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CAPÍTULO 14 - ASSOCIAÇÃO DE CLASSE CONSTITUÍDA POR MILITARES: CONSTITUCIONALIDADE

14.2. CONSTITUCIONALIDADE DA ASSOCIAÇÃO COMPOSTA POR MILITARES

 

Os incisos XVII a XXI do art. 5º da CF/88 conferem status constitucional ao direito de que pessoas criem associações para fins lícitos, e como poderá ser observado, não há qualquer restrição1 às associações compostas por militares:

 

XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

 

Importante é o detalhe contido no inciso XVIII afirmando que a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento. Isso quer dizer que a CF/88 não exige lei específica para que indivíduos criem associações, diferentemente ocorre com as cooperativas, posto que somente poderão ser criadas nos moldes da lei (Lei nº 5.764/1971 – Cooperativas de Trabalho e Lei nº 9.867/1999 – Cooperativas Sociais).

Ora, se a CF/88 e o CC não proíbem que militares sejam associados, e como não há previsão constitucional de lei para regulamentar a criação, composição e funcionamento das associações, tem-se que, inegavelmente, as associações compostas por militares são absolutamente constitucionais. E tal afirmativa tem como suporte jurídico, principalmente, a própria CF/88, quando em seu inciso II do art. 5º prevê que:

 

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

 

As associações, quando de sua criação, deverão apenas respeitar os ditames constitucionais e os arts. 40 a 61 do CC, além de algumas normas burocráticas dos cartórios que serão discorridas posteriormente.

Ocorre, todavia, que leigos, principalmente, integrantes das Forças Armadas, acreditam que uma associação composta por militares é inconstitucional. Alguns alegam que a proibição é decorrente do inciso XVII do art. 5º da CF/88, que veda a associação de caráter paramilitar e outros, que tal prática associativa fere2 os princípios da hierarquia e disciplina da caserna, porém, ambos estão absolutamente equivocados.

Então, a fim de que não restem dúvidas sobre a constitucionalidade das associações compostas por militares, cabível discorrer sobre o que seja uma associação paramilitar.

Alexandre de Moraes3 faz o seguinte comentário sobre a verificação da existência do caráter paramilitar de uma associação:

 

Deverá ser analisado, para o fiel cumprimento deste requisito constitucional, se as associações, com ou sem armas, se destinam ao treinamento de seus membros a finalidades bélicas. Anote-se, porém, que a nomenclatura de seus postos, a utilização ou não de uniformes, por si só não afasta de forma absoluta o caráter paramilitar de uma associação, devendo-se observar a existência de organização hierárquica e o princípio da obediência.

 

Da leitura do art. 16 da Lei nº 7.170/1983 (Crimes contra a Segurança Nacional) extrai-se o que, a princípio, possa ser considerada associação de caráter paramilitar:

 

Art. 16. Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça.

Pena: reclusão, de 1 a 5 anos.

 

De acordo com a ementa abaixo do TRF3, pode-se concluir que uma entidade possuirá caráter paramilitar quando suas atividades puderem ameaçar o Estado Democrático, a ordem política e a administração, ou seja, a ordem pública:

 

HABEAS CORPUS QUE OBJETIVA REVOGAR O DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. ORGANIZAÇÃO PARAMILITAR. AMEAÇA À ORDEM PÚBLICA. ARTIGOS 24 DA LEI Nº 7.170/83, 171, 288 E 328 DO CÓDIGO PENAL E 191 DA LEI Nº 9.729/96. O ART. 30 DA LEI Nº 7.170/83 NÃO FOI RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. AFASTADA A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. CABE À JUSTIÇA FEDERAL JULGAR OS CRIMES POLÍTICOS. ART. 109, INCISO IV, DA CF. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA, PORQUANTO NÃO HÁ OBRIGAÇÃO LEGAL DE OITIVA EXTRAJUDICIAL DO INDICIADO. PRESENTES OS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. ORDEM DENEGADA. - Habeas corpus com o objetivo de revogar prisão preventiva decretada no inquérito apura a prática dos delitos previstos nos artigos 24 da Lei nº 7.170/83, 171, 288 e 328 do Código Penal, bem como no 191 da Lei nº 9.729/96. - Rejeitada a alegação de incompetência da Justiça Federal. A Lei nº 7.170/83, que define os crimes contra a segurança nacional, em seu artigo 30 estabelece a competência da Justiça Militar. Entretanto, nos termos do artigo 124 da Carta Magna, cabe à Justiça Militar julgar, somente, os crimes militares previstos em lei. Portanto, a regra não foi recepcionada pela Constituição de 1988 e a atribuição passou a ser da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, IV, da CF. - Estabelecida a competência da Justiça Federal, à vista da natureza política das condutas averiguadas, os demais delitos investigados são atraídos para o mesmo juízo (Súmula 52 do extinto TFR). A circunstância de o Instituto Nacional de Proteção ao Meio Ambiente - INPAMA, ser registrado no Cartório de Títulos e Documentos da Capital é irrelevante. Não é o órgão onde é registrada a pessoa jurídica que define a competência para a propositura de ação penal. O que importa são os interesses atingidos pela conduta delitiva, em tese, praticada. - É prematuro falar em inexistência de vítimas, porquanto há necessidade de uma instrução probatória, respeitados o contraditório e o devido processo legal, para se concluir se houve efetivamente estelionato e usurpação de função pública. Já há fortes indícios da materialidade deste último crime, que não requer a demonstração de que particular tenha sofrido prejuízo. O sujeito passivo da conduta descrita no artigo 328 do CP é o Estado, titular da moralidade e prestígio necessários ao regular o funcionamento de suas atividades administrativas. Observa-se, ainda, que a representação policial e o depoimento do presidente do INPAMA apontam a utilização de designações de cargos públicos pelos integrantes da instituição. - O registro da entidade no órgão competente não afasta a possibilidade de seus dirigentes praticarem o crime descrito no artigo 191 da Lei 9.279/96. O objeto descrito em contrato social pode ser lícito e os atos praticados em nome da sociedade lesivos ao interesse público. Frise-se, também, que o relatório da autoridade policial indica a existência de documentos com símbolos e brasões, que podem induzir em erro e ser considerados oficiais. - Encontra-se nos autos documentação juntada pelo próprio impetrante a demonstrar que o paciente é secretário geral da entidade. - Não houve cerceamento de defesa por não se ter ouvido o paciente no inquérito policial. Se o procedimento administrativo é dispensável à propositura da ação penal, não há de se falar em obrigatoriedade de se ouvir extrajudicialmente o acusado. O diploma processual penal não determina qualquer notificação prévia à citação e tampouco a oitiva do investigado antes de decretação da prisão preventiva. - A investigação foi iniciada a partir de dossiê elaborado pelo Comando Militar do Sudeste sobre as atividades dos integrantes do INPAMA e do grupo paramilitar "Patrulha Aérea de Resgate - Força Auxiliar de Emergência". O requerente é membro da diretoria da primeira entidade e atua como secretário geral. - Em princípio, o auto de apreensão revela a existência de organização paramilitar. Há plásticos adesivos do PAR - Patrulha Aérea de Resgate e do GTAR - Grupo Tático Aéreo de Resgate, estatutos e regimentos internos, documentos que indicam patentes militares. - Em tese, verifica-se, à vista dos elementos de prova colhidos, a existência de entidade paramilitar, cujas características evidenciam ameaça ao Estado Democrático, à ordem política e à administração pública. O paciente, secretário do INPAMA, está umbilicalmente vinculado a eles. A natureza das entidades constitui grave ameaça à ordem pública. Presentes os requisitos do artigo 312 do CPP. - Ordem denegada. (TRF3 – HC nº 0018776-58.2002.4.03.0000/SP – 5ª Turma – Relator Juiz Federal convocado André Nabarrrete - DJU de 22.10.2002)

 

As associações de classe compostas por militares visam o benefício dos seus associados e não o treinamento com finalidades bélicas, sendo que essas afirmações são fatos públicos e notórios, logo, cabível dizer o seguinte às autoridades militares que entendem que as associações de militares são ilícitas: isso é um absurdo jurídico!

Esclareça-se que as associações de classe não podem sofrer interferência do Estado e nem mesmo, ou melhor, principalmente, das autoridades militares, assim, obviamente, não é necessário que os superiores hierárquicos sejam consultados previamente sobre a criação de uma associação de classe composta por militares.

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1Se a CF/88 não fez nenhuma ressalva à possibilidade dos militares criarem associações, resta indubitável que não há qualquer inconstitucionalidade nas associações de classe compostas por militares. A única restrição é que a associação tem natureza paramilitar.

2Algumas autoridades militares ainda não se conformaram com o fato de que acima da hierarquia e da disciplina existe uma Constituição Federal Democrática que encerrou, por definitivo, a Constituição Ditatorial Militar.

3MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p. 101.

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