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CAPÍTULO 12 - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS: PRISÕES DISCIPLINARES ILEGAIS E PERSEGUISÕES

12.1. CONCEITO E CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL

 

O dano moral tem suporte constitucional (CF/88), assim dispondo:

 

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(...)

 

Da leitura do art. 186 do CC pode-se, inicialmente, afirmar que o dano moral é resultado de um ato ilícito:

 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

Esse dispositivo do CC é mencionado no art. 927 do mesmo diploma legal, dispondo o seguinte:

 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

Vejamos as seguintes Súmulas do STJ:

 

SÚMULA nº 37: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

 

SÚMULA nº 326: Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.

 

SÚMULA nº 362: A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.

 

Inicialmente, utilizarei o seguinte ensinamento do, agora, Ministro do STF Alexandre de Moraes1 que tem como suporte o entendimento do STJ:

 

Como decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização”, inclusive em relação aos danos estéticos.

 

De Plácido e Silva2 assim conceitua o dano moral:

 

DANO MORAL. Assim de diz da ofensa ou violação que não vem ferir os bens patrimoniais, propriamente ditos, de uma pessoa, mas os seus bens de ordem moral, tais sejam os que se referem à sua liberdade, à sua honra, à sua pessoa ou à sua família. Em princípio, o dano moral se funda no fato ilícito; é extracontratual, resultante do quase-delito ou do delito, conforme o fato é culposo ou doloso. Mas a indenização dele decorrente implica necessariamente a evidência de uma perda efetiva, consequente da ofensa moral, ou dos lucros cessantes que advieram do fato ilícito.

 

O dano moral não se prova, deve-se sim, obrigatoriamente, provar a ocorrência dos fatos ilícitos, conforme se observa no antigo, porém ainda atual, entendimento do TRF4 ao julgar a aplicação de punição disciplinar ilegal imposta a um militar:

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. PENALIDADE DISCIPLINAR. SUSPENSÃO. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. DANOS MORAIS. DEVER DE INDENIZAR. Esta colenda Corte se posicionou pela exigência de que a punição disciplinar seja precedida de processo administrativo com um mínimo de contraditório e exercício do direito de defesa, ante sua natureza claramente sancionatória, ainda que se trate de procedimentos disciplinares no âmbito militar. Constatada a existência de irregularidade no procedimento administrativo, é de ser determinada a suspensão da punição disciplinar deferida, e a consequente retirada das menções a ela referentes dos registros militares. Doutrina e jurisprudência dizem que, para a comprovação do dano moral, basta a prova do fato; não há necessidade de demonstrar-se o sofrimento moral, mesmo porque é praticamente impossível, por tratar-se de sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, capaz de gerar-lhe alterações emocionais ou prejuízos à parte social ou afetiva de seu patrimônio moral. No arbitramento da indenização advinda de danos morais, o julgador deve valer-se de bom senso e razoabilidade, atendendo às peculiaridades do caso, não podendo ser fixado quantum que torne irrisória a condenação e nem tampouco valor vultoso que traduza enriquecimento ilícito. Prequestionamento delineado pelo exame das disposições legais pertinentes ao deslinde da causa. Precedentes do STJ e do STF. (TRF4 – AC nº 200570000129756/PR – 3ª Turma – Relator Desembargador Federal Vânia Hack de Almeida - DJ de 30.05.2007)

 

É impossível provar o dano moral, pois é algo imaterial, trata-se do íntimo de cada pessoa, ou seja, não é possível comprovar o dano moral da mesma forma que se demonstra o dano material. O dano moral está implícito no ato ilícito praticado pelo ofensor, decorrente da gravidade do ilícito que atinge o íntimo da pessoa humana e, obviamente, o militar poderá sofrer danos morais na caserna.

Afirmei na parte final do parágrafo acima que “poderá sofrer danos morais na caserna” porque, embora óbvio, não é raro a União Federal, ao apresentar contestação (defesa escrita) nas ações indenizatórias propostas por militares, argumentar que o militar não sofre danos morais na caserna pelo fato de que o militar, em tese, é preparado para a guerra.

Segue abaixo ementa de julgamento proferido pelo TRF3 onde foi concedido indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a militar que foi punido disciplinarmente por não ter pedido autorização ao superior hierárquico para participar de concurso público:

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA. PRISÃO DISCIPLINAR DE MILITAR QUE NÃO PEDIU AUTORIZAÇÃO AO SUPERIOR HIERÁRQUICO PARA PARTICIPAR DE CONCURSO PÚBLICO. ATO ANULADO POR MEIO DE DECISÃO JUDICIAL. DANOS MORAIS DEVIDOS EM FACE DO CUMPRIMENTO DE PENA ILEGAL E ARBITRÁRIA. SENTENÇA REFORMADA. 1. A Constituição Federal de 1988 consagra a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, no artigo 37, § 6º, que dispõe: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". 2. Aliás, no direito brasileiro o Estado sempre respondeu, de alguma forma, pelo resultado de sua atuação ou de sua omissão, sendo esta responsabilidade quase sempre objetiva, com base na simples relação de causa e efeito entre a conduta da Administração e o evento danoso, restando consagrada no ordenamento a teoria do risco administrativo. 3. Ademais, a Constituição da República, no seu artigo 5º, inciso V, inscreve que é assegurada a indenização por dano material, moral ou à imagem, sendo certo que, no plano da legislação infraconstitucional, o Código Civil de 2002, dispõe, no seu artigo 186, que aquele, que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, sendo, pois, francamente admitida a reparação do evento danoso de ordem moral. 4. No caso dos autos, o autor, na condição de 1º Tenente do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil, participou de concurso público aberto para o provimento de cargos de Agente de Polícia Federal, e, em face de aprovação nas provas e exames da primeira fase, foi convocado para a segunda fase do certame, consistente no Curso de Formação Profissional de Agente de Polícia Federal, realizado pela Academia Nacional de Polícia Federal. 5. Todavia, ao comunicar o fato à Administração Naval, o Comandante da unidade militar onde servia determinou-lhe, por meio de comunicação interna, que informasse, dentro do prazo de vinte e quatro horas, o motivo pelo qual não solicitara autorização de superior hierárquico para prestar o referido concurso público, tendo o apelante, em cumprimento da ordem, oferecido resposta aduzindo que entendera não ser necessário no caso ser autorizado, a exemplo do que já ocorria no âmbito do Exército e da Aeronáutica, onde não se exigia qualquer tipo de comunicação prévia ou autorização para os seus oficiais participarem de concurso público. 6. Contudo, o Comandante da unidade militar, por meio da Ordem de Serviço, aplicou-lhe pena disciplinar de quatro dias de prisão rigorosa, por haver incidido no item 28 do artigo 7º do Regulamento Disciplinar para Marinha. Portanto, o ora apelante foi punido e cumpriu pena de prisão por ter participado da primeira fase do mencionado concurso público sem autorização expressa de seu superior hierárquico violando - ao sentir da autoridade militar -, a norma regulamentar inscrita no artigo 7º, item 28, do Decreto nº 88.545, de 26 de julho de 1983, que dispõe "deixar de cumprir ou de fazer cumprir, quando isso lhe competir, qualquer prescrição ou ordem regulamentar." 7. Ora, basta simples leitura da referida regra para se perceber que se trata de norma penal em branco, pois, necessariamente, exige uma complementação, a ser feita por outra norma, para precisar-lhe o sentido e permitir sua aplicação. No caso, a autoridade militar não apontou, no ato punitivo, qual a prescrição ou ordem regulamentar foi descumprida pelo apelante ao participar de concurso público sem prévia autorização de seu superior hierárquico e isso já seria o bastante para anular o ato punitivo. 8. Outrossim, o ato administrativo que determinou a prisão do apelante foi cancelado por força de decisão proferida em sede de mandado de segurança, cuja sentença concedeu a ordem para determinar à autoridade impetrada a abstenção de impor qualquer espécie de sanção disciplinar militar ao impetrante em consequência de sua participação no referido concurso, bem como para ordenar a retirada de seus assentamentos funcionais da anotação da prisão disciplinar, tendo sido a sentença confirmada pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região. 9. Assim sendo, a questão da ilegalidade da punição aplicada ao apelante de fato já foi definitivamente solucionada, tendo ocorrido o seu cancelamento, mas, isso resolveu apenas parte da questão, restabelecendo o status quo ante apenas com relação aos registros constantes da folha funcional do então servidor militar; porém, não apagou o fato concreto e objetivo de que este cumpriu a pena disciplinar imposta, de quatro dias de prisão rigorosa, não podendo isso ser tido como dano mínimo, residindo aí as circunstâncias que demonstram ter sido o autor atingido em seus direitos da personalidade, na dimensão da integridade moral, ou seja, direito à honra, à imagem e ao bom nome. 10. Dessa forma, os fatos restaram suficientemente provados nos autos e apontam, com segurança, que o apelante foi atingido em seus direitos da personalidade, na dimensão da integridade moral, ou seja, direito à honra, à imagem e ao bom nome, tendo isso ocorrido em razão do cumprimento de prisão ilegal e arbitrária que lhe foi imposta pelo comandante da unidade militar onde servia. 11. Em razão disso, restou patente que o autor sofreu lesões e prejuízos de ordem moral, pois a prisão disciplinar atingiu-lhe a dignidade e o decoro pessoal, radicando, pois, na União Federal a obrigação de indenizar pelo sofrimento moral suportado. 12. Quanto ao valor da indenização, se de um lado deve ser razoável, visando à reparação mais completa possível do dano moral, de outro, não deve dar ensejo a enriquecimento sem causa do beneficiário da indenização. Logo, o montante da indenização não pode ser exorbitante, nem de valor irrisório, devendo-se aferir a extensão da lesividade do dano. 13. O quantum adequado para o caso em questão, levando-se em conta a dimensão do dano suportado pelo autor em decorrência do evento danoso, deve ser fixado em R$ 10.000,00. 14. Apelação a que se dá provimento para reformar a sentença e dar pela procedência do pedido, respondendo a União por eventuais despesas e pelo pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00, com base na norma contida no artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil. (TRF3 – AC nº 0009028-83.2003.4.03.6105 – 3ª Turma – Relator Juiz Federal convocado – e-DJF3 de 04.08.2009)

 

Para restar configurado o dever de indenizar por dano moral é obrigatório que seja comprovado o ato ilícito e que tal ilícito tenha gerado prejuízos emocionais ao patrimônio psíquico, social ou moral da pessoa.

_____________________________

1MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 77.

2SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 239.

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