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CAPÍTULO 18 - JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO: ESTRUTURA ORGANIZACIONAL EM TEMPO DE PAZ E PECULIARIDADES

18. INTRODUÇÃO

 

Existem momentos difíceis em nossas vidas que acabam por nos trazer benefícios muito significativos para o restante de nossa trajetória neste mundo. Digo isso porque foi em virtude de uma ilegal prisão em flagrante contra minha pessoa na Base Aérea do Recife, culminando num processo criminal na Justiça Militar da União (7ª Circunscrição da Justiça Militar – 7ª CJM) que adentrei no estudo do direito penal e processual militar.

Em 2006, quando estava cumprindo punição disciplinar de 06 (seis) dias nas dependências da Base Aérea do Recife – BARF - por ordem do então Comandante do Terceiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo - CINDACTA 3 - foi ordenado pelo Comandante da BARF que os Oficiais de Dia me acordassem de hora em hora durante todo o período de punição disciplinar, ou seja, 06 (seis) dias. Isso mesmo, de hora em hora, onde eu era acordado pelo Soldado do Hotel de Trânsito dos Suboficiais e Sargentos da BARF, para após vestir a farda, andar uns 50 (cinquenta) metros para me apresentar ao Oficial de Dia: um absurdo não é mesmo? Não diria um absurdo, mas sim tortura psicológica!

A tortura somente parou devido a uma liminar1 concedida pela Justiça Federal nos autos do habeas corpus nº 2006.83.00.014968-0 (4ª Vara Federal de Pernambuco) que elaborei escondido. O habeas corpus foi escrito à mão durante a madrugada e consegui passar para um militar protocolar na Justiça Federal e entregar uma cópia no MPF. No segundo dia de tortura, no final da tarde, recebi a comunicação de que o Juiz Federal Gustavo Pontes Mazzocchi estava me aguardando para audiência, assim como também estavam aguardando os Comandantes da BARF e do CINDACTA 3.

O despacho do Juiz Federal ordenando minha apresentação foi a seguinte:

 

De conformidade com o art. 656 do Código de Processo penal, determino que o paciente seja apresentado neste Juízo às 15h30min da data de hoje.

Requisite-se a apresentação às autoridades impetradas, fazendo-se constar da determinação as advertências contidas no art. 656, parágrafo único, do CPP.

Na oportunidade, o paciente será interrogado, tal como determina o art. 660 do referido diploma processual, decidindo-se em seguida, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

Requisitem-se as informações de praxe dos impetrados, que deverão ser oferecidas por escrito no horário designado para a audiência, facultando-se que, se assim preferirem, compareçam pessoalmente a fim de esclarecer os fatos.

Intime-se o Ministério Público Federal, imediatamente, a fim de que se faça presente ao ato.

Em 15-12-2006.

Gustavo Pontes Mazzocchi

Juiz Federal Substituto

 

Nessa audiência, o Juiz Federal ordenou (concedeu liminar) que parassem de me acordar de hora em hora, e assim, cessou a tortura psicológica, porém, em virtude dessa tortura, ocorreu que danifiquei o quarto onde estava detido, e por isso fui preso em flagrante pelo delito de dano, previsto no art. 259 do CPM.

Porém, a Justiça foi feita e fui absolvido da acusação de cometimento de crime militar de dano. Todavia, essa experiência foi muito significante para minha atual profissão de Advogado, pois conheci na prática o processo penal militar e, coincidentemente, no dia da leitura da sentença que me absolveu, foi exatamente o dia em que comecei a atuar como Advogado na Justiça Militar da União, defendendo 4 (quatro) militares acusados de usura pecuniária (art. 267 do CPM), tendo conseguido a absolvição de todos no final do processo criminal.

Tanto o MPF quanto o MPM, posteriormente, foram acionados para analisar o caso de possível crime de tortura, tendo o assunto chegado à Procuradoria-Geral da República. Ocorreu, entretanto, que o Juiz Federal se considerou incompetente para julgar o delito e a Justiça Militar também alegou sua incompetência. E quem deteve a competência para processar e julgar os atos criminosos praticados por essas autoridades militares? Nenhum órgão do Poder Judiciário quis ser competente e por isso ninguém foi processado e nem punido. Infelizmente o sistema é muito forte. E, como, à época, eu não era Advogado, pois militar está proibido de advogar, não pude tomar as providências cabíveis em relação a essa “incompetência” generalizada do Poder Judiciário de não querer processar e julgar os Coronéis pela prática, em tese, do crime de tortura.

A Justiça Militar é algo, vamos dizer, fora do comum jurídico, não havendo nenhum outro órgão do Poder Judiciário que seja, ao menos, parecido. Alguns2 alegam que se assemelha com o Tribunal do Júri, mas, isso não é verdade.

Nas faculdades de direito, em regra, somente nos ensinam, e muito pouco, o direito penal e processual penal comum. E, por isso, quando me deparei com o direito penal militar e processo penal militar, percebi, imediatamente, que quase tudo era diferente e que deveria, obrigatoriamente, estudar o direito castrense mais detalhadamente. Porém, deparei-me com uma dificuldade à época (2006): carência de livros especializados em direito penal militar e processo penal militar.

Aprendi, ou melhor, ainda estou aprendendo, na prática e pelos poucos livros especializados, as peculiaridades do direito penal e processual castrenses. E, a cada audiência, julgamento, requerimento, etc, surpreendo-me com a Justiça Militar da União. E, por isso, ainda, pretendo lançar um livro sobre o direito processual penal militar, a fim de facilitar o aprendizado de Advogados que atuam ou pretendam atuar na Justiça Militar.

Esse Capítulo é uma breve introdução da estrutura organizacional da Justiça Militar da União e, provavelmente, os leitores irão se surpreender sobre o seu funcionamento. Meu objetivo é, principalmente, esclarecer ao militar sobre as peculiaridades dos órgãos do Poder Judiciário que o processarão e julgarão em caso do cometimento, em tese, de crime militar previsto no CPM ou crime comum de natureza militar (crime militar por extensão) previsto na legislação penal, haja vista as alterações efetivadas pela Lei nº 13.491/20173 no inciso II do art. 9º do CPM.

Crimes militares por extensão são ilícitos penais previstos na legislação comum quando ocorridos em uma das circunstâncias do inciso II do art. 9º do CPM, ou seja, são aqueles crimes previstos exclusivamente na legislação penal comum4 (CP e na legislação extravagante).

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1A liminar foi somente para proibir que me acordassem de hora em hora durante a noite, tendo sido mantida a detenção disciplinar.

2Alguns leitores, de início, poderão até afirmar que a Justiça Militar é um Tribunal de Exceção (proibido pela CF/88), porém isso não é verdadeiro. Ocorre que, a Justiça Militar é diferente, possuindo estrutura e procedimentos específicos, em virtude das peculiaridades da vida castrense.

3Esse assunto foi detalhadamente explanado no tópico nº 2 do Capítulo 2.

4Exemplos: crimes de abuso de autoridade, tortura, disparo de arma de fogo, homicídio culposo ou lesões corporais culposas prevista no Código de Trânsito Brasileiro, delitos penais previstos no Estatuto do Desarmamento, Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei de Licitações, dentre outros.

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