top of page
manualpraticodomilitar.png
CAPÍTULO 16 - HIERARQUIA DAS NORMAS JURÍDICAS NA ADMINISTRAÇÃO MILITAR: BREVES APONTAMENTOS

16.3. HIERARQUIA DAS NORMAS NA ADMINISTRAÇÃO MILITAR

 

Como discorrido anteriormente, os decretos regulamentares federais são emanados por atos do Chefe do Poder Executivo Federal e não poderão contrariar ou extrapolar as normas a que estão subordinados, sob pena de ilegalidade.

Ao Ministro de Estado, conforme inciso II do art. 87 da CF/88, cabe a expedição de instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos.

As Forças Armadas estão subordinadas ao Ministério da Defesa, logo, haverá instruções emanadas deste Ministério que surtirão efeitos na Administração Castrense, mas que, assim como os decretos regulamentares, não poderão contrariar norma hierarquicamente superior, como é o exemplo da Portaria Normativa nº 660/MD, de 19.05.2009, que aprovou o Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas:

 

O MINISTRO DE ESTADO DA DEFESA, no uso da atribuição que lhe confere o inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e considerando a competência delegada pelo Decreto nº 6.806, de 25 de março de 2009, resolve:

Art. 1º. Aprovar o Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas, na forma dos Anexos I e II a esta Portaria Normativa.

Art. 2º. Esta Portaria Normativa entra em vigor no dia 25 de maio de 2009.

NELSON A. JOBIM

 

Essa Portaria Normativa nº 660/MD, de 19.05.2009 é hierarquicamente inferior ao Decreto nº 6.806/2009, logo, não poderá contrariá-lo e, ainda, não poderá restringir1 o que não foi restrito pelo mesmo e não poderá complementá-lo se não houver previsão expressa nesse sentido, sob pena, dentre outros, de cometer ilegalidade.

Assim também, obviamente, ocorrerão com as instruções, portarias, editais2, resoluções, regimentos, dentre outros atos administrativos que, em geral, são editados pelos Comandantes das Forças Armadas e demais autoridades militares dos escalões inferiores.

Segue abaixo decisão do STJ de 2013 em que o Comandante da Marinha inobservou o princípio da hierarquia das normas em relação às regras sobre a promoção na carreira militar:

 

ADMINISTRATIVO. MILITAR. CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS. PROMOÇÃO. ANTIGUIDADE NO SERVIÇO PÚBLICO. PORTARIA 184 DO COMANDANTE DA MARINHA. ILEGALIDADE. PRECEDENTES. 1. A promoção do militar é ato administrativo vinculado, e está atrelada única e exclusivamente ao critério de antiguidade na graduação, consoante disposto nos arts. 17 da Lei 6.880/80 e 24 do Decreto 4034/01. 2. As Portarias da Marinha do Brasil, ao fixarem critérios diversos para a promoção a Sargento, quais sejam, a antiguidade no serviço público, independentemente da antiguidade na graduação, e a contagem de 22 anos de tempo de serviço militar, excederam os limites legais. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp 1219806/RJ - 1ª Turma - Relator Ministro Sérgio Kukina - DJe de 26.08.2013)

 

Vejamos o ensinamento de Bandeira de Mello3 sobre esta pirâmide jurídica:

 

43. Tudo quanto se disse a respeito do regulamento e de seus limites aplica-se, ainda com maior razão, a instruções, portarias, resoluções, regimentos ou quaisquer outros atos gerais do Executivo. É que, na pirâmide jurídica, alojam-se em nível inferior ao próprio regulamento. Enquanto este é ato do Chefe do Poder Executivo, os demais assistem a autoridades de escalão mais baixo e, de conseguinte, investidas de poderes menores. Tratando-se de atos subalternos e expedidos, portanto, por autoridades subalternas, por via deles o Executivo não pode exprimir poderes mais dilatados que os suscetíveis de expedição mediante regulamento.

 

A pirâmide jurídica citada na transcrição acima nada mais é do que a expressão do princípio da hierarquia das normas, onde uma norma inferior não poderá criar, ampliar ou restringir as regras instituídas pela norma superior a que deve obediência.

As portarias4, por exemplo, são meros atos administrativos, não podendo, por isso, criar, ampliar ou restringir tratamentos normativos diversos ou contrários à norma de hierarquia superior, sob pena de violação ao princípio da hierarquia das normas.

Em virtude de a portaria ser hierarquicamente inferior à lei, decreto-lei5 e decreto, não pode estabelecer exigência não prevista nas normas legais superiores a que estão subordinadas.

Segue abaixo, a título de exemplo, decisão de 2013 do TRF5 que desconsiderou portaria da Aeronáutica que restringiu o acesso de militar a cargo público em desacordo a regulamentação prevista no decreto disciplinador da matéria:

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PARA OFICIALATO DA MARINHA. ESTÁGIO DE ADAPTAÇÃO. CONCLUSÃO. PERDA DO OBJETO DA AÇÃO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INOCORRÊNCIA. PORTARIA. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA NO DECRETO QUE REGULAMENTA O CONCURSO. ILEGALIDADE. - Cuida-se de apelação da União contra sentença que determinou a inscrição do autor no Exame de Seleção ao Estágio de Adaptação ao Oficialato do Ministério da Aeronáutica referente ao ano de 2009, bem assim o prosseguimento em todas as fases do processo de promoção ao oficialato, não obstante não tivesse o mesmo sido promovido por merecimento e obtido um parecer favorável de seu comandante, exigências feitas no regulamento do certame. - Não reconhece a alegada ausência de interesse processual, porquanto o autor alega que não prosseguiu no processo de promoção iniciado dois anos antes por conta de um recurso da União que impediu a execução de sentença em feito ajuizado naquela época. Pela mesma razão - ou seja, por tratar o feito anterior de processo de promoção já exaurido, - não se reconhece a litispendência alegada. - O edital de concurso público não pode restringir o acesso aos cargos públicos, além do previsto na norma legal que o regulamenta. Precedente: STJ, AgRg no REsp 1150082, Quinta Turma, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, pub. DJe 02.10.12. - A exigência, como requisito para inscrição do militar, de que o candidato tenha sido promovido pelo critério de merecimento à graduação que possuir na data de inscrição não está prevista no art. 5º do Decreto, n.º 2.996/99, que enumera as condições para inscrição no Concurso de Admissão ao EAOF. Embora não se trate de lei em sentido estrito, o Decreto n.º 2.996/99 é, dentro da hierarquia das normas, superior à Portaria DEPENS n.º 182-T, que aprovou as Instruções Específicas para o Exame questionado. Não pode uma Portaria restringir o acesso além do previsto no Decreto que regulamenta a espécie. Posto isso, resta afastada a norma restritiva do edital ora questionada. - Apelação não provida. (TRF5 - AC nº 200983000034384 – 2ª Turma – Relator Desembargador Federal Fernando Braga - DJE de 20.06.2013)

 

Deve-se ter muita cautela com as portarias e editais referentes a concursos6 internos e externos das Forças Armadas e Auxiliares, em virtude de que poderão ter dispositivos (exigências, por exemplo) em desacordo com normas superiores, e se assim for, poderão ser questionados perante o Judiciário.

Em regra, qualquer norma inferior castrense que amplie, restrinja ou contrarie as regras de norma superior poderá ser considerada ilegal, em virtude do princípio da hierarquia das normas.

 

_______________________________

1ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR. AUXÍLIO-TRANSPORTE. MP Nº 2165-36/2001. DIREITO A TRANSPORTE INTERMUNICIPAL. LIMITAÇÃO DE DISTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL DESPROVIDAS. 1. Cinge-se o cerne da controvérsia à possibilidade de limitação da distância entre o domicílio do militar e o local em que presta serviço, a fim de recebimento de auxílio- transporte. 2. O Autor é militar dos quadros da Marinha do Brasil, servindo no Centro de Guerra Eletrônica da Marinha, localizado na Ilha de Mocangue - Niterói - RJ. Foi comunicado pelo seu superior da suspensão da concessão do Auxílio-Transporte para os 22 (vinte e dois) dias de trabalho, sendo proposto pelo comando o referido auxílio apenas para os finais de semana, em razão de morar em outro município que, segundo a administração, não era exequível o pagamento do auxílio- transporte completo. Possui residência fixa na cidade de São Pedro da Aldeia, a uma distância de 128 Km (cento e vinte e oito quilômetros) do seu local de trabalho, cujo percurso pode ser realizado em média de 1h35min. 3. O auxílio-transporte é benefício instituído pelo art. 1º da MP 2.165-36/2001, que garante o transporte municipal, intermunicipal ou interestadual aos servidores públicos, nos deslocamentos entre a residência e o trabalho e vice-versa. 4. Não há previsão legal que limite a distância entre a residência do servidor e seu local de prestação de serviços - antes, prevendo a Lei a indenização até mesmo de transporte interestadual - não cabe ao setor administrativo determinar a possibilidade do trânsito diário. A limitação imposta pela SGM 302 está em desconformidade com a previsão da MP 2.165-36/2001. Suas limitações extrapolam os limites legais e ferem a hierarquia das normas e o Princípio da Legalidade, impondo restrições contrárias às impostas por Lei. Ato exarado pelo Poder Executivo inválido. 5. Remessa Necessária e Apelação Cível desprovidas. (TRF2 – AC nº 0131481-89.2015.4.02.5102 - 8ª Turma Especializada - Relatora Desembargador Federal Maria Amélia – DJU de 27.06.2016)

2ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR. CONCURSO PÚBLICO. REQUISITOS PARA INSCRIÇÃO PREVISTOS EM DECRETO. INOVAÇÃO NO EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTO INATACADO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. "É inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles" (Súmula 283/STF). 2. O art. 5º do Decreto 2.996/99 estabeleceu expressamente as condições para a inscrição no concurso de admissão ao Estágio de Adaptação ao Oficialato da Aeronáutica EAOF, sem ressalvar a possibilidade de outras normas inferiores estabelecerem outros requisitos. Assim, o item 3.1.1, "k", do edital do certame, ao acrescer novo critério restringindo o acesso ao referido curso, extrapolou os limites do poder regulamentar. 3. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp nº 1203702/PR – 1ª Turma - Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima - DJe de 22.11.2010)

3BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2002. p. 331.

4ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE QUE PORTARIA TERIA APENAS REITERADO OUTRO ATO NORMATIVO DE MESMA HIERARQUIA. ARGUMENTO VEICULADO SOMENTE EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. INOVAÇÃO. MILITAR. PROMOÇÃO. REQUISITOS. TERCEIRO-SARGENTO TAIFEIRO DA AERONÁUTICA. ACESSO À GRADUAÇÃO IMEDIATAMENTE SUPERIOR. REQUISITO TEMPORAL ESTABELECIDO POR DECRETO. MAJORAÇÃO POR MEIO DE PORTARIA. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS NORMAS. CUMPRIMENTO DAS DEMAIS CONDIÇÕES PARA A PROMOÇÃO. ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 07 DESTA CORTE. 1. A questão relativa à Portaria R-46/GC1 ter reiterado a Portaria n.º 622/GM1, de 08 de agosto de 1994, não foi aventada nas razões do recurso especial e, portanto, não comporta conhecimento, na medida em que se configura inovação inviável de ser examinada em sede de agravo regimental. 2. Os ocupantes do cargo de Taifeiros da Aeronáutica possuem o direito de, respeitada a regulamentação existente para os demais quadros da Força Aérea, ascender até à graduação de suboficial, consoante à suas respectivas especialidades, no artigo 1º, § 1.º, da Lei n.º 3.953/61. Precedentes. 3. A regra regulamentadora, de caráter inferior - Portaria - não pode modificar comando normativo de natureza superior - Decreto -, em respeito ao princípio da hierarquia das normas. 4. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (STJ - AgRg no REsp nº 994038/RS – 5ª Turma - Relatora Ministra Laurita Vaz - DJe de 18.05.2011)

5MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO DO ITA. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS NORMAS. ABUSO DE PODER. A portaria que instituiu as normas para o Concurso, deu vigência integral ao caput do artigo 6º, do Decreto n.º 76.323/75, mas ignorou o disposto em seu parágrafo 1º. Uma portaria, por ser norma de hierarquia inferior e de cunho meramente complementar, não tem o condão de alterar disposições emanadas de Decreto-Lei (princípio da hierarquia das normas). Se a Administração, mesmo no exercício de seu poder discricionário, não atende ao fim legal, a que está obrigada, entende-se que abusou do poder. Quando o administrador indeferiu o pedido de efetivação de matrícula do impetrante, tendo este sido considerado apto para ingresso no ITA, em certame que seguiu as norma estabelecidas no Decreto n.º 76.323/75, agiu ilegalmente, violando direito líquido e certo. (STJ - MS nº 5698/DF – 1ª Seção - Relatora Ministra Nancy Andrighi - DJ de 30.10.2000)

6Se o leitor desejar se aprofundar sobre as inconstitucionalidades e ilegalidades mais presentes nos concursos públicos militares e civis, sugiro a aquisição do meu livro Concursos Públicos Militares – Tutelas de Urgência - Teoria e Prática.

bottom of page