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CAPÍTULO 17 - CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA CIVIL TEMPORÁRIA, NÃO ELETIVA

17. INTRODUÇÃO

 

Muitos militares desconhecem que poderão ser nomeados para cargo1, emprego2 ou função pública3 civil, não eletiva, da administração direta e indireta (autarquias, fundações públicas e entidades paraestatais que são as empresas públicas e sociedades de economia mista), permanecendo na condição de militar (sem terem que pedir baixa), e por isso resolvi desde o ano de 2009 com a 1ª edição deste livro, tecer comentários sobre esse assunto.

Porém, acredito que a partir do ano de 2018, após centenas de militares da ativa terem assumido cargos públicos não eletivos pelo fato de o Presidente da República ser militar inativo do Exército, esse desconhecimento citado no parágrafo anterior foi, certamente, amenizado significativamente.

Pode-se afirmar que cargo (ou emprego ou função) público civil temporário, em regra, é aquele que não é preenchido através de concurso público, onde o ocupante do mesmo poderá ser exonerado a qualquer momento, ou seja, é cargo de natureza precária.

Os conceitos de administração direta e indireta estão muito bem resumidos por Maximilianus Cláudio4:

 

1. Administração direta. É constituída pelos governos da União, dos estados e dos Municípios e seus Ministérios e Secretarias.

2. Administração indireta. Compõe-se das autarquias, fundações públicas e entidades paraestatais, representadas estas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista. Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação (CF, art. 37, XIX, na redação da EC 19, de 4.6.98).

 

Os incisos I a IV do art. 5º do Decreto-Lei nº 200/1967, que regula a organização da administração federal5, podem ser utilizados em nosso estudo, pois assim conceituam:

 

Art. 5º. Para os fins desta lei, considera-se:

I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.

III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.

IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.

(...)

 

Ocorre que essa nomeação é efetivada somente após alguns trâmites administrativos, por isso resolvi tecer alguns comentários sobre a parte burocrática, a fim de que os militares tenham conhecimentos básicos de como devem proceder para serem nomeados para cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva. Também discorrerei, com base na legislação castrense, sobre os efeitos administrativos na carreira do militar decorrentes da nomeação a um cargo público civil, não eletivo.

Importante esclarecer que o presente estudo será, exclusivamente, sobre cargo, emprego ou função pública civil “temporária” de natureza não eletiva, não se confundindo, assim, por exemplo, com o acúmulo pelo militar de cargo civil público “permanente” nas funções de professor ou profissional da saúde, conforme permissão autorizada pela CF/88 com a promulgação da EC nº 77/2014 que alterou o inciso II do art. 3º do art. 142:

 

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

(...)

II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea "c", será transferido para a reserva, nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 77, de 2014)

(...)

 

A hipótese prevista na alínea c do inciso XVI do art. 37 da CF/88, que permite essa acumulação de cargos militar e civil, assim dispõe:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

 

E um detalhe importante que, embora fuja ao presente estudo, mas se faz oportuno como forma de que os militares tenham cautela ao pretenderem assumir cargos públicos civis “permanentes” em desacordo com o inciso II do art. 3º do art. 142, é o que aconteceu quando o TCU investigou acumulações inconstitucionais nas Forças Armadas, podendo citar o ocorrido no âmbito do exército, conforme se observa na leitura abaixo extraída do acórdão proferido em 2014 nos autos da TC6 023.311/2011-8:

 

Cuidam os autos de auditoria realizada pela Secretaria de Fiscalização de Pessoal (Sefip) no Comando do Exército, no período entre 15/8/2011 e 1º/6/2012, com o objetivo de verificar a existência de casos de acumulação de vencimentos, proventos ou pensões, por militares da ativa, da reserva, reformados e pensionistas em desconformidade com o que dispõe a Constituição Federal de 1988, legislação e jurisprudência pertinentes.

2. Após a realização de inúmeras sindicâncias pelo Comando do Exército que asseguraram aos interessados o direito ao contraditório e à ampla defesa, restaram identificadas pela Sefip as seguintes irregularidades:

a) 659 militares da ativa acumulando cargos públicos, em desrespeito ao art. 142, § 3º, incisos II e III, da CF/1988;

b) 96 militares da reserva ou reformados que, após a passagem para a inatividade, ingressaram em cargos públicos inacumuláveis, em desrespeito ao art. 37, § 10, da CF/1988;

c) 73 militares da reserva ou reformados que acumularam cargos públicos ilicitamente quando estavam na ativa, em desrespeito ao art. 94, § 3º, da CF/1967 (redação original), art. 93, § 4º, da CF/1967 (com redação dada pela EC 1/1969), art. 42, § 3º, da CF/1988 (redação original) e art. 142, § 3º, II, da CF/1988 (com redação dada pela EC 18/1998);

d) 6 pensões inacumuláveis instituídas em desrespeito ao art. 93, § 4º, da CF/1967 (com redação dada pela EC 1/1969), art. 42, § 3º, da CF/1988 (redação original), art. 29, II, da Lei 3.765/1960 e a jurisprudência do STJ (AgRg no Recurso Especial nº 853.016-RJ) e do TCU (Acórdão 1.897/2011-TCU-Plenário).

(…)

9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos esses autos que tratam de auditoria realizada no Comando do Exército com o objetivo de verificar a existência de casos de acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas, bem como de proventos e pensões, por militares da ativa, da reserva, reformados e instituidores de pensão, em desconformidade com o que dispõem a Constituição Federal, a legislação e a jurisprudência pertinentes.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. determinar ao Comando do Exército a adoção das seguintes providências, observado o direito ao contraditório e à ampla defesa, podendo utilizar, por paradigma, os procedimentos previstos no art. 133 da Lei 8.112/1990, aplicável aos casos de acumulação indevida de cargos públicos na esfera civil:

9.1.1. no que se refere aos militares da ativa pertencentes ao quadro de saúde que acumulam cargos públicos exclusivos de profissionais de saúde (tabelas 1 e 2, peças 23 e 24), verifique a existência de compatibilidade de horários, para que se possa fazer incidir sobre tais situações a nova redação dos incisos II e III do § 3º do art. 142 da Constituição Federal, dada pela EC 77/2014, e apresente a este Tribunal, em 180 (cento e oitenta dias), os resultados dessa verificação;

9.1.2. no que se refere aos demais militares da ativa que acumulam cargos públicos, não abrangidos no item 9.1.1, em desrespeito ao art. 142, § 3º, II e III, da Constituição Federal (tabelas 1 e 2, peças 23 e 24), interrompa as acumulações inconstitucionais no prazo de até 120 (cento e vinte) dias contados a partir da ciência desta deliberação;

9.1.3. no que se refere aos militares da reserva ou reformados que, após a passagem para a inatividade, ingressaram em cargos públicos inacumuláveis (tabelas 5 e 6, peças 27 e 28), interrompa a acumulação irregular, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da ciência desta deliberação;

9.1.4. no que se refere aos militares da reserva ou reformados que acumularam cargos públicos ilicitamente quando estavam na ativa, em desacordo com a legislação que lhes é aplicável (tabela 10, peça 32), excetos aqueles relativos aos militares pertencentes ao quadro da saúde que acumularam cargos públicos exclusivos de profissionais de saúde, bem como os militares que, até a data de publicação da Lei 9.297/1996, assumiram cargo público de professor, adote medidas, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da ciência desta deliberação, com vistas a regularizar a acumulação irregular, uma vez que o exercício concomitante dos dois cargos ocorreu enquanto o militar ainda se encontrava na ativa;

9.1.5. no que se refere às pensões instituídas por (nomes excluídos intencionalmente), instituídas em desacordo com o art. 93, § 4º, da Constituição Federal de 1967 (com redação dada pela Emenda Constitucional 1/1969), art. 42, § 3º, da Constituição Federal (redação original), art. 29, II, da Lei 3.765/1960 e à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no Recurso Especial 853.016-RJ) e deste Tribunal (acórdão 1897/2011-TCU-Plenário), adote medidas, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da ciência desta deliberação, com vistas a interromper os pagamentos de pensões inacumuláveis (peça 74, p. 1-32);

9.1.6. apure os indícios de acumulação ilegal pendentes de análise (peças 37-39 e 78-79) e regularize os casos em que se concluir pela ilegalidade, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados a partir da ciência desta deliberação;

9.1.7. investigue, na sua jurisdição, se há militares reformados recebendo, ou que receberam, auxílio-invalidez concomitantemente ao exercício de atividade remunerada em cargos públicos civis e, se existirem, providencie a imediata suspensão do pagamento do benefício, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da ciência desta deliberação, bem como a restituição ao erário dos valores indevidamente pagos nos últimos cinco anos;

9.2. determinar ao Comando do Exército que informe a esta Corte de Contas, até o vencimento dos respectivos prazos para o cumprimento das determinações ora expedidas, as providências adotadas e os resultados obtidos em cada caso;

9.3. determinar à Sefip que proceda ao monitoramento do cumprimento das determinações em processo específico;

9.4. dar ciência desta deliberação ao Comando do Exército, para a adoção das providências ora determinadas, e ao Ministério da Defesa, para supervisão ministerial;

9.5. arquivar o processo após as comunicações cabíveis.

 

O Decreto nº 9.088/2017, alterado pelo Decreto nº 10.727/2021, dispõe sobre os cargos e funções considerados de natureza militar previstos no inciso I do caput do art. 81 da Lei nº 6.880/1980, esclarecendo-se que esse decreto não tem importância para nosso estudo, posto não se tratar de cargos, empregos ou funções públicas civis temporários de natureza não eletiva.

Assim, encerrando a presente introdução, nosso estudo se restringirá somente à assunção pelo militar de cargo, emprego ou função pública civil temporária7 de natureza não eletiva8.

___________________________

1Cargo público é a designação dada ao cargo ocupado em repartição ou estabelecimento público sob subordinação ao regime jurídico único, seja a nível federal, estadual ou municipal.

2Emprego público é a designação dada ao emprego ocupado na Administração Direta ou Indireta do Poder Público, sendo regido pelo regime jurídico da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).

3Funções Públicas, de acordo com o ensinamento de Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo – 14ª edição – pág. 227), são plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche (art. 37, V, da Constituição, com a redação dada pelo “Emendão”. Assemelham-se, quanto à natureza das atribuições e quanto à confiança que caracteriza seu preenchimento, aos cargos em comissão. Contudo, não se quis prevê-las como tais, possivelmente para evitar que pudessem ser preenchidas por alguém estranho à carreira, já que em cargos em comissão podem ser prepostas pessoas alheias ao serviço público, ressalvado um percentual deles, reservado aos servidores de carreira, cujo mínimo será fixado por lei.

4UHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1998. p. 27.

5Na esfera federal, temos como exemplos: a) autarquia: ANATEL; b) empresa pública: CORREIOS; c) sociedade de economia mista: PETROBRAS e d) fundação pública: FUNAI.

6Tomada de Contas.

7Esse capítulo não se aplica aos militares que forem nomeados mediante aprovação em concursos públicos.

8Ver Capítulo 15 sobre candidatura de militar às eleições para assunção a cargo civil eletivo.

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