top of page
manualpraticodomilitar.png
CAPÍTULO 19 - EFEITOS JURÍDICOS DA CONDENAÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR

19.2. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA JUSTIÇA MILITAR

 

Esse tema é muito importante, pois, dependendo do caso concreto, será possível absolver um militar de uma condenação com base na aplicação do princípio da insignificância, mesmo que tenha praticado um crime militar.

O que é o princípio da insignificância?

Respondendo, resumidamente, pode-se afirmar que há um princípio maior em nosso ordenamento jurídico que estabelece ser inconcebível um delito sem ofensa: nullum crimen sine iniuria1. É com base nesse princípio que tem suporte a insignificância, pois se considera atípico o fato que, dada a sua irrelevância, sequer ofende o bem juridicamente protegido.

Surge, então, um questionamento sobre esse princípio: aplica-se no âmbito penal militar, haja vista que, como já dito, a legislação militar é muito rigorosa? A resposta é afirmativa, todavia, nem sempre foi assim, sendo que a aplicação desse princípio é na Justiça Castrense teve início por volta do ano de 2007.

Esse princípio autorizador da absolvição não costumava ser aplicado na Justiça Militar da União até, pelo menos, o ano de 2006, haja vista que o STM não aceitava sua aplicação em crimes militares, conforme se pode observar na leitura de uma das últimas decisões negando o benefício:

 

FURTO ATENUADO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA REFORMADA. Recurso Ministerial insurgindo-se contra a aplicação do princípio da insignificância como motivador da absolvição. Sentença recorrida reconhecendo a autoria e a materialidade nas provas produzidas durante a instrução criminal, porém, entendendo como insignificante a quantia subtraída, absolveu o acusado por considerar que o fato não constitui crime, mas contravenção disciplinar a ser apreciada pelo Comandante da Unidade. O princípio da insignificância, esposado pela Sentença questionada, como embasador da absolvição, não é acolhido nesta Justiça Militar da União, consoante reiterada jurisprudência pretoriana e castrense. Precedentes jurisprudenciais. Provido, em parte, o recurso Ministerial. Decisão majoritária. (STM – Apelação Criminal nº 2003.01.049521-5/PE – Relator Ministro Marcus Herndl - DJ de 27.05.2005)

 

EMBARGOS. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. A tese da insignificância, consubstanciada na inexpressividade do valor da "res furtiva", é repelida pela consolidada jurisprudência castrense, haja vista que, em se tratando de crime militar, o bem jurídico tutelado está representado pela hierarquia e disciplina, primordialmente. Rejeitados os embargos. Decisão majoritária. (STM – Embargos nº 2005.01.049521-9/PE – Relator Ministro Valdésio Guilherme de Figueiredo - DJ de 14.03.2006)

 

Ocorreu, todavia, que vários Defensores Públicos e Advogados2 começaram a questionar o STF sobre a possibilidade da aplicação desse princípio na Justiça Castrense, e após várias tentativas, obtiveram êxito, conforme se verifica na seguinte ementa de 2007 do STF:

 

HABEAS CORPUS. PECULATO PRATICADO POR MILITAR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONSEQUÊNCIAS DA AÇÃO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE. 1. A circunstância de tratar-se de lesão patrimonial de pequena monta, que se convencionou chamar crime de bagatela, autoriza a aplicação do princípio da insignificância, ainda que se trate de crime militar. 2. Hipótese em que o paciente não devolveu à Unidade Militar um fogão avaliado em R$ 455,00 (quatrocentos e cinquenta e cinco) reais. Relevante, ademais, a particularidade de ter sido aconselhado, pelo seu Comandante, a ficar com o fogão como forma de ressarcimento de benfeitorias que fizera no imóvel funcional. Da mesma forma, é significativo o fato de o valor correspondente ao bem ter sido recolhido ao erário. 3. A manutenção da ação penal gerará graves consequências ao paciente, entre elas a impossibilidade de ser promovido, traduzindo, no particular, desproporcionalidade entre a pretensão acusatória e os gravames dela decorrentes. Ordem concedida. (STF - HC nº 87478 – 1ª Turma - Relator Ministro Eros Grau - DJ de 23.02.2007)

 

E sendo o STF o protetor e interpretador máximo da CF/88, não restou alternativa ao STM a não ser aplicar o princípio da insignificância na Justiça Militar da União, o que, ressalte-se, não foi aceito com facilidade, podendo-se citar 2 (duas) ementas de julgados do ano de 2007 e de 2021:

 

APELAÇÃO - ESTELIONATO. ARTIGO 251 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ATIPICIDADE DA CONDUTA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM CRIMES MILITARES. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO. ACUSADO LICENCIADO. EVENTUAL CONDENAÇÃO SEM EFEITOS DE PREVENÇÃO GERAL PERANTE A TROPA. 1 - Recurso da defesa contra decisão de primeiro grau que condenou ex-soldado da Aeronáutica à pena de dois anos, como incurso no artigo 251 do Código Penal Militar. 2 - Deve ser reconhecida, por aplicação do princípio da insignificância, a atipicidade da conduta que, embora formalmente enquadrada como crime militar, causa lesão ínfima à vítima. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 3 - Não apresenta repercussão penal a conduta de ex-soldado que, sem violência ou grave ameaça, serve-se de cartão de crédito da vítima, causando-lhe prejuízo de pouco mais de cem reais, sobretudo ante a constatação de pronta e integral reparação do dano. 4 - O emprego do valor auferido no abastecimento do veículo da própria vítima descaracteriza o dolo específico de obtenção de vantagem ilícita e o embuste, próprios do crime de estelionato. 5 - Diante do licenciamento do réu, por conclusão do tempo de serviço, eventual condenação seria inócua sob o prisma da prevenção geral perante a tropa. 6 - Recurso provido. Sentença reformada. Decisão unânime. (STM – Apelação Criminal nº 2007.01.050542-3/CE – Relator Ministro Flávio Flores da Cunha Bierrenbach - DJ de 08.10.2007)

O STF3, em 2014, ratificou a possibilidade da aplicação desse princípio nos crimes militares, todavia deixou explícito que somente é possível quando “não sejam comprometidas a hierarquia e a disciplina exigidas dos integrantes das forças públicas e exista uma solução administrativo-disciplinar adequada para o ilícito”, conforme de depreende da respectiva ementa:

 

HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. PACIENTE CONDENADO PELO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. VIOLAÇÃO AO PRESSUPOSTO PROCESSUAL DA JURISDIÇÃO VÁLIDA. MATÉRIAS NÃO EXAMINADAS NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ABSOLVIÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RAZOÁVEL GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. WRIT CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, ORDEM DENEGADA. I – O Superior Tribunal Militar não fez nenhuma referência quanto à alegação de incompetência da Justiça Militar para processar e julgar a ação penal movida contra o paciente e nem quanto à alegação de ausência de independência e imparcialidade do juízo processante, circunstância que impede o exame da matéria por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância e extravasamento das regras de competência previstas no art. 102 da Constituição Federal. II – A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige, além da pequena expressão econômica dos bens que foram objeto de subtração, um reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente. III – É relevante e reprovável a conduta de um militar que se apropria de importância significativa pertencente ao erário, que recebeu em razão da função exercida, deixando de tomar as providências necessárias para seu recolhimento ao tesouro, o que demonstra desrespeito às leis e às instituições castrenses de seu País. IV – Conforme ressaltou a Ministra Cármen Lúcia, por ocasião do julgamento do HC 107.638/PE, “o Supremo Tribunal admite a aplicação do Princípio da Insignificância na instância castrense, desde que, reunidos os pressupostos comuns a todos os delitos, não sejam comprometidas a hierarquia e a disciplina exigidas dos integrantes das forças públicas e exista uma solução administrativo-disciplinar adequada para o ilícito”. V – Writ conhecido em parte e, na parte conhecida, denegada a ordem. (STF - HC nº 118430 – 2ª Turma - Relator Ministro Ricardo Lewandowski – DJe de 29.05.2014)

 

O STM definiu as condições objetivas necessárias para a aplicabilidade do princípio da insignificância na Justiça Militar da União, conforme se observa abaixo de trecho extraído da ementa do julgado nos autos da Apelação nº 7000458-07.2020.7.00.0000:

 

O Princípio da Insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: "(I) mínima ofensividade da conduta do agente, (II) nenhuma periculosidade social da ação, (III) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (IV) inexpressividade da lesão jurídica provocada".

 

Anteriormente, definimos superficialmente o princípio da insignificância, e por isso, agora, transcreverei parte da fundamentação da decisão referente à ementa do STF nos autos do Habeas Corpus nº 94.085/SP do ano de 2008, pois é altamente didática e muito elucidativa sobre o tema:

 

Há a considerar, ainda, para efeito de exercício da jurisdição cautelar, um outro fundamento que me parece juridicamente relevante.

Refiro-me à aplicabilidade, ao caso, do postulado da insignificância, cuja utilização tem sido admitida, em inúmeros casos, pelo Supremo Tribunal Federal:

“O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.”

(HC 84.687/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não custa assinalar, neste ponto, que esse entendimento encontra suporte em expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência (LUIZ FLÁVIO GOMES, “Delito de Bagatela: Princípios da Insignificância e da Irrelevância Penal do Fato”, “in” Revista dos Tribunais, vol. 789/439-456; FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTÔNIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

Revela-se significativa a lição de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva) a propósito da matéria em questão:

“Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil ‘minimis non curat praetor’ e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.” (grifei)

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Cumpre acentuar, finalmente, por relevante, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido, na matéria em questão, a inteira aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes militares (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU – HC 92.634/PE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RHC 89.624/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA).

 

O STM tem negado a aplicação do princípio da insignificância nos crimes relacionados a entorpecentes, podendo-se citar a seguinte ementa de julgado do ano de 2021:

 

APELAÇÃO. DPU. POSSE DE ENTORPECENTE. (ART. 290 DO CPM). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ATIPICIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ABSOLVIÇÃO DE CORRÉU. CONDUTAS DISTINTAS. RÉU CONFESSO. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS. COMPROVAÇÕES. INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTES. DESPROVIMENTO. 1. Apelação interposta pela Defensoria Pública da União (DPU) em favor de ex-Sd Ex condenado pela prática de posse de entorpecente no interior de área sob Administração Militar (art. 290 do CPM). 2. A autoria e a materialidade delitivas foram comprovadas em relação ao Apelante pelo Auto de Prisão em Flagrante, pelo Termo de Apreensão, pelo Laudo Pericial, pela livre e consciente confissão e pela prova testemunhal. 3. É incabível, na espécie, a aplicação do Princípio da insignificância. A tipificação no art. 290 do CPM independe da quantidade da droga apreendida em ambiente militar. O crime do art. 290 do Código Penal Militar viola de forma intensa os Princípios e valores relevantes das Forças Armadas: a Hierarquia e a Disciplina. O bem jurídico tutelado pelo art. 290 do CPM não se restringe à saúde do usuário da substância entorpecente, mas também a regularidade e o bom funcionamento das próprias instituições militares, as quais são fortemente atingidas com a introdução de substância entorpecente em local sujeito à administração militar, ainda que em pouca quantidade, como no caso em exame. As Jurisprudências do STF e do STM são bastante tranquilas nesse sentido. 4. A absolvição do Corréu, já transitada em julgado, não se presta como paradigma que beneficie o Apelante, eis que se trata de condutas distintas, estando a conduta do Apelante devidamente tipificada no art. 290 do CPM. 5. Apelação defensiva a que se nega provimento. Decisão Unânime. (STM – Apelação nº 7000727-46.2020.7.00.0000 - Relator Ministro Lúcio Mário De Barros Góes – DJe de 12.02.2021)

 

Logo, inegável, dependendo da situação fática4 de cada caso concreto, a aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes de competência da Justiça Militar (crimes militares e crimes militares por extensão), sendo que, nos termos do CPPM, a absolvição5 com base neste princípio tem suporte na alínea b do art. 439, devido à atipicidade penal:

 

Art. 439. O Conselho de Justiça absolverá o acusado, mencionando os motivos na parte expositiva da sentença, desde que reconheça:

(...)

b) não constituir o fato infração penal;

(...)

 

De acordo com precedente do STJ, que detém competência para apreciar Recurso Especial nas apelações criminais em sede de Justiça Militar dos Estados e do DF, é manifestamente contrário à aplicação da insignificância o cometimento de delitos contra a Administração Militar (arts. 298 a 339 do CPM):

 

HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. PECULATO. DESCLASSIFICAÇÃO. POSSE OU DETENÇÃO DA COISA EM RAZÃO DO CARGO DE POLICIAL MILITAR. CIRCUNSTÂNCIA FIRMADA NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE DEMOVÊ-LA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DELITO CONTRA ADMINISTRAÇÃO MILITAR. RES RESTITUÍDA. ALEGAÇÃO EM CONFRONTO COM AQUILO FIRMADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. ORDEM DENEGADA. 1. Art. 303 do Código Penal Militar. Desclassificação. Impossibilidade. A conduta do paciente ajusta-se ao tipo penal descrito, visto que os pacotes de cigarros, apreendidos por serem produto de roubo, estavam em poder do sentenciado - policial militar - em razão do cargo que exercia. A alteração do julgado, da maneira exposta nas razões da exordial, demanda incursão no acervo fático-probatório dos autos, situação interditada na via angusta do habeas corpus. 2. A alegação de que a res fora restituída confronta-se com o aquilo que fora assentado pelo Tribunal de origem. Outrossim, não prospera a insurgência, tendo em vista o âmbito de cognição restrito do writ. 3. Princípio da insignificância. Este Sodalício assentou o entendimento de ser inaplicável tal princípio aos delitos praticados contra a administração pública, haja vista, nesses casos, além da proteção patrimonial, o resguardo da moral administrativa. In casu, não obstante o valor irrisório da coisa, é impossível a aplicação do princípio da insignificância, uma vez que o delito fora praticado contra a Administração Militar. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada. (STJ - HC nº 109.639/SP – 6ª Turma - Relator Desembargador convocado Vasco Della Giustina - DJe de 26.09.2011)

 

Na verdade, é muito complexa a aplicação do princípio da insignificância, seja na Justiça Comum ou Militar, pois não é somente o valor patrimonial que é levado em referência para se considerar um crime de bagatela, conforme entendimento jurisprudencial.

___________________________

1Não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico.

2O Advogado, com seu saber jurídico, possui poder de modificar o ordenamento jurídico brasileiro, tanto que, detém posicionamento significativo na atual ordem constitucional democrática, sendo, nos termos do art. 133 da CF/88, indispensável à administração da justiça.

3Todavia, o STF tem entendimento de que não é cabível a aplicação da insignificância nos delitos de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à Administração Militar, conforme se observa na seguinte decisão de 2013:

HABEAS CORPUS. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR (CPM, ART. 290). Ínfima porção de entorpecente apreendida. Materialidade. Reconhecimento. Violação do princípio da proporcionalidade. Não ocorrência. Nulidade decorrente da realização do interrogatório do acusado nos moldes do art. 302 do CPPM. Matéria não submetida à apreciação do Superior Tribunal Militar. Inadmissibilidade. Supressão de Instância. Conhecimento parcial do Writ. Ordem, nessa extensão, denegada. 1. A tese da impetrante de que “a perícia realizada na substância vegetal apreendida não constatou a presença de nenhuma das substâncias de uso proscrito no Brasil” perde relevo quando se leva em conta o quanto noticiado no acórdão proferido pelo Superior Tribunal Militar em sede de embargos: “de acordo com o Laudo nº 23895-41/2010 do Instituto-Geral de Perícias, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul, o material enviado para análise foi submetido ao exame botânico macroscópico e ao teste químico com o sal ‘Fast Blue B’, e o resultado foi positivo para canabinóides. Segundo a conclusão do referido laudo, a ‘cannabis sativa’ contém canabinóides que causam dependência’ (fl. 70)” . 2. A jurisprudência da Corte é igualmente firme no sentido de que “a posse, por militar, de substância entorpecente, independentemente da quantidade e do tipo, em lugar sujeito à administração castrense (art. 290, caput, do Código Penal Militar), não autoriza a aplicação do princípio da insignificância. O art. 290, ‘caput’, do Código Penal Militar não contraria o princípio da proporcionalidade e, em razão do critério da especialidade, não se aplica a Lei n. 11.343/2006” (HC 104.564-AgR/RS, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe 27/5/11). 3. A pretensão de reconhecimento de nulidade do processo-crime militar, tendo em vista a realização do interrogatório do paciente no início da instrução penal (CPPM, art. 302), não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal Militar, o que inviabiliza o seu conhecimento, per saltum, pela Suprema Corte, sob pena de indevida supressão de instância. Precedentes. 4. Habeas corpus do qual se conhece parcialmente e ao qual, nessa medida, se denega a ordem. (STF - HC nº 116312 – 1ª Turma - Relator Ministro Dias Toffoli – DJe de 03.10.2013)

4HABEAS CORPUS. FURTO. MILITAR. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ELEVADA REPROVABILIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando não só o valor do dano decorrente do crime, mas igualmente outros aspectos relevantes da conduta imputada. 2. O valor da res furtiva, equivalente à metade dos rendimentos da vítima, não pode ser considerado insignificante para aplicação do princípio da bagatela. 3. Ainda que a quantia subtraída fosse ínfima, não poderia ser aplicado o referido princípio, ante a elevada reprovabilidade da conduta do militar que se aproveita do ambiente da caserna para subtrair dinheiro de um colega. 4. Aos militares cabe a guarda da lei e da ordem, competindo-lhes o papel de guardiões da estabilidade, a serviço do direito e da paz social, razão pela qual deles se espera conduta exemplar para o restante da sociedade, o que não se verificou na espécie. 5. Ordem denegada. (STF – HC nº 115591 – 1ª Turma - Relator Ministra Rosa Weber – DJe- de 25.04.2013)

1. HABEAS CORPUS. 2. MILITAR. FURTO DE COMBUSTÍVEL DE VIATURA POLICIAL. 3. Ausência de um dos vetores considerados para aplicação do princípio da insignificância: o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. 4. Ordem denegada. (STF - HC nº 113086 – 2ª Turma - Relator Ministro Gilmar Mendes – DJe de 04.10.2012)

5Quando da realização das alegações escritas pela defesa (art. 428 do CPPM), o Advogado deverá, caso entender cabível, requerer a aplicação do princípio da insignificância para o fim de absolver o acusado.

bottom of page