top of page
manualpraticodomilitar.png
CAPÍTULO 19 - EFEITOS JURÍDICOS DA CONDENAÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR

19.12.2. CRIME DE ABANDONO DO POSTO

 

O art. 195 do CPM dispõe sobre de delito de abandono de posto:

 

Abandono de posto

Art. 195. Abandonar, sem ordem superior, o posto ou lugar de serviço que lhe tenha sido designado, ou o serviço que lhe cumpria, antes de terminá-lo:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

 

Somente estará configurado, em tese, o crime de abandono de posto quando o militar estiver de serviço, diferentemente é o caso do militar que abandona o expediente, pois neste caso praticará, em tese, transgressão disciplinar.

Farei comentários apenas sobre 2 (dois) pontos de interesse do caput do art. 195: a) abandonar antes de terminá-lo e b) sem ordem superior.

 

a) ABANDONAR ANTES DE TERMINÁ-LO: significa deixar, ir embora ou desincumbir-se do serviço, deixando assim o posto desguarnecido antes do término do mesmo, ou seja, antes do horário previsto na escala de serviço.

 

Ressalte-se, obviamente, que somente abandonará o serviço aquele militar que o houver assumido o posto, logo, não se não houver assunção1 do serviço, não há que se falar em abandono de posto. E faltar ao serviço a que estava escalado é somente uma transgressão disciplinar e não crime militar.

O crime de abandono de posto é um delito instantâneo, ou seja, de mera conduta, não sendo motivo de escusa a alegação de que o militar retornaria ao seu posto ou mesmo que o tempo de ausência foi pequeno, conforme entendimento do STM:

 

APELAÇÃO. ABANDONO DE POSTO (CPM, ART 195). COMPORTAMENTO TÍPICO. DOLO CARACTERIZADO. Confissão. O tipo em questão é doutrinariamente classificado como instantâneo, de perigo e formal, que se aperfeiçoa e se esgota num só momento, trazendo implícito um resultado naturalístico. Independe para sua configuração o período de ausência ou a intenção de retornar. Irrelevante a definição do posto, se fixo ou móvel, uma vez que estando escalado, não poderia o Acusado deixar desguarnecido o referido posto, ainda que momentaneamente. Provido o apelo ministerial. Decisão majoritária. (STM – Apelação Criminal nº 2005.01.049956-3/PR – Relator Ministro Valdésio Guilherme de Figueiredo - DJ de 16.02.2006)

 

Vejamos um caso prático interessante em que o STM considerou transgressão disciplinar, e não crime, o fato de o militar se ausentar do seu posto, porém deixando em seu lugar outro militar:

 

DENÚNCIA. REJEIÇÃO. ABANDONO DE POSTO. TROCA DE SERVIÇO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. I - O réu foi denunciado pelo crime previsto no art. 195 do CPM, por ter se ausentado sem autorização de seu posto, deixando outro militar em seu lugar; II - A denúncia foi rejeitada ao argumento de que o posto não ficou desguarnecido, não havendo prejuízo para as tarefas; III - A circunstância de, ao sair do local de trabalho, ter se preocupado em deixar um colega em seu lugar retira o caráter de abandono; IV - A rigor, houve permuta de serviço sem autorização do superior competente, fato previsto como contravenção disciplinar e como tal deve ser analisado. Embargos infringentes acolhidos. Decisão majoritária. (STM – Embargos nº 2007.01.007442-6/RJ – Relator Ministro José Coelho Ferreira - DJ de 19.06.2008)

 

Entretanto, o STM também já considerou tal substituição sem autorização superior como crime de abandono de posto, quando assim decidiu:

 

ABANDONO DO LOCAL DE SERVIÇO. SUBSTITUIÇÃO DE MILITAR. CRIME CONFIGURADO. O delito de abandono de posto ou do local de serviço se caracteriza com a ausência momentânea do militar, não autorizada, do lugar em que estava obrigado a permanecer. A substituição por outro militar, sem autorização do superior, não afasta o crime, posto que a lesão ao serviço subsiste. Improvido o apelo da defesa. Decisão por maioria. (STM – Apelação Criminal nº 2007.01.050692-6/RJ – Relator Ministro José Coelho Ferreira - DJ de 07.05.2008)

 

Duas decisões do STM divergentes em pouquíssimo espaço de tempo: o que fazer, então? Não faça tal tipo de substituição sem prévia ordem superior, pois, em regra, será considerado crime de abandono de posto.

Em 2018, o STM analisou caso semelhante à decisão referente à ementa acima, onde o Oficial de Dia colocou outro Oficial no seu lugar, tendo sido decretada a sua condenação pelo crime de abandono de posto:

 

APELAÇÃO. ABANDONO DE POSTO DE "OFICIAL-DE-DIA" AO QUARTEL. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR MILITAR. INVIABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO COMPROVAÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE EVIDENCIADAS. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO NA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. I - O delito do art. 195 do Código Penal Militar - abandono de posto, é norma de perigo abstrato, ou seja, é prescindível qualquer lesão ao bem jurídico tutelado, pois o dano é presumido pelo legislador. Logo, inviável a desclassificação do delito para transgressão disciplinar. II - Militar do Exército no posto de Primeiro Tenente que, na função de Oficial-de-Dia se afasta do Quartel sem autorização superior e sem motivo justificável comete o delito de abandono de posto. Em que pese evidências de que o Apelante tenha sido substituído por outro Oficial durante o serviço, restou comprovado não só pela prova testemunhal, como pelas imagens de câmera de segurança, que ele deixou o local de serviço em momento anterior, antes da chegada do substituto, conduta suficiente para consumar o crime. A natureza da OM, Polícia do Exército, sua condição de unidade disciplinadora e carcerária torna o desvio de conduta mais reprovável. III - Da mesma forma, não há elementos que apontem para a atuação em inexigibilidade de conduta diversa, já que ausentes elementos que indiquem que o Acusado foi obrigado a deixar o serviço, seja por coação irresistível, obediência hierárquica ou estado de necessidade exculpante. IV - A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica quanto à inaplicabilidade de penas restritivas de direitos no âmbito do direito castrense, diante da ausência de previsão expressa no Código Penal Militar. V - Apelação improcedente. Decisão unânime. (STM – Apelação nº 7000032-63.2018.7.00.0000 - Relator Ministro Péricles Aurélio Lima De Queiroz - DJe de 05.10.2018)

 

O STM entende que os militares da equipe de serviço não poderão se ausentar sem autorização superior mesmo quando estiverem no horário de descanso, sob pena de incorrerem no referido delito:

 

APELAÇÃO. DEFESA. ABANDONO DE POSTO. AFASTAMENTO DO LOCAL DE SERVIÇO. IMPROVIMENTO. 1 - Militares que escalados para o serviço afastam-se da OM no horário de repouso sem a devida autorização, desfalcando a equipe de serviço. 2 - A guarnição que entra de serviço por 24 horas tem que estar, em sua integralidade, pronta para atuar de imediato. O afastamento dos acusados do local de serviço deixou desfalcado o sistema de segurança da OM, gerando situação de perigo na hipótese de eventual agressão ou acidente. Apelo improvido. Decisão unânime. (STM – Apelação Criminal nº 0000018-05.2008.7.01.0201/RJ - Relator Ministro Marcos Augusto Leal de Azevedo – DJ de 26.07.2010)

 

ABANDONO DE LUGAR DE SERVIÇO. MILITAR DESIGNADO PARA O SERVIÇO DE CASSINEIRO COM O ENCARGO ADICIONAL DE EVENTUALMENTE SUBSTITUIR OUTROS MILITARES DE SERVIÇO E, INCLUSIVE, ASSUMIR POSTO DE SENTINELA ARMADO. Incontroverso, segundo a prova, haver o apelado se ausentado por mais de uma hora do local de serviço, sem autorização, com o intuito de ir a uma casa de shows. O delito previsto no artigo 195 do CPM compreende não só o abandono do posto propriamente dito, como também o do lugar de serviço para o qual tenha sido o militar designado. O tipo alcança não só os militares que efetivamente se encontrem nos postos, ou seja, cumprindo quartos de hora, mas também os que, escalados para o serviço, se encontram em período de descanso, pois estes últimos, nessa situação, compõem força de apoio e de emprego eventual, indispensável à segurança da área ou do local sob proteção (Precedentes do STM). Provido o apelo do MPM. Decisão unânime. (STM – Apelação Criminal nº 2003.01.049264-0/RJ – Relator Ministro Antônio Carlos Nogueira - DJ de 27.06.2003)

 

Assim, é prudente que o militar não se ausente do seu posto, mesmo que seja por poucos minutos, sem prévia autorização superior.

 

b) SEM ORDEM SUPERIOR: primeiramente, necessário conceituar superior, que está disposto no art. 24 do CPM, assim descrito:

 

Conceito de superior

Art. 24. O militar que, em virtude da função, exerce autoridade sobre outro de igual posto ou graduação, considera-se superior, para efeito da aplicação da lei penal militar.

 

Ou seja, o conceito de superior para fins penais não é, simplesmente, o militar mais antigo que o outro, mas sim aquele que detém autoridade funcional sobre outro militar.

Um exemplo: fora do expediente de uma Base Aérea, a autoridade máxima, em regra, não estando presente o Comandante será o Oficial de Dia, que é uma função exercida por Aspirantes ou Tenentes. Existe uma equipe de serviço que é subordinada diretamente ao Oficial de Dia, logo, todos os militares desta equipe o terão como superior, nos termos do art. 24. Isso, na prática, quer dizer o seguinte: se um Sargento for dispensado por um Suboficial desta mesma equipe e àquele vier a se ausentar de seu posto de serviço após a liberação deste mais antigo, em tese2, praticará o delito de abandono de posto. Em virtude de que, para fins penais, o conceito de superior disposto no art. 195 é o previsto no art. 24, tem-se que, nesse caso hipotético, somente o Oficial de Dia poderia autorizar3 a saída do Sargento de seu posto de serviço.

Os quartéis costumam ter normas internas sobre a execução dos serviços de escala, assim, prudente que o militar tome conhecimento dessas normas, inclusive no intuito de não ter dúvidas sobre quem seja o superior, nos termos do art. 195 c/c o art. 24, ambos, do CPM.

Em caso de problemas familiares, como, por exemplo, doença de algum familiar ou parente, faz-se necessário, antes de sair do local de serviço, requerer autorização. É importante esclarecer que nem todo problema de saúde de família é motivo4 suficiente para se abandonar um posto de serviço, conforme entendimento jurisprudencial.

Conclui-se, então, que o militar deve ter muita cautela ao pretender ausentar-se do seu posto de serviço, pois como estudado no decorrer deste capítulo, as consequências provenientes de um processo criminal, além dos prejuízos financeiros, poderão prejudicar significativamente sua carreira militar.

E, finalizando, esses são os breves comentários sobre o delito de abandono de posto, sendo que, caso o militar pretenda se aprofundar neste e noutro delitos penais, sugiro a leitura dos livros de Jorge Cesar de Assis sobre direito penal militar.

______________________________

1Caso o período de serviço do militar tenha terminado, mas sua rendição (militar que ocupará seu local) não houver chegado para assumir o serviço, àquele militar continuará no seu posto, mesmo tendo terminado seu horário previsto na escala de serviço. E caso saia do serviço, sem autorização superior, antes da chegada do militar que assumirá seu posto, cometerá o crime de abandono de posto. Vejamos a seguinte decisão sobre esse tema:

EMBARGOS INFRINGENTES OPOSTOS PELA DEFESA. ABANDONO DE POSTO. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO. IMPOSSIBILIDADE. PERMANÊNCIA NO QUARTEL. NECESSIDADE ATÉ A RENDIÇÃO. - O crime de abandono de posto tem consumação instantânea, e ocorre no momento exato em que o militar se ausenta do posto ou do lugar de serviço. - Não compete ao militar escalado tomar a iniciativa de deixar o serviço, sem autorização dos superiores e antes da chegada da nova equipe, mesmo que já tenha cumprido os seus quartos de hora e que o lapso temporal de 24 horas de jornada tenha se esgotado. - As provas carreadas são plenas para demonstrar a ilicitude perpetrada pelo agente. Embargos rejeitados. Decisão majoritária. (STM – Embargos nº 0000018-63.2009.7.05.0005/DF - Relatora Ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha - DJe de 16.05.2011)

2Ressaltei em tese em virtude de que somente na instrução criminal, e dependendo do caso concreto, restará identificado se o ato desse Suboficial isentará o Sargento de condenação por abandono de posto.

3Obviamente, caberá ao Conselho de Justiça analisar o caso concreto e, se for o caso, inocentar o militar sob o fundamento de que o mesmo acreditava que o SubOficial possuía competência para autorizar sua saída.

4APELAÇÃO. ABANDONO DE POSTO. ESCUSAS DE ORDEM FAMILIAR. ESTADO DE NECESSIDADE. ALEGAÇÕES FINAIS DO ÓRGÃO MINISTERIAL PELA ABSOLVIÇÃO. RECURSOS TANTO DA DEFESA QUANTO DA ACUSAÇÃO EM BUSCA DA REFORMA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. Praça da Força Aérea Brasileira que, escalado para o serviço de Sargento-de-dia, decide ausentar-se inopinadamente, sem autorização, a pretexto de ir socorrer a mãe idosa, após sofrer uma queda. Prontuário médico da genitora do acusado indica que não houve atendimento na data em que ocorreu o abandono de posto. Intercorrências ligadas à vida familiar nem sempre garantem a configuração do estado de necessidade, mormente quando não caracterizada a inexigibilidade de conduta diversa. Decreto condenatório lastreado na robustez do suporte fático contido nos autos. Ambos os apelos desprovidos. Decisão unânime. (STM – Apelação nº 0000039-73.2008.7.05.0005/PR – Relator Ministro José Américo dos Santos - DJ de 20.09.2010)

bottom of page