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CAPÍTULO 13 - CONSELHO DE DISCIPLINA: EXCLUSÃO OU REFORMA E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

13.4.1. INTERROGATÓRIO DO ACUSADO E LIBELO ACUSATÓRIO

 

O caput do art. 7º do Decreto nº 71.500/1972 assim dispõe:

 

Art. 7º. Reunido o Conselho de Disciplina convocado previamente por seu presidente, em local, dia e hora designados com antecedência, presente o acusado, o presidente manda proceder a leitura e a autuação dos documentos que constituíram o ato de nomeação do Conselho; em seguida, ordena a qualificação e o interrogatório do acusado, o que é reduzido a auto, assinado por todos os membros do Conselho e pelo acusado, fazendo-se a juntada de todos os documentos por este oferecidos.

 

O libelo acusatório é a acusação formalizada dos motivos que ensejaram a submissão do militar ao CD que, nos termos do caput do art. 9º desse Decreto, deverá conter com minúcias1 o relato dos fatos e a descrição dos atos de autoria do militar:

 

Art. 9º. Ao acusado é assegurada ampla defesa, tendo ele, após o interrogatório, prazo de 5 (cinco) dias para oferecer suas razões por escrito, devendo o Conselho de Disciplina fornecer-lhe o libelo acusatório, onde se contenham com minúcias o relato dos fatos e a descrição dos atos que lhe são imputados.

 

Esse dispositivo, acima transcrito, contém uma grave violação do direito constitucional à ampla defesa, pois prevê que o libelo acusatório será entregue ao militar somente após o seu interrogatório.

Analisando-se os arts. 7º e 9º, observa-se que primeiro ocorre o interrogatório e, após, é entregue o libelo: mas como o militar poderá exercer o direito à ampla defesa, se seu interrogatório é anterior à entrega da peça de acusação que, em tese, descreve minuciosamente todos os fatos e atos cometidos pelo militar que ensejaram o CD? Ora, não precisa ter conhecimentos jurídicos para se saber que é regra básica o fato de que para se defender de alguma coisa é necessário saber do que está sendo acusado!

Quando era militar da ativa da Aeronáutica, fui submetido ao CD e já prevendo tal ilegalidade, solicitei (ver Anexo M), antes do interrogatório, vista dos autos com possibilidade de efetuar cópia dos autos, incluindo-se, obviamente, o libelo acusatório, porém, como já havia previsto, meu pedido foi negado sob o fundamento de que o libelo seria entregue na 1ª sessão, ou seja, na audiência de meu interrogatório (ver Anexo N).

A DGPM-315 (3ª revisão) prevê que o interrogatório em sede de CD na Marinha será realizado após a entrega do libelo acusatório na 1ª sessão:

 

4.15.2 - Para a Qualificação e Interrogatório do Acusado

O acusado será qualificado e interrogado (modelo do Anexo L) pelo menos 7 (sete) dias corridos após a primeira sessão, ou seja, 7 (sete) dias corridos após a entrega do Libelo Acusatório (art. 402 do CPPM).

 

Infelizmente, a nova ICA 111-4 de 2019 da Aeronáutica ainda insiste em entregar o libelo acusatório após o interrogatório do acusado, conforme se verifica abaixo:

 

3.10.4 Após a leitura e a autuação dos documentos a que se refere o item 3.10.3, o Presidente determinará a qualificação e o interrogatório do acusado sobre os fatos que deram causa ao CD, o que é reduzido a termo, assinado por todos os membros do Conselho, pelo acusado e, na existência de defensor, também por este; fará entrega ao acusado de cópia do Libelo Acusatório e do ofício de apresentação à Junta de Saúde (se ainda não tiver sido entregue); e, a seguir, serão juntados ao processo todos os documentos oferecidos pelo acusado.

 

Já o parágrafo único do art. 16 da IG-02.021 de 2018 do Exército prevê que o libelo acusatório será entregue ao acusado antes do seu interrogatório:

 

Art. 16. O libelo acusatório conterá:

I - a identificação do acusado (grau hierárquico, nome completo, número do registro de identidade e OM/OPIP de vinculação, no caso de militar da reserva remunerada ou reformado);

II - os dispositivos legais concernentes aos valores, à ética e aos deveres militares violados com as respectivas capitulações nos art. 27, 28 e 31 da Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares);

III - o relato dos fatos e a descrição dos atos em minúcias, com todas as suas circunstâncias e de forma clara e objetiva, com especificação de tempo e lugar, com eventuais apurações, punições ou condenações e consequências decorrentes;

IV - o enquadramento no art. 2º do Decreto nº 71.500/1972; e

V - o rol das testemunhas, em número não superior a 6 (seis) por fato, salvo razões fundamentadas.

Parágrafo único. O libelo acusatório deverá ser entregue ao acusado junto com a notificação para comparecer à primeira sessão do conselho.

 

Então, dou a seguinte dica: caso um militar seja submetido a um CD, antes da audiência para interrogatório, requeira por escrito o direito de ter acesso e retirar cópias dos autos e principalmente do libelo acusatório, informando que tal medida permitirá o exercício constitucional da ampla defesa. E, caso o Presidente do CD indefira o pedido, tal ilegalidade poderá servir futuramente para a anulação do CD mediante ação judicial. E, se durante o interrogatório, alguma pergunta for indeferida pelo Presidente, faz-se necessário requerer que esse indeferimento conste no próprio termo do interrogatório ou em ata, a fim de que, caso necessário, será comprovado em futura ação judicial para anular o CD.

O item nº 3.10.5.4 da ICA 111-4 (2019) já prevê que, caso solicitado, as perguntas indeferidas constarão do termo:

 

3.10.5.4 Na tomada de qualquer depoimento, as perguntas indeferidas, importantes em seu relacionamento com o objeto do CD, deverão constar do termo, caso seja requerido pelo interlocutor.

 

Também sugiro que o Advogado grave todos os depoimentos, que é seu direito, conforme foi devidamente explanado no subtópico 3.1.5 do Capítulo 3.

Os leitores, talvez, estejam se perguntado: o autor, quando era militar e foi submetido ao CD, após ser negado o direito de conhecer, previamente ao interrogatório, o libelo acusatório, ajuizou alguma ação judicial para anular o CD? A resposta é negativa e o motivo foi o seguinte: eu não tinha nenhum interesse em permanecer na Aeronáutica, pois caso fosse excluído, meus beneficiários previdenciários receberiam pensão militar equivalente à minha remuneração integral2 e eu poderia exercer a Advocacia. E foi exatamente isso que ocorreu, e sem dúvidas, minha exclusão foi uma benção e não uma punição.

O interrogatório, seja em âmbito penal, cível ou administrativo, é um meio de defesa e em determinadas situações, a principal e única oportunidade do acusado se defender pessoalmente perante o magistrado ou à autoridade administrativa, logo, o militar-acusado no CD deve estar muito bem preparado física e psicologicamente para prestar seu depoimento.

Não é possível a intervenção de terceiros, inclusive do Advogado, nas respostas do militar, todavia, o Advogado poderá levantar questões de ordem para fins de esclarecimentos sobre essas respostas e, obviamente, o Advogado poderá, ao final, fazer perguntas ao acusado por intermédio do Presidente do CD com suporte no inciso LV do art. 5º da CF/88:

 

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

 

O CD não é um procedimento inquisitorial, assim como é o IPM3, logo, o acusado ou seu defensor, caso esteja sendo representado, possuem o direito de fazer perguntas às testemunhas4 e à vítima, se houver, que forem inquiridas durante a fase de instrução.

É claro que nas razões escritas o Advogado fará a defesa do militar-acusado, podendo, obviamente, complementar e corrigir eventuais falhas ou omissões no depoimento do mesmo, todavia, o ideal é que o interrogatório seja perfeito. Sempre digo aos meus clientes que serão interrogados na Justiça Militar ou em CD que a possível absolvição deles começa no interrogatório e que eu não poderei interferir.

O Decreto nº 71.500/1972 prevê em seu art. 16 o seguinte:

 

Art. 16. Aplicam-se a este Decreto, subsidiariamente5, as normas do Código de Processo Penal Militar.

 

Em 2009 fui contratado para realizar a defesa de 02 (dois) militares da Aeronáutica submetidos ao CD e antes de iniciar os depoimentos dos acusados, por incrível que parece, o Presidente do CD leu o art. 305 do CPPM para cada um deles6:

 

Art. 305. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao acusado que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa.

Perguntas não respondidas

Parágrafo único. Consignar-se-ão as perguntas que o acusado deixar de responder e as razões que invocar para não fazê-lo.

 

O item nº 3.10.4.1 da ICA 111-4 vigente no ano de 2009 fazia esse “alerta inconstitucional” aos acusados no CD:

 

3.10.4.1 Antes de iniciar o Interrogatório, o Presidente informará ao acusado que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio não importará confissão, mas poderá constituir elemento para formação do convencimento dos membros do CD.

 

Para aqueles leitores que conhecem a CF/88, observa-se o absurdo desse ato do Presidente do CD, posto que tal parte final do caput do art. 305 do CPPM está revogada tacitamente em virtude da não recepcionalidade7 pela norma constitucional vigente.

O CPP também continha tal dispositivo não recepcionado, porém, o legislador fez as devidas correções em 2003, conforme se pode observar, respectivamente, na leitura do antigo e do novo art. 186:

 

Art. 186. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa.

 

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

 

Ameaçar acusados no CD de que estão sujeitos ao disposto o art. 305 do CPPM é ilegal, ou melhor, inconstitucional, sendo possível, inclusive, de questionamento judicial, haja vista que tal advertência causa prejuízo à ampla defesa constitucional.

O inciso LXIII do art. 5º da CF/88 permite ao cidadão manter-se em silêncio, logo, adverti-lo de que seu silêncio implicará em auto-incriminação (... o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa...) é absolutamente inconstitucional.

O STF possui jurisprudência pacificada há muito tempo no sentido de que o silêncio do acusado não pode ser interpretado em seu desfavor:

 

I. Habeas corpus: cabimento: direito probatório. Não cabe o habeas corpus para solver controvérsia de fato dependente da ponderação de provas desencontradas; cabe, entretanto, para aferir a idoneidade jurídica ou não das provas onde se fundou a decisão condenatória. II. Chamada dos co-réus na fase policial e o reconhecimento de um deles: inidoneidade para restabelecer a validade da confissão extrajudicial, retratada em Juízo. Não se pode restabelecer a validade da confissão extrajudicial, negando-se valor à retratação, sob o fundamento de que esta é incompatível e discordante das "demais provas colhidas" (C. Pr. Penal, art. 197), especialmente as chamadas dos co-réus na fase policial e o reconhecimento de um deles, que de nada servem para embasar a condenação do Paciente. A chamada de co-réu, ainda que formalizada em Juízo, é inadmissível para lastrear a condenação (Precedentes: CC 74.368, Pleno, Pertence, DJ 28.11.97; 81.172, 1ª T, Pertence, DJ 07.3.03). Insuficiência dos elementos restantes para fundamentar a condenação. III. Nemo tenetur se detegere: direito ao silêncio. Além de não ser obrigado a prestar esclarecimentos, o paciente possui o direito de não ver interpretado contra ele o seu silêncio. IV. Ordem concedida, para cassar a condenação. (STF - HC nº 84.517 – 1ª Turma – Relator Ministro Sepúlveda Pertence – DJ de 19.11.2004)

 

HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO PELOS CRIMES DOS ARTS. 329, CAPUT, E 129, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL QUE CONFERE AO ACUSADO O DIREITO AO SILÊNCIO. O acusado tem o direito de permanecer em silêncio ao ser interrogado, em virtude do princípio constitucional - nemo tenetur se detegere (art. 5º, LXIII), não traduzindo esse privilégio auto-incriminação. No caso dos autos, não há qualquer prejuízo que nulifique o processo, tendo em vista que o silêncio do acusado não constituiu a base da condenação, que se arrimou em outras provas colhidas no processo. Habeas corpus indeferido. (STF - HC nº 75.616 – 1ª Turma – Relator Ministro Ilmar Galvão - DJ de 14.11.1997)

 

Caso o militar acusado seja advertido do previsto no art. 305 do CPPM e se negue a falar, e consequentemente o CD venha a considerar seu silêncio, de alguma forma, como prejuízo para sua defesa, poder-se-á anular o CD perante o Judiciário.

Infelizmente, contrariando o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a atual ICA 111-4 de 2019 ratificou essa flagrante inconstitucionalidade, porém, agora, no item nº 3.10.4.2:

 

3.10.4.2 Antes de iniciar o Interrogatório, o Presidente informará ao acusado que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio não importará confissão, mas poderá constituir elemento para formação do convencimento dos membros do CD.

 

Diferentemente fez o Exército em 2018, haja vista que o art. 47 da IG-02.021 explicita que o silêncio do acusado não será interpretado em seu prejuízo:

 

Art. 47. Por ocasião do interrogatório, o presidente informará ao acusado que não está obrigado a responder às perguntas e que o seu silêncio não importará confissão, nem será interpretado em prejuízo de sua defesa.

Parágrafo único. Consignar-se-ão as perguntas que o acusado deixar de responder e as razões que invocar para não fazê-lo, se apresentadas.

 

Embora já explanado anteriormente, porém de forma resumida, faz-se necessário fazer a seguinte pergunta: é possível que o Oficial defensor8 ou o Advogado façam perguntas ao acusado em seu interrogatório?

Antes de prosseguir nesse tema, faz-se necessário transcrever o § 4º do art. 9º do Decreto nº 71.500/1972, prevendo a possibilidade de que um Oficial seja designado para figurar como defensor do acusado:

 

Art. 9º. Ao acusado9 é assegurada ampla defesa, tendo ele, após o interrogatório, prazo de 5 (cinco) dias para oferecer suas razões por escrito, devendo o Conselho de Disciplina fornecer-lhe o libelo acusatório, onde se contenham com minúcias o relato dos fatos e a descrição dos atos que lhe são imputados.

§ 1º O acusado deve estar presente a todas as sessões do Conselho de Disciplina, exceto à sessão secreta de deliberação do relatório.

§ 2º Em sua defesa, pode o acusado requerer a produção, perante o Conselho de Disciplina, de todas as provas permitidas no Código de Processo Penal Militar.

§ 3º As provas a serem realizadas mediante a Carta Precatória são efetuadas por intermédio da autoridade militar ou, na falta desta, da autoridade judiciária local.

§ 4º O processo é acompanhado por um oficial:

a) indicado pelo acusado, quando este o desejar para orientação de sua defesa; ou

b) designado pela autoridade que nomeou o Conselho de Disciplina, nos casos de revelia.

 

Esse Oficial, indicado pelo acusado para orientá-lo em sua defesa, obviamente, deverá exercer a função de defensor do militar-acusado e não da instituição militar, pois se assim atuar, o CD será nulo, conforme antiga decisão do STF nos autos do Recurso Extraordinário nº 114.342/MG, onde o Oficial defensor do acusado ratificou e complementou a acusação em desfavor do seu defendido, conforme se verifica no seguinte trecho do acórdão de relatoria do Ministro aposentado do STF Octávio Galloti:

 

Situando-se num falso dilema, entre o que julgava ser seu dever de lealdade à Corporação, de um lado, e de outro, a obrigação de defender, advinda de designação, o suposto defensor aderiu inteiramente à personificação do primeiro daqueles dois valores, assumindo, em forma e substância, a posição de acusador do indiciado cujo interesse deveria ter patrocinado. Não se cogita, portanto, da possibilidade de avaliar “a qualidade da defesa apresentada”, com pareceu ao v. acórdão recorrido (fls. 157), mas de simples e objetiva verificação da completa omissão de defesa, que foi substituída por nova peça de acusação, (…)

 

O Decreto nº 71.500/1972 não prevê a possibilidade de que as partes façam perguntas ao acusado ao final do interrogatório, assim, aplica-se, a princípio, o art. 16 do CPPM:

 

Art. 16. Aplicam-se a este decreto, subsidiariamente, as normas do Código de Processo Penal Militar.

 

É o art. 303 do CPPM que poderá ser utilizado de forma subsidiária, entretanto, o seu parágrafo único não prevê que as partes (promotor e defesa) façam perguntas ao acusado, mas apenas levantem questões de ordem:

 

Interrogatório pelo juiz

Art. 303. O interrogatório será feito, obrigatoriamente, pelo juiz, não sendo nele permitida a intervenção de qualquer outra pessoa.

Questões de ordem

Parágrafo único. Findo o interrogatório, poderão as partes levantar questões de ordem10, que o juiz resolverá de plano, fazendo-as consignar em ata com a respectiva solução, se assim lhe for requerido.

 

Todavia, há um precedente do STM no sentido de permitir às partes a formulação de perguntas ao acusado ao final do seu interrogatório pelo magistrado:

 

CORREIÇÃO PARCIAL. INTERROGATÓRIO. ATO TUMULTUÁRIO. INEXISTÊNCIA NO CASO CONCRETO. 1. O moderno processo penal assegura aos acusados ampla defesa e instrução criminal contraditória, de modo a permitir um julgamento justo. 2. Se por um lado o interrogatório é meio de prova para o julgador, para o réu é meio de defesa, motivo pelo qual deve sempre ser observado, em seu favor, o mais amplo direito de tentar provar sua inocência. 3. Não há de ser considerado "ato tumultuário", passível de ser atacado via Correição Parcial, uma decisão do Conselho que, ao final do interrogatório, mas antes de encerrá-lo, visando a busca da verdade real e em respeito ao Princípio Constitucional da ampla defesa, permite que as partes formulem outras perguntas de seus interesses ao interrogando, desde que aferidas a pertinência e a relevância pelo Juiz-Auditor. É o caso dos autos. 4. Não se diga que o artigo 188 do Código de Processo Penal (com a redação dada pela Lei nº 10.792/03) tem o condão de substituir a regra do artigo 303 do Código de Processo Penal Militar. Não substitui e nem poderia fazê-lo, pois embora a legislação comum tenha aplicação subsidiária na Justiça Castrense, a lei específica tem autonomia e prevalência sobre a ordinária. Indeferida a Correição Parcial, mantendo-se a decisão hostilizada. Decisão majoritária. (STM – Correição Parcial nº 2005.01.001888-6 – Relator Ministro FLÁVIO DE OLIVEIRA LENCASTRE – DJ de 03.06.2005)

 

Ou seja, a princípio, as partes não poderão fazer perguntas ao acusado, excetuando-se, em regra, o Presidente do CD, todavia, nada impede que sejam levantadas questões de ordem ao final do interrogatório, que não se confundem com oportunidade de perguntas pelas partes.

Por vezes, quando no exercício da Advocacia na Justiça Militar, levanto questões de ordem, mas que na verdade, são perguntas, e por vezes o magistrado acata tais pedidos, noutras vezes, não.

Diferentemente do art. 303 do CPPM, o art. 188 do CPP permite às partes elaborar perguntas ao acusado:

 

Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.

 

Assim, conclui-se que, em regra, não será permitido ao Advogado ou ao Oficial designado fazerem perguntas no interrogatório previsto no art. 7º do Decreto nº 71.500/1972, entretanto, não há nenhuma irregularidade se o Presidente do CD permitir que a defesa formule perguntas ao acusado com o objetivo de esclarecer os fatos investigados nesse processo administrativo disciplinar.

_______________________________

1ADMINISTRATIVO. MILITAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OBSERVÂNCIA DO DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. 1. Cuida-se de apelação de sentença que denegou mandado de segurança impetrado com o intuito de sobrestar ou anular os atos e efeitos decorrentes do procedimento disciplinar conduzido pelo Conselho Disciplinar instaurado através da Portaria II COMAR nº C 2/SIJ-2, de 20 de fevereiro de 2008. 2. A Constituição Federal de 1988, no art. 5º, LIV e LV, consagrou os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, também, no âmbito administrativo. A interpretação do princípio da ampla defesa visa a propiciar ao servidor, civil ou militar, a oportunidade de produzir conjunto probatório servível para a defesa. 3. A documentação trazida à colação demonstra à saciedade que, desde o início, foi o impetrante cientificado das acusações que lhe eram imputadas. Encontram-se no libelo acusatório todas as infrações imputadas ao ora apelante, descritas de forma minudente, documento este recebido pessoalmente pelo acusado. In casu, apresentou sua defesa, esteve presente a todos os atos praticados, inclusive oitiva de testemunhas, tendo feito uso de todos os meios e recursos inerentes à sua defesa. 4. Da conclusão do processo disciplinar apura-se que o apelante infringiu diversos itens do art. 10 do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, entre eles os fortíssimos indícios de sua participação em assalto à mão armada, fato que consequentemente maculou o nome da Força Aérea Brasileira enquanto instituição, caracterizando assim uma conduta irregular e atos contra a honra pessoal, pundonor militar e decoro da classe; de desrespeitar medidas gerais de ordem policial. Apresentou ainda, comportamento inadequado e não condizente com um Sargento da Carreira da Aeronáutica ao mencionar a hipótese de agredir superiores hierárquicos, (Comandante e Subcomandante), atentando contra a hierarquia e disciplina da instituição. 5. A absolvição criminal não impede a punição do servidor quanto à falta residual administrativa (Súmula 21 - STF), principalmente quando não demonstrada, categoricamente, a não autoria dos fatos ou a inexistência destes. (TRF5 – AC nº 200881000038988 – 2ª Turma - Relator Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto - DJE de 02.06.2010)

2Atualmente a pensão militar aos beneficiários do militar excluído a bem da disciplina não é integral, mas proporcional ao tempo de serviço, haja vista que a Lei nº 13.954/2019 alterou o art. 20 da Lei nº 3.765/1960:

Art. 20. O oficial da ativa, da reserva remunerada ou reformado, contribuinte obrigatório da pensão militar, que perder posto e patente deixará aos seus beneficiários a pensão militar correspondente ao posto que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço. (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

Parágrafo único. Nas mesmas condições referidas no caput deste artigo, a praça contribuinte da pensão militar com mais de 10 (dez) anos de serviço expulsa ou não relacionada como reservista por efeito de sentença ou em decorrência de ato da autoridade competente deixará aos seus beneficiários a pensão militar correspondente à graduação que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço. (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

 

3No Capítulo 3 está explicado sobre as exceções legais, recentes, que permitem o exercício do contraditório e da ampla defesa em sede de IPM.

4CORREIÇÃO PARCIAL. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS. CARTA PRECATÓRIA. QUESITOS NÃO APRESENTADOS. AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO. ART. 5º, INCISO LV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. - Pleito correcional requerido pela Defesa contra o indeferimento do pedido de devolução de carta precatória ao Juízo deprecado para complementação de inquirição de testemunha. - O art. 359 do CPPM cuida de garantir às partes que mesmo que o advogado não possa estar presente na audiência em que se cumpre carta precatória, sua defesa não ficará prejudicada uma vez que seus questionamentos serão formulados à testemunha pelo juízo deprecado. - Não poderão ser recusadas as perguntas das partes, salvo se ofensivas ou impertinentes ou sem relação com o fato descrito na denúncia, ou importarem repetição de outra pergunta já respondida, nos termos do art. 419 do CPPM. - Mesmo tendo sido nomeado defensor ad hoc para representar o acusado na audiência, caso a ampla defesa previstas no art. 5º, inciso LV da CF não tenha sido efetivamente exercida pela falta de resposta aos quesitos da Defesa constituída, fica demonstrado o prejuízo exigido pela Súmula 523 do STF. - CORREIÇÃO CONHECIDA E DEFERIDA. - DECISÃO UNÂNIME. (STM – Correição Parcial nº 0000064-18.2010.7.05.0005 - Relatora Ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha – DJ de 19.10.2010)

5Significa dizer que em havendo omissão nesse Decreto de algum procedimento (prazos, depoimentos, produção de provas, etc) necessário para o regular trâmite do processo administrativo disciplinar (CD), aplicar-se-á as regras processuais contidas no Código de Processo Penal Militar - CPPM. Ou seja, utilizar-se-á o CPPM para complementar o decreto.

6Foi instaurado um único CD para os 02 (dois) militares, todavia, os interrogatórios são separados, pois um não pode ouvir o depoimento do outro, assim como previsto no art. 304 do CPPM (aplicado de forma subsidiária).

7Quando uma norma jurídica anterior à promulgação da Constituição Federal não é compatível com a nova ordem constitucional, diz-se que a norma não foi recepcionada pela Constituição vigente. Inconstitucionalidade quando existe uma norma jurídica contrária e posterior à promulgação da Constituição Federal.

8ADMINISTRATIVO - MILITAR - SARGENTO DA AERONÁUTICA - TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES - DESRESPEITO À HIERARQUIA E À DISCIPLINA CONFIGURADO - DESLIGAMENTO DA FAB – LEGALIDADE. 1. O Estatuto dos Militares é expresso em regular as obrigações, direitos e deveres, além das prerrogativas dos membros das Forças Armadas, estas organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e dentro dos limites da lei. 2. Nos casos de descumprimento dos deveres previstos na legislação militar e, bem assim, daqueles constantes dos regulamentos específicos de cada Força, além da responsabilidade funcional, pecuniária, disciplinar ou penal, a que o militar estará sujeito, à Administração será também permitido, na apuração de tais medidas, decidir pela incompatibilidade do militar para exercer as funções a ele inerentes. 3. Não há ilegalidade no ato de exclusão do Impetrante da Força Aérea Brasileira, na medida em que o procedimento administrativo adotado pela Administração Castrense, através dos quais foram aplicadas diversas punições disciplinares ao militar, obedeceu à forma prevista em lei, respeitando o contraditório e a ampla defesa, estes consubstanciados pela interposição de recurso administrativo junto ao Comandante da Aeronáutica, que, em segunda instância, manteve a decisão do Conselho de Disciplina. 4. Inexistência de prova quanto às alegações de perseguição por parte dos superiores hierárquicos. 5. Apelação desprovida. Sentença confirmada. (TRF2 – AMS nº 200651010122990 – 6ª Turma Especializada - Relator Desembargador Federal Frederico Gueiros - E-DJF2R de 14.09.2010)

9AGRAVO LEGAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA O CONSELHBO DE DISCIPLINA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE NOVA SESSÃO. 1. A ausência de intimação do impetrante para a sessão do Conselho de Disciplina significou violação aos princípios ampla defesa e contraditório. 2. Deve, assim, ser instaurada nova sessão à qual o impetrante deve ser submetido e da qual deve ser previamente intimado. Precedente do STJ. 3. Agravo Legal A Que Se Nega Provimento. (TRF3 – AC nº 0000562-60.2009.4.03.6115 - 1ª Turma – Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini - e-DJF3 de 26.08.2015)

10Questões de ordem são, em resumo, um mecanismo jurídico que poderá ser utilizado pelas partes quando ocorre alguma ilegalidade. Em sendo levantada questão de ordem pelo Promotor ou Advogado, o magistrado deverá conceder-lhe a palavra para que fundamente a “questão de ordem”.

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