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CAPÍTULO 18 - JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO: ESTRUTURA ORGANIZACIONAL EM TEMPO DE PAZ E PECULIARIDADES

18.4. JULGAMENTO MONOCRÁTICO PELO JUIZ FEDERAL

 

O inciso I-B do art. 30 da Lei nº 8.457/1992, incluído pela Lei nº 13.774/2018, prevê que o Juiz Federal da Justiça Militar, monocraticamente, ou seja, sozinho, processará e julgará civis nas situações previstas nos incisos I e III do art. 9º do CPM e, também, militares quando estes estiverem sendo acusados em conjunto com civis:

 

Art. 30. Compete ao juiz federal da Justiça Militar, monocraticamente: (Redação dada pela Lei nº 13.774, de 2018)

(...)

I-B - processar e julgar civis nos casos previstos nos incisos I e III do art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), e militares, quando estes forem acusados juntamente com aqueles no mesmo processo; (Incluído pela Lei nº 13.774, de 2018)

(...)

 

Como dito anteriormente, em virtude das alterações efetivadas pela Lei nº 13.491/2017 no CPM, aumentando, consequentemente, a competência da Justiça Militar, vários delitos penais previstos na legislação penal serão processados e julgados por esta justiça especializada, são os chamados crimes militares por extensão1 que, ressalte-se, não estão previstos no CPM, como é o caso, por exemplo, do crime previsto no art. 337-E do CP, que assim dispõe:

 

DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)

Contratação direta ilegal (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)

Art. 337-E. Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei: (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)

 

Estou citando esse delito (art. 89 da Lei nº 8.666/1993: foi revogado pela Lei nº 14.133/2021 e atualmente esse tipo penal está previsto no art. 337-E do CP) como exemplo em virtude de que foi esse o delito do primeiro processo criminal2 que tive a oportunidade de atuar devido às mudanças procedimentais decorrentes da Lei nº 13.491/2017, tratava-se de um Capitão de Fragata (equiparado a Tenente Coronel) que me contratou para defendê-lo na Auditoria Militar de Bagé/RS (3ª Circunscrição Judiciária Militar), sendo interessante a transcrição de trecho da decisão que recebeu a denúncia, haja vista mencionar essa “mudança procedimental”:

 

Revestida das formalidades legais ínsitas no artigo 41 do Código de Processo Penal (CPP), bem como a alteração promovida pela Lei 13.491/17 (e o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, RMS 57.118/SP, julgado em 12/06/2018), e não concorrendo quaisquer das hipóteses previstas no art. 395, I, II e III do CPP, RECEBO a denúncia ofertada pelo Ministério Público Militar, pela prática de conduta delituosa prevista no art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93, em desfavor de:

(…)

Considerando os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 127.900, será designada audiência para interrogatório dos réus ao final da instrução processual, dando-se, desse modo, interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 104, da Lei nº 8.666/93.

Cite-se o primeiro denunciado, por carta precatória (art. 353, do CPP) a ser expedida para a Justiça Militar da União no Rio de Janeiro/RJ (devendo ser observado o disposto no art. 358, do Códex Processual Penal Comum), para apresentar Defesa Escrita, no prazo de 10 (dez) dias, na qual poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interessar à sua defesa, podendo juntar documentos, arrolar as testemunhas que tiver, em número não superior a 5 (cinco), e indicar as demais provas que pretenda produzir.

(...)

 

Esse cliente militar estava sendo processado junto com 1 (um) civil, logo, deveria ser aplicado o previsto no inciso I-B do art. 30 da Lei nº 8.457/1992, ou seja, o processamento e o julgamento da Ação Penal Militar seria feita monocraticamente pelo Juiz Federal e não pelos 5 (cinco) juízes do Conselho Especial de Justiça para a Marinha.

Posteriormente à decisão que recebeu a denúncia, o Juiz Federal Substituto da Justiça Militar da União Jocleber Rocha Vasconcelos decidiu não sortear os juízes do Conselho Especial de Justiça, posto que o processo e o julgamento da Ação Penal Militar deveria ser de forma monocrática, conforme se observa na brilhante fundamentação jurídica feita pelo magistrado em 12.02.2019 que merece ser transcrita e que, por si só, é suficiente para a compreensão jurídica do tema exposto neste subtópico deste Capítulo:

 

CONSIDERANDO o disposto nos artigos 124 e 125, da Constituição Federal, nos quais é estampada a competência da Justiça Militar (Federal ou Estadual) para processar e julgar os crimes militares definidos no Código Penal Militar, litteris:

 

"Art. 124. à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar.

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

[...].

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares." (grifo nosso)

 

CONSIDERANDO que da leitura dos dispositivos constitucionais acima transcritos, no tocante à Justiça Militar da União, o Constituinte Originário não fez qualquer restrição acerca do processamento e julgamento de civis, diferentemente do que ocorre na Justiça Militar Estadual;

 

CONSIDERANDO o posicionamento doutrinário, sobre a competência da Justiça Militar, verbis:

 

"Quanto à competência criminal, tanto a Justiça Militar da União quanto a Justiça Militar dos Estados só tem competência para processar e julgar crimes militares. De fato, segundo o art. 124 da Constituição Federal, à Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Por sua vez, segundo a primeira parte do art. 125, § 4º, da Carta Magna, compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei. " (Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima - 6ª. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2018)

 

CONSIDERANDO o posicionamento do Egrégio Superior Tribunal Militar, no que concerne à competência da Justiça Militar, in fine:

 

"EMBARGOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. I - A competência da Justiça Militar da União, no caso concreto, é constitucional e em razão da lei. Atribuir, no caso vertente, a competência ao Tribunal do Júri para processá-lo e julgá-lo, o que só poderia ser alcançado, via mudança constitucional, porque o conceito de crime começou pela Constituição que dá competência exclusiva à Justiça Militar da União para processar e julgar os crimes militares definidos em lei, sem especificar em que situações, deixando isso a cargo da lei ordinária, como se vê do art. 124, preenchido o requisito constitucional, só então, passa-se ao art. 9º, do CPM, juntamente, com o tipo incriminador. [...]. IV - Decisão unânime. (STM, Embargos Infringentes e de Nulidade n° 57-90.2008.7.01.0301 - DF, grifo nosso)

 

CONSIDERANDO que existiam diversos textos doutrinários e digressões teóricas acerca da pertinência do julgamento de civis no modelo de escabinato, sobretudo a partir das alterações promovidas pela EC 45/2004 na redação do art. 125, §5º, da CRFB/88 (que trata do julgamento monocrático de militar estadual por crimes cometidos contra civis e por ações judiciais contra atos disciplinares);

 

CONSIDERANDO a deflagração de processo legislativo para alteração da Lei 8.547/1992 (Organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus Serviços Auxiliares), que culminou na publicação da Lei nº 13.774, de 19 de dezembro de 2018;

 

CONSIDERANDO, que toda a discussão existente em torno do órgão julgador dos crimes cometidos por civis veio a ser solucionada através na alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.774/ 2018;

 

CONSIDERANDO que antes da alteração promovida pela Lei 13.774/2018, a doutrina penalista lecionava, litteris:

 

"Quanto ao órgão jurisdicional, todo e qualquer crime de competência da Justiça Militar da União será julgado por um Conselho de Justiça. De maneira diversa, na Justiça Militar dos Estados, a competência poderá ser exercida tanto por um Conselho de Justiça quanto, singularmente, pelo juiz de direito do juízo militar, na esteira do que dispõe o art. 125, § 5º, da Constituição Federal. O Conselho de Justiça é composto, na forma de escabinato, pelo Juiz-auditor ou Juiz-Auditor substituto (na Justiça Militar da União), ou pelo juiz de direito do juízo militar (na Justiça Militar dos Estados), e por mais quatro juízes militares, os quais são sorteados dentre oficiais da carreira. Ao contrário do que se dá perante o Tribunal do Júri, em que os jurados decidem tão somente acerca da existência do crime e da autoria, fixando o juiz-presidente a pena em caso de condenação, no âmbito do Conselho de Justiça, cabe a todos os integrantes a decisão sobre o crime, bem como sobre a aplicação da sanção penal. (Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima - 6ª. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2018)

 

CONSIDERANDO que antes da alteração legislativa promovida pela Lei 13.774/2018 o órgão jurisdicional de 1ª instância da Justiça Militar da União com competência para julgamento de crimes militares restringia-se, tão somente, ao Conselho de Justiça, não havendo qualquer competência ao Juiz Federal da Justiça Militar (nova denominação do juiz togado - que anteriormente chamava-se Juiz-Auditor);

 

CONSIDERANDO que a alteração legislativa (Lei nº 13.774/2018) trouxe a seguinte competência para o Juiz Federal da Justiça Militar, monocraticamente, litteris:

 

"Art. 30. Compete ao juiz federal da Justiça Militar, monocraticamente: (Redação dada pela Lei nº 13.774, de 2018)

I - decidir sobre recebimento de denúncia, pedido de arquivamento, de devolução de inquérito e representação;

I-A - presidir os Conselhos de Justiça; (Incluído pela Lei nº 13.774, de 2018)

I-B - processar e julgar civis nos casos previstos nos incisos I e III do art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), e militares, quando estes forem acusados juntamente com aqueles no mesmo processo; (...)."(grifo nosso)

 

CONSIDERANDO, nesse contexto, o seguinte excerto do artigo "A Reforma da Justiça Militar da União: comentários à Lei nº 13.774, de 19 de dezembro de 2018", de autoria do Juiz Federal Substituto da Justiça Militar, Dr. Luiz Octavio Rabelo Neto, in fine:

 

"Anteriormente à Lei nº 13.774, a competência singular do Juiz togado da JMU era plena tão somente na fase pré-processual e na execução penal. As ações penais militares eram julgadas

sempre pelos conselhos de justiça.

O civil era julgado pelos Conselhos Permanentes de Justiça (art. 16, "b", LOJMU) e, nos casos em

que acusado juntamente com oficial das Forças Armadas estivessem no mesmo processo, o civil era julgado pelos Conselhos Especiais de Justiça (art. 23, § 3º, LOJMU). Sempre defendemos ser inconstitucional e incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos o

julgamento de civis por militares da ativa.

A competência da JMU para o julgamento penal de civis tem sido contestada. Com esse objeto, tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), dentre outras causas, a Arguição de Descumprimento de Preceito fundamental (ADPF) 289, proposta pelo Procurador-Geral da República (PGR) em 15/08/2013, que tem por objetivo conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 9º, incisos, I e III, do CPM, para que seja reconhecida a incompetência da JMU para julgar civis em tempo de paz e para que estes crimes sejam submetidos a julgamento pela justiça comum, federal ou estadual. Na mesma diretriz, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5032, ajuizada em 14/08/2013, também pelo PGR, tem por objetivo a declaração de inconstitucionalidade do § 7º do art. 15 da Lei Complementar nº 97/1999, que considera atividade militar, para fins de determinação de competência da JMU, determinadas atribuições subsidiárias das Forças Armadas, como, por exemplo, as operações para garantia da lei e da ordem.

Com a Lei nº 13.774, a força argumentativa dessas demandas restou sensivelmente reduzida, visto que, embora ainda se julgue civil na JMU, esse julgamento não será feito por militares da ativa, mas por um juiz civil. Com isso, muito mais do que antes da nova lei, torna-se clara a improcedência dos pedidos formulados nessas demandas." (grifo nosso)

 

CONSIDERANDO que, pela mens legis, resta claro que a intenção do legislador foi afastar, de qualquer modo, o julgamento de civis por militares da ativa (integrados ao Poder Executivo e às Forças Armadas), já que civis não estão submetidos às regras de hierarquia e disciplina;

 

CONSIDERANDO que, pela atual redação do artigo 27 da Lei 8.457/1992, resta claro que os Conselhos de Justiça (Especial ou Permanente) possuem competência tão somente para processar e julgar militares; ou seja, não havendo qualquer previsão legal para julgamento de civis, litteris:

 

"Art. 27. Compete aos conselhos:

I - Especial de Justiça, processar e julgar oficiais, exceto oficiais-generais, nos delitos previstos na legislação penal militar,

II - Permanente de Justiça, processar e julgar militares que não sejam oficiais, nos delitos a que se refere o inciso I do caput deste artigo." (grifo nosso)

 

CONSIDERANDO que a alteração trazida pela Lei nº 13.774/2018 versa sobre matéria de competência absoluta, "ex vi legis", que reverbera, inclusive, em não aplicação da regra de perpetuatio jurisdictionis (artigo 43 do CPC);

 

CONSIDERANDO que a nova lei, por tratar de matéria processual, impõe que os atos a serem praticados após a sua vigência sejam por ela regulados, já que as normas processuais penais possuem aplicabilidade imediata (artigo 2º do CPP e artigo 5º do CPPM);

 

CONSIDERANDO que compete ao Juiz prover a regularidade do processo e a execução da lei, bem como manter a ordem no curso dos respectivos atos, consoante disposto no artigo 36, do CPPM;

 

CONSIDERANDO que, na presente Ação Penal Militar, respondem por crime licitatório um réu militar (Guilherme Caldas Alexandre) e um réu civil (Dimicley Roberto Dias Gallo), e que a Lei 13.774/2018 é expressa na parte final do seu art. 30, I-B, no sentido de que cabe ao juízo monocrático processar e julgar os militares juntamente com os civis, inclusive os oficiais (cujo Juiz Natural seria, per si, o Conselho Especial de Justiça), o que foi reforçado com a nova redação do art. 23, §3º da LOJM, que suprimiu a alusão ao julgamento de civis pelo referido Órgão Colegiado;

 

Chamo o feito à ordem e DECIDO, desde logo, diante dessas considerações, DEIXAR DE SORTEAR os juízes do Conselho Especial de Justiça, em qualquer hipótese, retificando parcialmente a decisão do evento 1 que postergou este ato para após a análise das defesas escritas, passando a atuar na presente Ação Penal Militar de forma MONOCRÁTICA, para todos os fins, em obediência à nova redação da Lei de Organização da Justiça Militar da União.

 

Assim, verifica-se que o civil, a partir da inclusão do inciso I-B no art. 30 da Lei nº 8.457/1992, passou a ser processado e julgado pela Justiça Militar da União somente pelo Juiz Federal de forma monocrática, isto é, sem a participação de 4 (quatro) juízes militares.

___________________________

1Prefiro chamá-lo de “crime comum de natureza militar”.

2Não informarei o número do processo criminal a fim de preservar o sigilo profissional em relação ao meu cliente.

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