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CAPÍTULO 12 - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS: PRISÕES DISCIPLINARES ILEGAIS E PERSEGUISÕES

12.6. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: DEVER DE INDENIZAR

A União Federal é, em regra, parte legítima passiva, exclusiva, para suportar as consequências financeiras do ilícito praticado pela autoridade militar federal das Forças Armadas e em relação aos Policiais e Bombeiros Militares, os legitimados passivos na ação de indenização são, em regra, o respectivo Estado e o Distrito Federal, conforme se depreende da leitura do § 6º do art. 37 da CF/88:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

(...)

 

Destaquei nos 2 (dois) parágrafos acima, em negrito, a expressão em regra a fim de, agora, ressaltar que o militar-ofendido podia, em tese, até 2018, em virtude de divergências doutrinárias e jurisprudenciais, se assim desejasse, incluir o superior hierárquico também como réu na ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público (ex.: União Federal, Estado ou Distrito Federal) responsável, objetivamente, pelo ilícito praticado pelo seu agente público ou ingressar com ação judicial somente contra o agente público, conforme o seguinte entendimento do STJ ratificado em 2018:

 

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.

LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. "É faculdade do autor promover a demanda em face do servidor, do Estado ou de ambos, no livre exercício do seu direito de ação" (STJ, REsp 731.746/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 4/5/2009). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AgInt no AREsp nº 1062833/SP – 4ª Turma - Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti - DJe de 14.06.2018)

 

Todavia, o STF, também no ano de 2018, ratificou seu entendimento, que é contrário ao do STJ, ou seja, não é possível que o agente público, causador do ilícito, seja processado pela vítima, seja em litisconsórcio passivo com o ente público ou sozinho, conforme se depreende da seguinte ementa:

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. REPARAÇÃO DE DANOS. AGENTE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. 1. O entendimento da Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. Esta Suprema Corte firmou o entendimento de que "somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns". Precedentes: RE 228.977, Rel. Min. Neri da Silveira, 2ª Turma; 327.904, Rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma; RE 470.996-AGR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma; RE 344.133, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma; RE 593.525-AgR-segundo, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma; ARE 939.966-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma. 2. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 3. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF - ARE nº 991086 AgR – 1ª Turma – Relatora Ministra Rosa Weber – DJe de 21.03.2018)

 

Importante ressaltar que esse impedimento de ajuizar ação contra o agente público em decorrência de responsabilidade civil prevista no § 6º do art. 37 da CF/88 é uma construção jurisprudencial do STF, não havendo restrição na CF/88 e nem em outra norma legal e, ainda, não se trata de entendimento com força vinculante, ou seja, nenhum magistrado está obrigado a seguir esse posicionamento jurisprudencial, porém, obviamente, é mais prudente que o autor da ação de indenização por responsabilidade civil siga o entendimento pacificado no STF, a fim de não atrasar a decisão definitiva de mérito.

Essa construção jurisprudencial do STF, no meu entendimento, é um incentivo à prática de ilicitudes por agentes públicos, posto que, raramente, os entes discriminados no § 6º do art. 37 da CF/88 ingressam com ação regressiva contra seus servidores civis ou militares, fazendo com que esses agentes públicos fiquem impunes e, sem sombra de dúvidas, essa impunidade incentiva outros agentes públicos a cometerem ilícitos, haja vista a imensa probabilidade de não precisarem ressarcir os prejuízos causados à União Federal, Estados, DF e Municípios nas demandas judiciais iniciadas pelas vítimas dos seus ilícitos.

Entretanto, ressalte-se, em não sendo ação indenizatória em decorrência de responsabilidade civil contra, por exemplo, a União Federal, sem sombra de dúvidas, é possível, em casos específicos, a participação de pessoa física na condição de ré em litisconsórcio passivo necessário, podendo-se citar a seguinte decisão de natureza previdenciária:

 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. DEPENDENTES HABILITADAS À PENSÃO POR MORTE. JUÍZO COMPETENTE. DOMICÍLIO DO AUTOR. 1. É competente para processar e julgar a ação previdenciária ajuizada contra o INSS, o Juízo Estadual do domicílio do autor (segurado ou dependente), o Juízo Federal com jurisdição no seu domicílio e o Juízo Federal da Capital. 2. A formação de litisconsórcio passivo necessário entre o INSS e pessoa física não desloca a competência para o domicílio do corréu, pois a norma constitucional do § 3º do art. 109 prevalece em relação à regra do art. 46 do CPC. 3. Conflito de competência conhecido, para declarar competente o juízo suscitado. (TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO – CC nº5031075-90.2018.4.04.0000 - Relatora Juíza Federal Flávia da Silva Xavier, juntado aos autos em 19.12.2018)

 

A parte final do § 6º do art. 37 da CF/88 informa que está assegurado às pessoas jurídicas de direito público o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, ou seja, a União Federal, Estado e DF poderão ajuizar ação de regresso1 contra o agente público militar causador do ilícito, podendo citar a seguinte decisão abaixo:

 

ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA. INDENIZAÇÃO PAGA PELA UNIÃO. ÓBITO DE CIVIL EM DEPENDÊNCIAS MILITARES. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE DA REDUÇÃO DO VALOR. ADOÇÃO DA TÉCNICA DA MOTIVAÇÃO REFERENCIADA ("PER RELATIONEM"). AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ENTENDIMENTO DO STF. 1. Cuida-se de apelação de sentença (fls. 347/351) que, em sede de ação regressiva, julgou "procedente o pedido formulado na peça inaugural condenando a parte ré a ressarcir à União a quantia de R$ 107.063,50 (cento e sete mil, sessenta e três reais e cinquenta centavos), corrigidos pela Taxa Selic, nos termos do art. 406 do Código Civil". 2. A mais alta Corte de Justiça do país já firmou entendimento no sentido de que a motivação referenciada ("per relationem") não constitui negativa de prestação jurisdicional, tendo-se por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões judiciais. Adota-se, portanto, os termos da sentença como razões de decidir. 3. (...) "In casu, para que surja para a parte requerida o dever de ressarcir os prejuízos suportados pelo erário, em virtude do pagamento de danos morais e materiais à Sra. (nome intencionalmente excluído), é necessário aferir se está presente o nexo de causalidade entre a conduta do réu e o falecimento da Srta. (nome intencionalmente excluído), de modo que se estabeleça a responsabilidade subjetiva do militar quanto àquele fato, bem como se ele agiu com dolo ou culpa. 4. (...) "A conclusão dos peritos que elaboraram o Laudo Técnico Pericial, no decorrer do inquérito policial instaurado para apurar os fatos aqui narrados, foi no sentido de que não há possibilidade técnica de que a vítima tenha procedido com uma ação autocida (fl. 271)." 5. "No dia em que a adolescente (nome intencionalmente excluído) veio a óbito, somente estavam guarnecendo a unidade militar denominada 'Estação Rádio Pina' o réu e o soldado Enéas Figueiredo da Silva que era diretamente subordinado àquele, tendo em vista a diferença de patentes, visto que o demandado é cabo e o outro militar é apenas soldado (fl. 211/212)." 6. "(...), o caderno processual está repleto de provas no sentido de que, ainda que não tenha cometido o homicídio da menor (nome intencionalmente excluído), o réu foi o responsável direto pela presença da jovem no recinto da unidade militar e, consequentemente, pelo acesso dela às armas de fogo que estavam naquele local, sendo inegável o nexo de causalidade entre sua atitude negligente, ao autorizar a entrada da menor na unidade militar e o fato de ela ter vindo a óbito no fatídico dia 19/02/2005." 7. "(...) Ressalte-se que a Srta. (nome intencionalmente excluído) era menor de idade quando do acontecimento dos fatos aqui tratados, logo, relativamente incapaz segundo o art. 4°, I, do Código Civil, o que conduz à presunção de que ela não possuía o perfeito discernimento dos fatos, não sendo este, porém, o caso do demandado, que era o superior hierárquico da unidade militar onde estava de serviço quando do falecimento daquela jovem." 8. No que tange à redução do valor a ser pago a titulo de ressarcimento à União, entendo não ser possível atender ao pleito do apelante. O montante a ser pago em caso de condenação em ação regressiva está vinculado ao que foi despendido pela União, em virtude dos danos ocasionados pelo seu agente, na medida em que o seu objetivo é o ressarcimento do Erário Público. Ademais, alegações de hipossuficiência não possuem o condão de afastar ou reduzir a responsabilidade civil do apelante. Apelação improvida. (TRF5 - AC nº 0002459-96.2012.4.05.8400 – 1ª Turma - Relator Desembargador Federal José Maria Lucena - DJe de 07.01.2015)

 

O art. 43 do CC ratifica a responsabilidade objetiva do Estado e o direito de regresso contra os agentes responsáveis pelo ilícito, quando assim dispõe:

 

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

 

Celso Antônio Bandeira de Mello2 assim conceituou a responsabilidade objetiva do Estado:

 

Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano.

 

Para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado em indenizar, bastará a comprovação do ilícito e do nexo de causalidade, isto é, que o ilícito tenha sido causado pelo agente público.

Consta no Anexo L modelo de petição inicial de Ação Indenizatória Militar.

 

1ADMINISTRATIVO. MILITAR. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO. DIREITO DE REGRESSO. CULPA DO MILITAR COMPROVADA ATRAVÉS DE LAUDO PERICIAL. - Nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da CF/88, a responsabilidade civil do agente público causador do dano é subjetiva, dependendo, dessa forma, da comprovação de que agiu com culpa ou dolo. - In casu, restou devidamente comprovado, através de laudo técnico-pericial, que o servidor militar agiu com culpa, elemento indispensável à caracterização da responsabilidade civil, devendo, portanto, ressarcir o erário dos eventuais prejuízos causados pela sua ação. - Apelo improvido. (TRF5 - AC nº 200405000030838 – 1ª Turma – Relator Desembargador Federal Francisco Wildo - DJ de 18.01.2005)

2BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 847.

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