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CAPÍTULO 18 - JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO: ESTRUTURA ORGANIZACIONAL EM TEMPO DE PAZ E PECULIARIDADES

18.5. RITOS PROCEDIMENTAIS NOS PROCESSOS DE CRIMES MILITARES E CRIMES MILITARES POR EXTENSÃO

 

A ampliação da competência da Justiça Militar da União por meio da Lei nº 13.491/2017 gerou a seguinte dúvida no meio doutrinário e jurisprudencial: qual é o rito procedimental a ser seguido quando o processo e julgamento se referir a crimes militares por extensão, ou seja, crimes não previstos no CPM?

Infelizmente, o legislador, mais uma vez, foi omisso ao não informar qual seria o rito procedimental a ser seguida pela Justiça Militar quando o processo criminal se trata de crime militar por extensão, deixando, mais uma vez, para a doutrina e jurisprudência tomarem essa decisão.

O problema é que por ser uma lei nova, ainda não existe um entendimento jurisprudencial definitivo de nossos tribunais superiores sobre essa questão, o que, sem sombra de dúvidas, resulta em insegurança jurídica aos jurisdicionados.

Não se pode esquecer, todavia, que o crime militar por extensão é, como o denominei, um “crime comum” de natureza militar, logo, a princípio, o rito procedimental a ser seguido seria o rito previsto para esse “crime comum”, assim como ocorre, por exemplo, nos processos criminais da Justiça Federal Comum.

Inclusive, tive a oportunidade de me deparar com essa questão ao ser contratado em 2019 por um Capitão de Fragata acusado pela prática do crime militar por extensão previsto, à época, na Lei nº 8.666/1993 (Lei das Licitações: o art. 89 da Lei nº 8.666/1993 foi revogado pela Lei nº 14.133/2021 e atualmente esse tipo penal está previsto no art. 337-E do CP) onde, inclusive, o processo e julgamento foi feito monocraticamente pelo Juiz Federal em virtude de que 1 (um) civil, também, estava sendo acusado, logo, aplicou-se o previsto no inciso I-B do art. 30 da Lei nº 8.457/1992, incluído pela Lei nº 13.774/2018.

Nesse processo criminal, o Juiz Federal afastou o CPPM e seguiu o rito procedimental especial previsto nos arts. 104 a 106 (foram revogados pela Lei nº 14.133/2021) da Lei nº 8.666/1993 com aplicação subsidiária do CPP:

 

Art. 104. Recebida a denúncia e citado o réu, terá este o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de defesa escrita, contado da data do seu interrogatório, podendo juntar documentos, arrolar as testemunhas que tiver, em número não superior a 5 (cinco), e indicar as demais provas que pretenda produzir.

 

Art. 105. Ouvidas as testemunhas da acusação e da defesa e praticadas as diligências instrutórias deferidas ou ordenadas pelo juiz, abrir-se-á, sucessivamente, o prazo de 5 (cinco) dias a cada parte para alegações finais.

 

Art. 106. Decorrido esse prazo, e conclusos os autos dentro de 24 (vinte e quatro) horas, terá o juiz 10 (dez) dias para proferir a sentença.

 

Todavia, ressalte-se, em relação ao art. 104 aplicou-se o art. 400 do CPP, a fim de que os acusados fossem interrogados por último, conforme tem ocorrido na Justiça Militar da União desde a decisão proferida pelo STF nos autos do HC nº 127.900/AM, tendo o Juiz Federal dito o seguinte ao receber a denúncia:

 

Considerando os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 127.900, será designada audiência para interrogatório dos réus ao final da instrução processual, dando-se, desse modo, interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 104, da Lei nº 8.666/93.

 

Então, diferentemente do CPPM, onde não existe defesa escrita anterior ao interrogatório do acusado, nesse processo criminal tive que elaborar a defesa escrita do meu cliente militar com suporte no art. 104, conforme se observa no seguinte trecho do recebimento da denúncia:

 

Cite-se o primeiro denunciado, por carta precatória (art. 353, do CPP) a ser expedida para a Justiça Militar da União no Rio de Janeiro/RJ (devendo ser observado o disposto no art. 358, do Códex Processual Penal Comum), para apresentar Defesa Escrita, no prazo de 10 (dez) dias, na qual poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interessar à sua defesa, podendo juntar documentos, arrolar as testemunhas que tiver, em número não superior a 5 (cinco), e indicar as demais provas que pretenda produzir.

 

E, ainda, como se sabe, no CPPM está prevista a sustentação oral perante os colegiados dos Conselhos de Justiça, já no rito procedimental da Lei nº 8.666/1993 (vigente à época, antes da revogação efetivada pela Lei nº 14.133/2021) e no CPP não existe tal previsão nos processos criminais de 1º grau, e por isso, não foi designada Sessão de Julgamento com a possibilidade de sustentação oral, tendo, ao final, o Juiz Federal decretado a absolvição dos acusados com suporte no CPP, conforme se observa no respectivo dispositivo sentencial:

 

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido condenatório contido na denúncia para ABSOLVER os acusados (nomes excluídos intencionalmente), já devidamente qualificados nos autos eletrônicos, com fundamento no artigo 5º, LVII, Constituição Federal, c/c artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

 

Há, entretanto, decisão do STM, por maioria, no sentido de que é possível a sustentação oral em processos de crime militar por extensão contra civil quando o Juiz Federal atua de forma monocrática, e principalmente quando a defesa faz esse pedido1 ao magistrado, conforme se verifica na leitura dos seguintes trechos extraídos do acórdão proferido nos autos dos Embargos Infringentes e de Nulidade nº 7000177-51.2020.7.00.0000, sendo que foi feita a ressalva em relação à decisão proferida nos autos do Habeas Corpus nº 93.076/RJ do STF:

 

Com efeito, os artigos 428 e 431 e seguintes do Código de Processo Penal Militar estabelecem as alegações escritas e as formalidades a serem observadas por ocasião da Sessão de Julgamento, bem como para a elaboração da sentença, destacando-se a "(...) Abertura da sessão (...)"; "(...) Leitura de peças do processo (...)"; "(...) Sustentação oral da acusação e defesa (...)"; "(...) Réplica e tréplica (...); "(...) Conteúdo da sentença (...)", sendo importante ressaltar novamente que tais atos não foram alcançados ou mesmo suprimidos pela norma legal que alterou a Lei de Organização Judiciária Militar da União.

Portanto, ao impedir a Defensoria Pública da União de sustentar oralmente no decorrer da Sessão de Julgamento, direito suprimido pelo Magistrado de primeiro grau, o Juízo a quo maculou de nulidade a própria condenação do Embargado.

Não desconheço o entendimento exarado pelo eminente Ministro Celso de Mello nos autos do Habeas Corpus nº 93.076/RJ, julgado em 26 de agosto de 2008, no qual a Suprema Corte analisou a dispensa das formalidades inerentes à Sessão de Julgamento levada a efeito pela Justiça Militar estadual após o advento da Emenda Constitucional nº 45, que alterou o artigo 125, § 5º, da Constituição Federal, para atribuir a competência monocrática aos "(...) juízes de direito do juízo militar (...)" para "(...) processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis (...)".

Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu: "(...) nulidade por cerceamento de defesa em face da ausência de oportunidade para oferecimento de alegações orais. Inexistência. Fase ritual cuja aplicação restringe-se ao julgamento perante o Colegiado (Conselho de Justiça) (...)".

Nada obstante, no caso dos autos, a Defesa insurgiu-se contra a dispensa das formalidades inerentes à Sessão de Julgamento, circunstância que, inegavelmente configura o prejuízo necessário ao reconhecimento da nulidade, na forma do art. 499 do Código de Processo Penal Militar, segundo o qual "(...) Nenhuma ato judicial será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.".

É a essência do Princípio pas de nullité sans grief.

Nessas condições, os argumentos apresentados pelo Órgão defensivo em suas Contrarrazões se harmonizam ao entendimento também do eminente Ministro Celso de Mello, porém em julgamento posterior àquele citado, no sentido de que "(...) a sustentação oral constitui ato essencial à defesa. A injusta frustração dessa magna prerrogativa afeta, de modo substancial, o princípio da amplitude de defesa que vem proclamado no próprio texto da Constituição da República (...)" (Habeas Corpus nº 81.369, Relator: Ministro Celso de Mello, DJe: 13/02/2009).

Por tais motivos, deve prevalecer o voto condutor do Acórdão embargado, da lavra do eminente Ministro Gen Ex Marco Antônio de Farias, cujos irrepreensíveis fundamentos adoto como razões adicionais de decidir:

 

"(...) É evidente o prejuízo quando não se cumpre o devido processo legal, como garantia de que se julgue conforme as normas previstas. (...) De fato, o CPPM prevê a realização das Alegações Orais, em Sessão de Julgamento, no art. 433 do CPPM. Essa fase processual destina-se a conceder à Acusação e à Defesa prazo para se manifestar acerca das Alegações Finais escritas, além de abordar outros elementos julgados pertinentes à fundamentação da tese firmada porcada uma das partes. Configura-se, portanto, na derradeira oportunidade para que as partes possam coligir elementos processuais destinados à formação da convicção do magistrado, o qual julgará, a seguir, o réu. A necessidade da realização dessa fase processual, mesmo quando da realização de julgamento monocrático pelo Juiz Federal da Justiça Militar, foi reconhecida pelo Pleno deste Tribunal ao aprovar e encaminhar à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados Substitutivo ao PL nº 9.436/17, que altera dispositivos do Código de Processo Penal Militar. (...) A proposta apresentada objetiva estabelecer que o juiz deve intimar as partes acerca da realização da sessão de julgamento e se desejam sustentar oralmente. Tal proposição encontra amparo no entendimento do STF, exarado nos autos do HC nº 93.076, julgado em 26/08/2008, no bojo do qual o Ministro Celso de Mello decidiu que a fase de sustentação oral, atualmente prevista no CPPM, "restringe-se ao julgamento perante órgão colegiado (Conselho de Justiça)". Assim, a redação sugerida insere no CPPM o rito a ser seguido em caso de julgamento singular.".

 

Diante do exposto, rejeito os presentes Embargos, para manter in totum o Acórdão recorrido.

 

Diferentemente do Juiz Federal responsável pelo processo criminal do meu cliente, nem todos os Juízes Federais da Justiça Militar da União entenderam por seguir o rito previsto para cada crime militar por extensão, mas sim o CPPM, o que, obviamente, resultou em discussões jurídicas das mais diversas, havendo, atualmente, uma decisão do STM de 2019 no sentido de que se deve aplicar o CPPM em todos os processos por crime militar e crime militar por extensão, conforme será melhor discorrido nos subtópicos seguintes.

________________________________

1No processo de origem, o Juiz Federal não adotou o rito previsto no CPP, mas sim no CPPM, todavia, excluiu a Sessão de Julgamento com a consequência impossibilidade de sustentação oral pelas partes sob o fundamento de que se tratava de julgamento monocrático.

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