne ato de juiz-auditor da Justiça Militar. Não-conhecimento da impetração no ponto. A Lei 9.174/1998, que trata das penas restritivas de direitos, limitou-se a alterar o Código Penal nessa matéria. Tal alteração não alcança os crimes militares, objeto de lei especial distinta no ponto - o Código Penal Militar. O fato de o paciente encontrar-se na reserva não o subtrai ao campo de incidência do Código Penal Militar, cujas normas sua conduta violou. A conversão da pena restritiva de liberdade em pena restritiva de direitos só é viável nas condenações não superiores a dois anos. Denegação da ordem. (STF - HC nº 86079 – 2ª Turma – Relator Ministro Joaquim Barbosa - DJ de 06.11.2006)
COMPETÊNCIA – PENSÃO MILITAR – ESTELIONATO. SURGE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR, NO QUE FRAUDADA PENSÃO CUJOS DEPÓSITOS SÃO PROVIDENCIADOS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO MILITAR. PENA – PROCESSO PENAL MILITAR – SUBSTITUIÇÃO – ARTIGO 44 DO CÓDIGO PENAL. Ante o critério da especialidade, descabe observar o disposto no artigo 44 do Código Penal, no que prevê a substituição da pena restritiva da liberdade pela de direitos – precedentes: recurso extraordinário nº 273.900, relator o ministro Sepúlveda Pertence, habeas corpus nº 94.083, relator o ministro Joaquim Barbosa, e habeas corpus nº 91.709, relatora a ministra Cármen Lúcia. (STF - HC nº 127199 – 1ª Turma – Relator Ministro Marco Aurélio – DJe de 11.05.2017)
Em determinada decisão do ano de 2009, o Plenário do STF “sinalizou” que é possível (em tese) a conversão da pena restritiva inferior a 2 (dois) anos em restritiva de direitos quando o militar condenado passar à condição de civil, tendo assim que cumprir a pena em estabelecimento comum:
HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de não se admitir a aplicação da Lei n. 9.714/98 para as condenações por crimes militares, sendo esta de aplicação exclusiva ao Direito Penal Comum. Precedentes. 2. A conversão da pena privativa de liberdade aplicada pela Justiça Militar por duas restritivas de direito poderá ocorrer, pelo menos em tese, desde que o Paciente tenha de cumprir pena em estabelecimento prisional comum e a pena imposta não seja superior a dois anos, nos termos previstos no art. 180 da Lei de Execução Penal, por força do que dispõe o art. 2º, parágrafo único, daquele mesmo diploma legal. 3. Na espécie, contudo, a pena fixada ao Paciente foi de dois anos, nove meses e dezoito dias de reclusão. Não há, portanto, como ser reconhecido a ele o direito de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. 4. Habeas corpus denegado. (STF – HC nº 91.709/CE – Plenário – Relatora Ministra Cármen Lúcia - DJE de 13.03.2009)
Agora necessário fazer alguns esclarecimentos muito importantes relativos aos 4 (quatro) anos previstos no inciso I do art. 44 do CP e aos 2 (dois) anos citados nas decisões acima do STF, em decorrência de que, aparentemente, haveria uma contradição, porém não há, conforme será agora esclarecido.
Por que o STF fundamentou sobre esta possibilidade somente quando a pena for inferior a 2 (anos) e não a 4 (quatro) anos? É que não foi considerado o inciso I do art. 44 do CP, pois como já consagrado pelo STM e STF, não pode ser aplicado, subsidiariamente, na Justiça Militar, assim, nenhum Conselho de Justiça poderá, na sentença, fazer qualquer conversão da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos. Ademais, o STF, nestas decisões, considerou a aplicação do art. 180 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), abaixo transcrito, que prevê a conversão quando, dentre outras exigências, a pena não for superior a 2 (dois) anos3 e o condenado estiver cumprindo a pena em regime aberto.
A Lei nº 7.210/1984 será aplicada incidentalmente na execução penal aos condenados pela Justiça Militar quando estiverem presos em estabelecimentos sujeitos à jurisdição ordinária4, ou seja, sendo civis, conforme previsão contida na parte final do parágrafo único do art. 2º:
Art. 2º. A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal.
Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária.
Art. 180. A pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser convertida em restritiva de direitos, desde que:
I - o condenado a esteja cumprindo em regime aberto;
II - tenha sido cumprido pelo menos 1/4 (um quarto) da pena;
III - os antecedentes e a personalidade do condenado indiquem ser a conversão recomendável.
Ou seja, nada constará na sentença condenatória penal militar sobre qualquer conversão de pena em restritiva de direitos, pois não previsto em lei, entretanto, a Lei de Execução Penal permite que, durante o processo de execução penal, seja aplicada, em tese, a conversão caso o apenado esteja enquadrado no referido art. 180.
Por isso, consta na ementa do STF, acima transcritas, a menção de que a pena deve ser inferior a 2 (dois) anos, pois assim possibilitar-se-á, em tese, a conversão da pena privativa de liberdade imposta pela Justiça Militar da União ao militar ou civil5 em pena restritiva de direitos, pois, tal benefício será permitido somente na fase da execução penal6.
Desta forma, restou demonstrado que não é possível a conversão, na sentença ou no acórdão, da pena privativa de liberdade imposta pela Justiça Militar ao militar ou mesmo civil7 por penas restritivas de direito, pois não previstas na legislação penal militar.
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1Mais uma vez afirmo: o CPM e o CPPM são muito rigorosos e severos. Muitos militares nunca pararam alguns minutos para ler esses códigos militares, mesmo que superficialmente. Por isso, também, resolvi fazer alguns comentários sobre o direito penal militar e processual penal militar neste livro.
2Os arts. 45 a 48 do CP definem o que sejam tais penas restritivas de direito.
3HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL MILITAR. PECULATO (ART. 303 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. CUMPRIMENTO DA PENA EM ESTABELECIMENTO COMUM. PENA SUPERIOR A DOIS ANOS. NÃO APLICABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A conversão da pena privativa de liberdade aplicada pela Justiça Militar Estadual, por restritivas de direito, poderá ocorrer desde que o Paciente cumpra pena em estabelecimento prisional comum, nas hipóteses previstas pelo Código Penal Militar (arts. 2.º, parágrafo único, 61 e 62), e a pena imposta não seja superior a dois anos (art. 180 da Lei de Execução Penal). Precedentes do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior. 2. No caso em apreço, a pena fixada ao Paciente foi de 03 (três) anos de reclusão. Não é possível, portanto, conceder a ele a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito. 3. Ordem denegada. (STJ - HC nº 102.603/RS – 5ª Turma - Relatora Ministra Laurita Vaz - DJe de 17.12.2010)
4Enquanto o condenado mantiver a condição de militar somente poderá ficar preso em estabelecimento penal militar (quartéis e presídios militares).
5Mesmo que o condenado na Justiça Militar da União seja um civil, impossível será conversão da pena restritiva de liberdade em restritiva de direitos na sentença ou no acórdão, salvo no momento da execução penal, pois a partir de então será aplicada a lei de execução penal.
6Preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, ficará a cargo do Juízo das Execuções Penais estabelecer as penas restritivas de direito que substituirão a pena privativa de liberdade.
7Lembrando-se que a Justiça Militar dos Estados e do DF não possuem competência para processar e julgar civis, isso somente ocorre na Justiça Militar da União.
Vejamos a seguinte decisão do STM:
HABEAS CORPUS. RÉ CIVIL. CONDENAÇÃO. REGIME ABERTO. SÚMULA 192. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EXECUÇÃO DA PENA. VARA DE EXECUÇÕES PENAIS. MANDADO DE PRISÃO. EXPEDIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. AFRONTA. CONCESSÃO DA ORDEM. A condenação ao regime aberto, por impor pena privativa de liberdade, não exclui a expedição do mandado de prisão (STJ, RHC 11160). No entanto, o problema exsurge no âmbito da Justiça Militar em relação aos civis que cumprirão a citada reprimenda em estabelecimento prisional comum, ficando sujeitos à legislação penal ordinária, ex vi o art. 62 do CPM. Tratando-se de penalidade a ser executada em regime aberto, a prisão, por um dia sequer, em regime fechado é medida que afronta os direitos fundamentais e a coisa julgada, porquanto a apenada tem direito a trabalhar, saindo da casa do albergado durante o dia inteiro e recolhendo-se à noite. Ordem concedida. Decisão unânime. (STM – Habeas Corpus nº 0000095-86.2013.7.00.0000/RJ - Relator Ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha – DJe de 20.06.2013)