top of page
manualpraticodomilitar.png
CAPÍTULO 19 - EFEITOS JURÍDICOS DA CONDENAÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR

19.11. REABILITAÇÃO PENAL: POSSIBILIDADE DE REINGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO

 

Decidi tecer breves comentários sobre esse assunto, pois, em regra, essa é uma das perguntas que meus clientes costumam me fazer quando são denunciados em processo criminal.

O que é a reabilitação penal? Utilizarei o ensinamento do grande mestre Mirabete1:

 

A reabilitação é a declaração judicial de que estão cumpridas ou extintas as penas impostas ao sentenciado, assegurando o sigilo dos registros sobre o processo e atingindo outros efeitos da condenação. Diante de sua natureza e pressupostos, o pedido de reabilitação só cabe em hipótese de ter havido sentença condenatória com trânsito em julgado. É inadmissível, portanto, no caso de ter sido decretada extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, ainda que intercorrente ou retroativa. Cabe, porém, quando for decretada a extinção da punibilidade por fato posterior ao trânsito em julgado da sentença, como no caso de prescrição da pretensão executória.

 

Mirabete continua seus ensinamentos e afirma sobre a possibilidade do reabilitado exercer função pública:

 

Outro efeito da reabilitação é o de suspender os efeitos da condenação previstos no art. 922. Pode o agente, assim, passar a exercer cargo, função ou mandato eletivo, mas é vedada a recondução ao cargo, função ou mandato do qual foi privado pela condenação.

 

A reabilitação penal3 na esfera4 militar está prevista nos arts. 134 e 135 do CPM, assim transcritos:

 

Reabilitação

Art. 134. A reabilitação alcança quaisquer penas impostas por sentença definitiva.

§ 1º A reabilitação poderá ser requerida decorridos cinco anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena principal ou terminar a execução desta ou da medida de segurança aplicada em substituição (art. 113), ou do dia em que terminar o prazo da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional, desde que o condenado:

a) tenha tido domicílio no País, no prazo acima referido;

b) tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado;

c) tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre absoluta impossibilidade de o fazer até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.

§ 2º A reabilitação não pode ser concedida:

a) em favor dos que foram reconhecidos perigosos, salvo prova cabal em contrário;

b) em relação aos atingidos pelas penas acessórias do art. 98, inciso VII, se o crime for de natureza sexual em detrimento de filho, tutelado ou curatelado.

Prazo para renovação do pedido

§ 3º Negada a reabilitação, não pode ser novamente requerida senão após o decurso de dois anos.

§ 4º Os prazos para o pedido de reabilitação serão contados em dobro no caso de criminoso habitual ou por tendência.

Revogação

§ 5º A reabilitação será revogada de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, se a pessoa reabilitada for condenada, por decisão definitiva, ao cumprimento de pena privativa da liberdade.

 

Cancelamento do registro de condenações penais

Art. 135. Declarada a reabilitação, serão cancelados, mediante averbação, os antecedentes criminais.

Sigilo sobre antecedentes criminais

Parágrafo único. Concedida a reabilitação, o registro oficial de condenações penais não pode ser comunicado senão à autoridade policial ou judiciária, ou ao representante do Ministério Público, para instrução de processo penal que venha a ser instaurado contra o reabilitado.

 

Esse parágrafo único é de suma importância para o desenvolvimento deste tema, haja vista que se pretende comprovar mediante legislação e jurisprudência que a reabilitação permite ao militar ou ex-militar a possibilidade de se inscrever e ser nomeado em concursos públicos5.

Os procedimentos legais para a obtenção da reabilitação penal na esfera judicial militar estão previstos nos arts. 651 a 658 do CPPM:

 

Requerimentos e requisitos

Art. 651. A reabilitação poderá ser requerida ao Auditor da Auditoria por onde correu o processo, após cinco anos contados do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena principal ou terminar sua execução, ou do dia em que findar o prazo de suspensão condicional da pena ou do livramento condicional, desde que o condenado tenha tido, durante aquele prazo, domicílio no País.

Parágrafo único. Os prazos para o pedido serão contados em dobro no caso de criminoso habitual ou por tendência.

Instrução do requerimento

Art. 652. O requerimento será instruído com:

a) certidões comprobatórias de não ter o requerente respondido, nem estar respondendo a processo, em qualquer dos lugares em que houver residido durante o prazo a que se refere o artigo anterior;

b) atestados de autoridades policiais ou outros documentos que comprovem ter residido nos lugares indicados, e mantido, efetivamente, durante esse tempo, bom comportamento público e privado;

c) atestados de bom comportamento fornecidos por pessoas a cujo serviço tenha estado;

d) prova de haver ressarcido o dano causado pelo crime ou da absoluta impossibilidade de o fazer até o dia do pedido, ou documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.

Ordenação de diligências

Art. 653. O auditor poderá ordenar as diligências necessárias para a apreciação do pedido, cercando-as do sigilo possível e ouvindo, antes da decisão, o Ministério Público.

Recurso de ofício

Art. 654. Haverá recurso de ofício da decisão que conceder a reabilitação.

Comunicação ao Instituto de Identificação e Estatística

Art. 655. A reabilitação, depois da sentença irrecorrível, será comunicada ao Instituto de Identificação e Estatística ou repartição congênere.

Menção proibida de condenação

Art. 656. A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por autoridade judiciária criminal.

Renovação do pedido de reabilitação

Art. 657. Indeferido o pedido de reabilitação, não poderá o condenado renová-lo, senão após o decurso de dois anos, salvo se o indeferimento houver resultado de falta ou insuficiência de documentos.

Revogação da reabilitação

Art. 658. A revogação da reabilitação será decretada pelo auditor, de ofício ou a requerimento do interessado, ou do Ministério Público, se a pessoa reabilitada for condenada, por decisão definitiva, ao cumprimento de pena privativa da liberdade.

 

Os arts. 132 e 133 da Lei nº 6.880/1980 tratam da reabilitação do militar nas esferas penal e disciplinar:

 

Art. 132. A reabilitação do militar será efetuada:

I - de acordo com o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar, se tiver sido condenado, por sentença definitiva, a quaisquer penas previstas no Código Penal Militar;

II - de acordo com a legislação que trata do serviço militar, se tiver sido excluído ou licenciado a bem da disciplina.

Parágrafo único. Nos casos em que a condenação do militar acarretar sua exclusão a bem da disciplina, a reabilitação prevista na legislação que trata do serviço militar poderá anteceder a efetuada de acordo com o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar.

Art. 133. A concessão da reabilitação implica em que sejam cancelados, mediante averbação, os antecedentes criminais do militar e os registros constantes de seus assentamentos militares ou alterações, ou substituídos seus documentos comprobatórios de situação militar pelos adequados à nova situação.

 

Diferentemente do que ocorre com as Praças das Forças Armadas excluídas a bem da disciplina, onde o prazo para a reabilitação disciplinar é de 2 (dois) anos contados do ato expulsório, na reabilitação penal esse prazo é de 5 (cinco) anos, contados de acordo com as hipóteses constantes do § 1º do art. 134 do CPM, sendo que em relação à reabilitação disciplinar, a legislação pertinente é o § 6º do art. 110 c/c o § 1º do art. 141 do Decreto nº 57.654/1966 (Regulamenta a Lei do Serviço Militar):

 

Art. 110. A reabilitação dos incapazes poderá ser feita ex officio ou a requerimento do interessado.

§ 1º Os requerimentos serão dirigidos aos Comandantes de RM, DN ou ZAe, conforme a origem do Certificado de Isenção, diretamente, ou através de órgão alistador, e deverão ser instruídos com os documentos que comprovem o alegado, necessários em cada caso.

§ 2º Os incapazes por lesão, doença ou defeito físico que, em consequência de tratamento e do progresso da ciência, se julguem, comprovadamente recuperados e requeiram a sua reabilitação serão mandados a inspeção de saúde:

1) se julgados "Aptos A", deverão ser apresentados à seleção da primeira classe a ser incorporada;

2) se julgados "Incapaz B-1" ou "Incapaz B-2", farão jus, desde logo, ao Certificado de Dispensa de Incorporação, com a inclusão prévia no excesso do contingente; ou

3) se julgados "Incapaz C", continuarão na mesma situação em que se encontravam.

§ 3º Os isentos do Serviço Militar por incapacidade moral, por estarem cumprindo sentença por crime doloso, quando convocados, poderão ser reabilitados, mediante requerimento apresentado depois de postos em liberdade. Deverão anexar, ao citado requerimento, atestado de boa conduta do estabelecimento onde cumpriram a pena e, se for o caso, também da autoridade policial competente, referente aos últimos 2 (dois) anos.

§ 4º Os isentos do Serviço Militar por incapacidade moral, por terem sido julgados incapazes moralmente durante a seleção, poderão requerer reabilitação 2 (dois) anos após a data em que forem julgados incapazes. Deverão anexar, aos respectivos requerimentos, atestado passado por autoridade policial competente, sobre a sua conduta, referente aos últimos 2 (dois) anos.

§ 5º Os que forem reabilitados antes de completar 30 (trinta) anos de idade, nos casos previstos pelos parágrafos 3º e 4º, anteriores, deverão concorrer à seleção com a primeira classe a ser incorporada e submeter-se, nessa seleção, a exames psicotécnicos. Os que tiverem mais de 30 (trinta) anos serão dispensados de incorporação, com inclusão prévia ao excesso do contingente.

§ 6° A reabilitação dos expulsos das Organizações Militares da Ativa ou dos Órgãos de Formação de Reserva só poderá ser efetivada após 2 (dois) anos da data da expulsão e na forma estabelecida pela legislação de cada Força Armada. Uma vez reabilitados, farão jus à substituição de seu Certificado pelo de Dispensa de Incorporação ou de Reservista, conforme o grau de instrução alcançado

 

Art. 141. A expulsão ocorrerá:

1) por condenação irrecorrível resultante da prática do crime comum ou militar de caráter doloso;

2) pela prática de ato contra a moral pública, pundonor militar ou falta grave, que, na forma da lei ou de regulamentos militares, caracterize o seu autor como indigno de pertencer às Forças Armadas; ou

3) pela prática contumaz de faltas que tornem o incorporado, já classificado no mau comportamento, inconveniente à disciplina e à permanência nas fileiras.

§ 1º O expulso será considerado isento do Serviço Militar e a sua reabilitação obedecerá ao estabelecido no parágrafo 6º do Art. 110, deste Regulamento.

§ 2° No caso do número 1, do presente artigo, em se tratando de crime comum, o expulso será entregue à autoridade competente e, nos casos dos números 2 e 3, será apresentado, com ofício informativo da causa da expulsão, à autoridade policial local.

§ 3º A autoridade militar que reabilitar um expulso, na forma do parágrafo 1º deste artigo, deverá informar da reabilitação à autoridade policial competente.

 

Além das legislações acima, de aplicação a todas as Forças Armadas, existem normas específicas de cada Força sobre a reabilitação disciplinar dos militares licenciados ou excluídos a bem da disciplina, podendo-se citar o art. 33 do Decreto nº 4.346/2002 (Regulamento Disciplinar do Exército):

 

Art. 33. A reabilitação dos licenciados ou excluídos, a bem da disciplina, segue o prescrito no Estatuto dos Militares e na Lei do Serviço Militar, e sua concessão obedecerá ao seguinte:

I - a autoridade competente para conceder a reabilitação é o comandante da região militar em que o interessado tenha prestado serviço militar, por último;

II - a concessão será feita mediante requerimento do interessado, instruído, quando possível, com documento passado por autoridade policial do município de sua residência, comprovando o seu bom comportamento, como civil, nos dois últimos anos que antecederam o pedido;

III - a reabilitação ex officio poderá ser determinada pela autoridade relacionada no inciso I do art. 10, deste Regulamento, ou ser proposta, independentemente de prazo, por qualquer outra autoridade com atribuição para excluir ou licenciar a bem da disciplina;

IV - quando o licenciamento ou a exclusão a bem da disciplina for decorrente de condenação criminal, com sentença transitada em julgado, a reabilitação estará condicionada6 à apresentação de documento comprobatório da reabilitação judicial, expedido pelo juiz competente; e

V - a autoridade que conceder a reabilitação determinará a expedição do documento correspondente à inclusão ou reinclusão na reserva do Exército, em conformidade com o grau de instrução militar do interessado.

 

O caput do art. 135 do CPM é taxativo ao afirmar que os antecedentes criminais do reabilitado serão cancelados, e, de acordo com o seu parágrafo único, estará proibida7 a divulgação de quaisquer comunicações destes antecedentes criminais a terceiros, exceto à autoridade policial ou judiciária, ou Ministério Público. Porém, ressalte-se que estes legitimados somente poderão obter tais informações penais para instruir processo penal que venha a ser instaurado contra o reabilitado e não para fins de investigação social exigida em alguns concursos públicos.

O STM fez o seguinte esclarecimento quanto aos objetivos e efeitos da reabilitação penal:

 

REABILITAÇÃO - O Instituto Jurídico da Reabilitação consiste em um conjunto de prescrições que regulam a reintegração do Sentenciado a seu status jurídico e moral anterior à condenação. Através da reabilitação apaga-se o passado criminal; devolve-se a plenitude dos direitos e deveres; bem como responsabilidades, honra e boa fama de pessoa e cidadão, a quem tendo cometido delito foi condenado e cumpriu a pena principal, ou a teve extinta. Na espécie, o Reabilitando preencheu todos os requisitos legais exigidos para a concessão da Reabilitação, motivo pelo qual o recurso, de ofício, foi improvido, para manter-se a Reabilitação concedida. Decisão uniforme. (STM – Recurso Criminal nº 2006.01.007384-7 – Ministro Relator Sérgio Ernestro Alves Conforto - DJ de 12.01.2007)

 

Assim, exemplificando, não é possível, em regra, devido ao impedimento legal previsto no parágrafo único do art. 135 do CPM, que uma banca examinadora de concurso público obtenha informações penais de um reabilitado. Logo, a Justiça Militar e a Administração Militar estarão impedidas de fornecer quaisquer informações penais do reabilitado a terceiros, salvo nas exceções previstos no mencionado parágrafo único.

O STJ, em julgamento realizado no ano de 2017, ratificou que em ocorrendo a reabilitação, não é possível o livre acesso aos terminais de identificação por agentes públicos que não o juiz criminal, haja vista o caráter sigiloso das informações penais em relação ao reabilitado, conforme se depreende da respectiva ementa:

 

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXCLUSÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE CONDENAÇÃO CRIMINAL DO BANCO DE DADOS DO INSTITUTO DE IDENTIFICAÇÃO RICARDO GUMBLETON DAUNT - IIRGD: IMPOSSIBILIDADE. REABILITAÇÃO. INFORMAÇÕES DE ACESSO RESTRITO POR MEIO DE REQUERIMENTO, FUNDAMENTADO, DE JUIZ CRIMINAL. PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE "NADA CONSTA" PARA O FIM DE POSSE EM CONCURSO PÚBLICO DE VIGIA. SIGILO ASSEGURADO PELO ART. 202 DA LEI N.º 7.210/84. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. A Terceira Seção desta Corte tem entendido que "por analogia à regra inserta no art. 748 do Código de Processo Penal, as anotações referentes a inquéritos policiais e ações penais não serão mencionadas na Folha de Antecedentes Criminais, nem em certidão extraída dos livros do juízo, nas hipóteses em que resultarem na extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, arquivamento, absolvição ou reabilitação." (RMS n. 29.423/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJe 21/9/2011). 2. Sem perder de vista o disposto no art. 202 da Lei de Execuções Penais, a manutenção, no banco de dados do IIRGD, de informações relativas a processos criminais cujas punibilidades foram extintas é de rigor posto que, como o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não possui sistema de armazenamento de dados próprio e centralizado, nos moldes do IIRGD, do qual constem informações oriundas de todo o Estado acerca de todos os processos em trâmite relacionados a determinada pessoa, a exclusão das informações implicaria na impossibilidade de sua recuperação nas hipóteses em que a lei o permite. Precedentes. 3. O acesso a tais dados é condicionado a requerimento fundamentado dirigido ao juiz criminal, única autoridade habilitada a autorizar o acesso aos antecedentes penais daqueles protegidos pelo manto da reabilitação, da absolvição ou da extinção da punibilidade pela prescrição. Isso porque, operada a reabilitação, aparenta vício de ilegalidade o livre acesso aos terminais de identificação por agentes públicos que não o juiz criminal, visto que a Lei de Execuções Penais, bem como o Código de Processo Penal, atentos à disciplina do Código Penal, fixaram o caráter sigiloso das informações penais acerca do reabilitado e daquele em favor de quem se tenha operado a extinção da punibilidade. 4. De outro lado, se o cidadão foi reabilitado, tem o direito de obter, perante a vara criminal, certidão negativa, para o fim de posse em concurso público, na qual não conste nenhuma referência à prévia existência de processo(s) no qual tenha sido reabilitado, já que nem sempre o destinatário da certidão consegue ler o seu conteúdo com o mesmo valor que aquela que informa 'Nada Consta', o que pode colocar em risco o exercício de direitos constitucionalmente garantidos, tais como o trabalho e a livre participação em certame público de provas e títulos. 5. Recurso provido, em parte, apenas para garantir ao recorrente o direito da obtenção de certidão de nada consta, perante a autoridade apontada como coatora, unicamente para a finalidade de apresentação dos documentos exigidos na convocação realizada no Concurso Público para o cargo de vigia do Município de Caraguatatuba. (STJ - RMS nº 52.714/SP – 5ª Turma - Relator Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca – DJe de 10.03.2017)

 

O art. 748 do CPP e o art. 202 da Lei nº 7.210/1984, citadas na ementa acima, assim dispõem, respectivamente:

 

Art. 748. A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal.

 

Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

 

O art. 656 do CPPM é o equivalente ao art. 748 do CPP:

 

Art. 656. A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por autoridade judiciária criminal.

 

Certamente, alguns poderão estar se perguntando: e se uma autoridade judiciária ou militar fornecer tais informações penais a terceiros em desacordo com o parágrafo único do art. 135 do CPM? Estará, em tese, cometendo o delito cível de improbidade administrativa8 previsto no inciso III do art. 11 da Lei nº 8.429/1992:

 

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

(...)

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

(...)

 

Ressalte-se, inclusive, que uma condenação por ato de improbidade poderá, conforme o caso, induzir na perda da função pública, conforme previsão disposta no inciso III do art. 12 da lei de improbidade:

 

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

(...)

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

 

E, ainda, poderá surgir outra pergunta: o que fazer se, mesmo reabilitado, tal informação vazar9, impedindo o militar ou ex-militar de se inscrever em concurso público ou de ser nomeado no respectivo cargo? Restará a via judicial, onde várias são as decisões10 dos tribunais ratificando que, em estando reabilitado penalmente, não há nenhum óbice à inscrição ou nomeação decorrente de aprovação em concurso público.

No âmbito das Forças Armadas, a partir das promulgações da Lei nº 12.464/2011 (Aeronáutica: inciso XI do art. 20), Lei nº 12.705/2012 (Exército: inciso VII do art. 2º) e Lei nº 12.704/2012 que incluiu o art. 11-A na Lei nº 11.279/2006 (Marinha: inciso XI do art. 11-A) ficou definido que o militar ou ex-militar reabilitado penalmente estará apto para concursos públicos e, posteriores, nomeações, conforme se verifica abaixo nas leituras dos seus respectivos dispositivos legais:

 

Art. 20. Para o ingresso na Aeronáutica e habilitação à matrícula em um dos cursos ou estágios da Aeronáutica destinados à formação ou adaptação de oficiais e de praças, da ativa e da reserva, o candidato deverá atender aos seguintes requisitos:

(...)

XI - não ter sido, nos últimos 5 (cinco) anos, salvo em caso de reabilitação, na forma da legislação vigente, condenado em processo criminal com sentença transitada em julgado;

(…)

 

Art. 2º. A matrícula para o ingresso nos cursos de formação de oficiais e sargentos de carreira do Exército depende de aprovação prévia em concurso público, atendidos os seguintes requisitos, dentre outros estabelecidos na legislação vigente:

(…)

VII - se ex-integrante de qualquer uma das Forças Armadas ou de Força Auxiliar, não ter sido demitido ex officio por ter sido declarado indigno para o oficialato ou com ele incompatível, excluído ou licenciado a bem da disciplina, salvo em caso de reabilitação;

(…)

 

Art. 11-A. A matrícula nos cursos que permitem o ingresso nas Carreiras da Marinha depende de aprovação prévia em concurso público, atendidos os seguintes requisitos, dentre outros estabelecidos, decorrentes da estrutura e dos princípios próprios dos militares:

(…)

XI - se ex-integrante de qualquer uma das Forças Armadas ou de Força Auxiliar, não ter sido demitido ex officio por ter sido declarado indigno para o oficialato ou com ele incompatível, excluído ou licenciado a bem da disciplina, salvo em caso de reabilitação;

(...)

 

Logo, conclui-se que o militar ou ex-militar reabilitado criminalmente poderá, respectivamente, prestar outro concurso público ou retornar ao serviço público, seja no âmbito civil ou militar.

_________________________________

1MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 491-492.

2Refere-se ao CP, assim dispõe o dispositivo:

Art. 92. São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

II – a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado;

III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

3RECURSO DE OFÍCIO. REABILITAÇÃO CRIMINAL. CUMPRIMENTO INTEGRAL DOS PRESSUPOSTOS MATERIAIS E TEMPORAIS DE ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. DECISÃO POR UNANIMIDADE. Os requisitos do pedido de reabilitação presentes na legislação castrense foram devidamente preenchidos. Demonstrados nos autos o decurso do lapso temporal superior a cinco anos após a extinção da punibilidade, o domicílio no país, bem como juntados comprovantes de idoneidade moral e certidões criminais negativas, além da inexistência de dano a ser reparado, é possível inferir que o requerente não tornou a delinquir, demonstrando total recuperação social. Não provimento do recurso ex officio. Decisão por unanimidade. (STM – Recurso de Ofício nº 7000822-76.2020.7.00.0000 - MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA - DJe de 17.02.2021)

RECURSO DE OFÍCIO COM FULCRO NO ART. 654 DO CPPM. PEDIDO DE REABILITAÇÃO DEFERIDO EM CONFORMIDADE COM AS DISPOSIÇÕES ÍNSITAS NOS ARTS. 134 E 135, AMBOS DO CPM, E NOS ARTS. 651 E 652, TUDO DO CPPM. I - A Decisão do Juízo "a quo", que deferiu o pedido de reabilitação do requerente, foi proferida nesse sentido, tendo em vista que o militar, condenado há mais de 20 (vinte) anos, já havia cumprido integralmente a pena que lhe foi imposta na Sentença de 1º grau, transcorrendo o lapso temporal superior a 5 (cinco) anos do referido cumprimento de pena. II - Consta dos autos que o reabilitando, sobre demonstrar ser possuidor de bom comportamento público e privado, além de excelente comportamento militar, comprovou com farta documentação que inexiste qualquer ação penal contra a sua pessoa. III - Preenchidos todos os requisitos legais para o deferimento da Reabilitação, não há como prosperar o presente recurso criminal. Recurso de ofício improvido. Decisão unânime. (STM - RSE nº 2009.01.007667-6/PR – Relator Ministro José Coêlho Ferreira – DJe de 20.11.2009)

4No CPP comum é o art. 748 que trata do sigilo decorrente da reabilitação penal, assim dispondo:

Art. 748. A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal.

5Caso o leitor deseje se aprofundar no tema sobre concursos públicos, sugiro a aquisição do meu livro Concursos Públicos Militares – Tutelas de Urgência – Teoria e Prática.

6Esse inciso IV é ilegal, pois contraria o texto do parágrafo único do art. 132 da Lei nº 6.880/1980:

Art. 132. A reabilitação do militar será efetuada:

(...)

Parágrafo único. Nos casos em que a condenação do militar acarretar sua exclusão a bem da disciplina, a reabilitação prevista na legislação que trata do serviço militar poderá anteceder a efetuada de acordo com o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar.

7PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE DADOS CRIMINAIS. MANUTENÇÃO PELO INSTITUTO DE IDENTIFICAÇÃO. VIOLAÇÃO À DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SIGILOSIDADE. ARQUIVOS DE ACESSO EXCLUSIVO VIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 748 DO CPP. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. É uníssono o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, "por analogia aos termos do art. 748 do Código de Processo Penal, devem ser excluídos dos terminais dos Institutos de Identificação Criminal os dados relativos a inquéritos arquivados, a ações penais trancadas, a processos em que tenha ocorrido a reabilitação do condenado e a absolvições por sentença penal transitada em julgado ou, ainda, que tenha sido reconhecida a extinção da punibilidade do acusado decorrente da prescrição da pretensão punitiva do Estado" (RMS 24.099/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, DJe 23/6/08). 2. "Tais dados entretanto, não deverão ser excluídos dos arquivos do Poder Judiciário, tendo em vista que, nos termos do art. 748 do CPP, pode o Juiz Criminal requisitá-los, de forma fundamentada, a qualquer tempo, mantendo-se entretanto o sigilo quanto às demais pessoas. (Precedente)" (RMS 19501/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 1/7/05) 3. Recurso ordinário parcialmente provido para, concedendo em parte a segurança, determinar a vedação de acesso aos registros constantes dos bancos de dados do Instituto de Identificação, salvo pelo Poder Judiciário para efeito de consulta fundamentada de Juízes Criminais. (STJ - RMS nº 33.300/RJ – 5ª Turma - Relatora Ministra Laurita Vaz – DJe de 30.11.2012)

8O estudo desse tema foi dissertado no Capítulo 6.

9Tal fato poderá inclusive ensejar uma condenação cível por danos morais.

10ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. "CONCURSO PÚBLICO". AGENTE DE POLICIA. "INVESTIGAÇÃO SOCIAL". CRIME (HOMICÍDIO) COMETIDO POR CANDIDATO QUANDO ERA "MENOR INIMPUTÁVEL". ILEGALIDADE DA INVESTIGAÇÃO SOCIAL DA "BANCA EXAMINADORA", COM VIOLAÇÃO LITERAL DO "ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ARTS. 143 E 144)". A PRESUNÇÃO DE IRRECUPERABILIDADE DE QUEM JÁ COMETEU DELITO PENAL, A PAR DE SOLAPAR UM DOS PRIMADOS DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL, JOGARIA POR TERRA TODA A POLITICA CRIMINAL DA REABILITAÇÃO E REINTEGRAÇÃO DO DELINQUENTE A SEU MEIO SOCIAL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PELA ALÍNEA "A" DO AUTORIZATIVO CONSTITUCIONAL. I - O recorrente especial, quando menor penalmente inimputável, assassinou colega. Ao candidatar-se a concurso público (agente de polícia), teve seu pedido indeferido, porque a banca examinadora apurara, por conta própria, o fato, ocorrido perto de 10 anos atrás. Irresignado, o ora recorrente especial ajuizou ação de mandado de segurança. O TJ teve como legal o ato impetrado. III - O STJ tem considerado legal o indeferimento de inscrição de candidato com base na "investigação social" prevista em edital do concurso (RMs n. 45/MT, Min. Mosimann; RESP n. 15.410/DF, Min. Garcia e RESP n. 50.524/DF, Min. Maciel). No caso concreto, todavia, o órgão impetrado violou expressamente os arts. 143 e 144 do ECA (lei n. 8.060/1990), que vedou "a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional". Ademais disso, no caso particular do recorrente a vedação de participar de concurso para cargo público, viável até para o penalmente reabilitado, jogaria por terra toda a política criminal de reajustamento e reintegração a vida social, além de solapar um dos primados de nossa civilização. III - Recurso especial conhecido pela alínea "a". (STJ - REsp nº 48.278/DF - 6ª Turma - Relator Ministro Pedro Acioli - DJ de 21.10.1996)

bottom of page