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CAPÍTULO 10 – REFORMA MILITAR POR INCAPACIDADE DEFINITIVA OU INVALIDEZ: ESPÉCIES DE REFORMA, PROVENTOS, AUXÍLIO-INVALIDEZ E IMPOSTO DE RENDA

10.5. REINTEGRAÇÃO JUDICIAL EM PROCESSO DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA POR MEIO DE TUTELA DE URGÊNCIA, DE EVIDÊNCIA, DE LIMINAR OU DE NATUREZA CAUTELAR

No decorrer deste Capítulo citei um caso prático, onde um militar foi licenciado do Comando da Aeronáutica, embora a própria Junta Regular de Saúde tenha diagnosticado uma das doenças incapacitantes previstas no inciso V do art. 108. Fui contratado por esse militar para ajuizar ação de reintegração cumulada com reforma militar, tendo o Juiz Federal de primeira instância concedido a antecipação de tutela e o TRF5 ratificado a reintegração imediata ao serviço ativo na condição de adido com o recebimento de remuneração, negando o pedido de efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto pela União Federal.

Entendo oportuno aprofundar esse tema, pois certamente, muitos militares do País foram licenciados ilegalmente, embora incapacitados para o serviço militar, e não raro, para qualquer tipo de trabalho, público ou privado (inválido).

No caso prático citado acima, obtive uma antecipação de tutela1 para reintegrar imediatamente meu cliente, todavia, caso não fosse concedida pelas instâncias ordinárias2, ocorreria que o processo seguiria seus trâmites normais, até que fosse decidida a reintegração mediante sentença3. Sendo que nessa sentença, o magistrado poderia conceder a tutela para imediata reintegração antes do trânsito em julgado.

Em virtude de várias antecipações de tutela deferidas contra a Fazenda Pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) foi promulgada a Lei nº 9.494/1997 com o objetivo de restringir o poder do magistrado para conceder tutelas e liminares, conforme se depreende de seu cabeçalho (ementa):

 

Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, altera a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências.

 

A ementa dessa lei menciona antecipação de tutela, todavia, a abrangência é maior, pois tal restrição se refere a qualquer medida judicial de natureza tutelar, inclusive, obviamente, a liminar em sede de mandado de segurança que for concedida até o momento do trânsito em julgado de uma sentença definitiva.

Ressaltando-se que, em regra, o mandado de segurança não é a ação mais adequada para requerer a reforma militar ao Judiciário, posto que não é possível a dilação probatória, conforme foi devidamente explicado no Capítulo deste livro destinado a esse writ constitucional.

 

O art. 1º prevê o seguinte:

 

Art. 1º. Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil4 o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.3485, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.0216, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.4377, de 30 de junho de 1992.

 

O art. 273 do CPC de 1973 (revogado) foi substituído pelos arts. 300 (tutela de urgência) e 311 (tutela de evidência) do CPC de 2015:

 

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

 

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

 

O art. 461 do CPC de 1973 foi substituído pelos arts. 497 e 498 do CPC de 2015:

 

Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.

 

Art. 498. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.

Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o autor individualizá-la-á na petição inicial, se lhe couber a escolha, ou, se a escolha couber ao réu, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.

 

O § 2º do art. 7º da Lei nº 12.016/2009 substituiu o art. 5ª da Lei nº 4.348/1964:

 

Art. 7º. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:

(...)

§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.

(...)

 

O § 3º do art. 14 da Lei nº 12.016/2009 substituiu o parágrafo único do art. 5ª da Lei nº 4.348/1964:

 

Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.

(…)

§ 3º A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar.

(...)

 

Os arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437/1992 assim dispõem:

 

Art. 1°. Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.

§ 1° Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.

§ 2° O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular e de ação civil pública.

§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.

§ 4° Nos casos em que cabível medida liminar, sem prejuízo da comunicação ao dirigente do órgão ou entidade, o respectivo representante judicial dela será imediatamente intimado.

 

Art. 3°. O recurso voluntário ou ex officio, interposto contra sentença em processo cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.

 

Art. 4°. Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

§ 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.

§ 2º O Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em setenta e duas horas.

§ 3º Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição.

§ 4º Se do julgamento do agravo de que trata o § 3º resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.

§ 5º É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 4º, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo.

§ 6º A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo.

§ 7º O Presidente do Tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar, se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida.

§ 8º As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.

§ 9º A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal.

 

Ocorreu, entretanto, que muitos magistrados, desde sua vigência, ignoraram as proibições contidas nessa lei, considerando inconstitucional seu art. 1º e, por isso, concediam antecipações de tutela contra a Fazenda Pública; outros magistrados, todavia, entendiam pela constitucionalidade e negavam o pedido antecipatório de tutela.

Diante dessa controvérsia entre magistrados, em 1997, foi ajuizada a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 4 (ADC nº 4), a fim de que o STF ratificasse a constitucionalidade do art. 1º, tendo à época sido deferida medida cautelar8.

Em 2008, o STF, por maioria, julgou procedente a ADC nº 4, ratificando a constitucionalidade do art. 1º e, partir de então, os magistrados não poderiam conceder tutelas antecipatórias ou medidas liminares sob o fundamento de que o art. 1º era inconstitucional:

 

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – NATUREZA DÚPLICE DESSE INSTRUMENTO DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE – POSSIBILIDADE JURÍDICO-PROCESSUAL DE CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR EM SEDE DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – INERÊNCIA DO PODER GERAL DE CAUTELA EM RELAÇÃO À ATIVIDADE JURISDICIONAL – CARÁTER INSTRUMENTAL DO PROVIMENTO CAUTELAR CUJA FUNÇÃO BÁSICA CONSISTE EM CONFERIR UTILIDADE E ASSEGURAR EFETIVIDADE AO JULGAMENTO FINAL A SER ULTERIORMENTE PROFERIDO NO PROCESSO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – IMPORTÂNCIA DO CONTROLE JURISDICIONAL DA RAZOABILIDADE DAS LEIS RESTRITIVAS DO PODER CAUTELAR DEFERIDO AOS JUÍZES E TRIBUNAIS – INOCORRÊNCIA DE QUALQUER OFENSA, POR PARTE DA LEI Nº 9.494/97 (ART. 1º), AOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE – LEGITIMIDADE DAS RESTRIÇÕES ESTABELECIDAS EM REFERIDA NORMA LEGAL E JUSTIFICADAS POR RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VULNERAÇÃO À PLENITUDE DA JURISDIÇÃO E À CLÁUSULA DE PROTEÇÃO JUDICIAL EFETIVA – GARANTIA DE PLENO ACESSO À JURISDIÇÃO DO ESTADO NÃO COMPROMETIDA PELA CLÁUSULA RESTRITIVA INSCRITA NO PRECEITO LEGAL DISCIPLINADOR DA TUTELA ANTECIPATÓRIA EM PROCESSOS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – OUTORGA DE DEFINITIVIDADE AO PROVIMENTO CAUTELAR QUE SE DEFERIU, LIMINARMENTE, NA PRESENTE CAUSA – AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE PARA CONFIRMAR, COM EFEITO VINCULANTE E EFICÁCIA GERAL E “EX TUNC”, A INTEIRA VALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DO ART. 1º DA LEI 9.494, DE 10/09/1997, QUE “DISCIPLINA A APLICAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA”. (STF - ADC nº 4 - Tribunal Pleno – Relator Ministro Sydney Sanches – DJe de 29.10.2014)

 

Diante do julgamento dessa ADC nº 4, surge a seguinte pergunta: é legal, em sede de processo previdenciário militar, a concessão de tutela de urgência ou evidência e de tutela de natureza cautelar na ação de rito ordinário e a concessão de liminar em mandado de segurança para reintegração antes do trânsito em julgado da sentença ou da decisão definitiva9 a ser proferida pelo Judiciário? A resposta é afirmativa de acordo com a Súmula nº 729 do STF10:

 

SÚMULA nº 729: A decisão na ação direta de constitucionalidade 4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária11.

 

A título de informação, o STJ possui posicionamento pacificado de que o militar incapacitado temporariamente por motivo de enfermidade física ou mental acometida no exercício da atividade castrense não poderá ser licenciado:

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO NÃO ESTÁVEL. INCAPACIDADE SURGIDA DURANTE A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. REINTEGRAÇÃO SOMENTE PARA FINS DE TRATAMENTO DE SAÚDE. REVISÃO DO ACERVO FÁTICO DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. II. Na origem, trata-se de demanda na qual a parte ora requerida - militar temporária não estável -, objetiva a anulação do seu licenciamento, com sua reintegração para dar continuidade ao tratamento de saúde. III. O Tribunal de origem, com base no exame dos elementos fáticos dos autos, entendeu que, em relação à incapacidade, ela é temporária, ou seja, atingindo apenas as atividades de caserna, sem prejuízo de todo e qualquer labor no âmbito civil. Rever as conclusões do aresto recorrido é medida inviável nesta seara recursal por exigir análise do acervo fático da causa. IV. No caso, não se trata de pedido de reintegração de militar temporário não estável para fins de reforma, mas de reintegração para tratamento de saúde. E, em hipóteses como tais, a jurisprudência deste Tribunal "tem entendimento consolidado segundo o qual é ilegal o licenciamento do militar temporário ou de carreira que, por motivo de enfermidade física ou mental acometida no exercício da atividade castrense, tornou-se temporariamente incapacitado, sendo-lhe assegurada, na condição de adido, a reintegração ao quadro de origem, para o tratamento médico-hospitalar adequado, com a percepção de soldo e demais vantagens remuneratórios, desde a data do licenciamento indevido até sua recuperação" (STJ, AgInt no REsp 1.865.568/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/06/2020). No mesmo sentido, ainda: STJ, REsp 1.464.605/CE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/03/2020; AgInt no TutPrv no REsp 1.462.059/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 22/02/2019; AgInt nos EDcl no AREsp 1.293.318/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/11/2018; AgInt no REsp 1.628.906/PE, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/9/2017. V. Agravo interno improvido. (STJ – AgInt no AgInt no AREsp nº 1172753/RS - 2ª Turma - Relatora Ministra Assusete Magalhães - DJe de 12.11.2020)

 

Assim, conclui-se que é perfeitamente legal a concessão de tutela de urgência, de evidência, de liminar na segurança ou de natureza cautelar em processos de índole previdenciária para fins de reintegração12 ao serviço ativo, não sendo, assim, necessário, aguardar o trânsito em julgado para a efetivação dessa reintegração.

Antes de finalizar este tema, faz-se importante fazer o seguinte alerta àqueles que obtiverem medida judicial para reintegração na situação de “adido” por motivo de saúde, ou seja, quando a reintegração é ordenada por ordem judicial, porém o militar não cumprirá expediente: esse militar “adido” que vier a trabalhar no âmbito privado durante a vigência dessa medida liminar poderá ser processado civilmente e criminalmente!

Estou fazendo essa rápida explanação pelo fato de que neste ano de 2021, tomei ciência de que um ex-Tenente do Comando da Marinha, que permaneceu adido por mais de 8 (oito) anos com recebimento de remuneração em virtude de tutela de urgência (à época denominada de antecipação de tutela de acordo com antigo CPC de 1973), teve a tutela cassada na sentença com a improcedência da ação judicial (processo nº XXXXX-33.2012.4.01.3400). A princípio, esse fato, por si só, não teria nada de anormal, todavia, ocorreu que a União Federal descobriu que o mesmo trabalhou na iniciativa privada enquanto estava reintegrado judicialmente na condição de adido: a consequência foi que o Ministério Público Militar ordenou a instauração de IPM e o Ministério Público Federal ajuizou Ação de Improbidade Administrativa!

Segue abaixo trecho extraído da ordem do MPM para a instauração de IPM:

 

Ofício n° 33/2021-Dil/LAG São Paulo/SP, 10 de agosto de 2021.

A Sua Excelência o Senhor Vice-Almirante PAULO CÉSAR COLMENERO LOPES

Diretor do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo

Av. Prof. Lineu Prestes, 2468 - Vila Universitária CEP 05508-000 - São Paulo/SP

 

Senhor Diretor,

 

Cumprimentando-o, reporto-me ao disposto no artigo 8º, inc. II e § 5°, da Lei Complementar n.º 75/93, oportunidade em que requisito a V. Exa. a instauração de inquérito policial militar, destinado a apurar os fatos noticiados pela Advogada da União Ludmila Tito Fudoli, da Coordenação Regional de Defesa da Probidade da 1ª Região, tendo em vista as apurações preliminares constantes da Sindicância originária dessa OM e encaminhada à AGU, tendo como encarregado o CT Arthur Ramos de Moraes e Silva (Portaria 201/CTMSP, de 8 de setembro de 2020).

O IPM a ser instaurado destina-se a apurar a prática de crime contra o patrimônio sob a administração militar, figurando como investigado o ex-militar (nome excluído intencionalmente), em razão do exercício laboral em outras instituições privadas enquanto se encontrava no Serviço Ativo da Marinha, mas afastado do cumprimento de expediente diário, por decisão proferida nos autos da Ação Ordinária registrada sob o nº (excluído intencionalmente)–TRF-1, por supostamente ser portador de patologia incapacitante para o trabalho.

E, agora, transcrevo trecho da petição inicial da Ação de Improbidade Administrativa (processo nº XXXXX-88.2021.4.01.3800):

De todo o exposto, não restam dúvidas de que o réu (nome excluído intencionalmente), ao trabalhar para instituições privadas enquanto se encontrava afastado das atividades castrenses por suposta incapacidade laborativa e ao se esquivar das convocações para a realização de inspeções médicas que atestariam sua capacidade laborativa, causou lesão ao erário e violou os princípios da honestidade e da lealdade à instituição a que servia, estando inequivocamente configuradas as hipóteses dos artigos 10, caput e 11, caput da Lei nº 8.429/92.

Assim sendo, a União requer que V. Exa. o condene como incurso nos artigos 10, caput e 11, caput da Lei nº 8.429/92, impondo-lhe as sanções previstas no artigo 12 do mesmo diploma legal e o ressarcimento aos cofres públicos do referido montante de R$ 707.594,14 (setecentos e sete mil, quinhentos e noventa e quatro reais e catorze centavos)

E, ainda, é importante esclarecer que é possível que o militar reintegrado por ordem judicial na condição de “adido” com posterior cassação dessa medida liminar por meio de agravo de instrumento ou sentença/acórdão, tenha que devolver todas as remunerações recebidas por amparo judicial, haja vista as previsões dispostas no inciso I do art. 302 e art. 523 do CPC, podendo-se citar como exemplo o caso concreto do ex-Tenente acima mencionado, em que a União Federal requereu ao magistrado a devolução de todas as remunerações por meio de Petição de Cumprimento de Sentença, sendo útil transcrever os seguintes trechos desta petição:

A UNIÃO, devidamente representada, pela Procuradoria Regional da União - 1ª Região, vem, respeitosamente, nos autos da AÇÃO ORDINÁRIA proposta por (nome excluído intencionalmente) e registrada sob o número acima indicado, expor e requerer o seguinte. No ano de 2012, o ora Réu propôs contra a União a presente ação no bojo da qual pretendia ser reintegrado aos quadros da Marinha e neles permanecer na condição de adido/agregado com o afastamento do cumprimento do expediente militar. Ao conceder o pedido de antecipação de tutela por ele formulado em 6 de novembro de 2012, a Juíza da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal suspendeu os efeitos da Portaria nº 35, de 24 de fevereiro de 2012 e determinou sua reintegração aos quadros da Marinha, com o imediato restabelecimento do pagamento de sua remuneração até o julgamento do mérito da ação.

Após a produção da competente prova pericial, o Juiz houve por bem julgar improcedente o pedido de reintegração e revogou expressamente os efeitos da antecipação de tutela anteriormente concedida.

Diante do trânsito em julgado da referida sentença, a União requer, com base nos artigos 523 e 302, I do Código de Processo Civil, o cumprimento do referido julgado, na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça externado nos autos do julgado assim ementado:

(…)

Para tanto, requer a juntada do Parecer Técnico n. 00215/2021/CALC/DIMIL/PGU/AGU (seq. 41) do qual constam o valor a ser pago no prazo de 15 dias previsto no artigo 523 do CPC e também o valor da multa e dos honorários a serem pagos na hipótese de o adimplemento não ocorrer voluntariamente no referido lapso temporal.

 

Brasília, 12 de agosto de 2021.

 

LUDMILA TITO FUDOLI

Advogada da União

A jurisprudência é pacífica no sentido de que é cabível a devolução dessas remunerações recebidas por medida judicial precária, podendo-se citar as seguintes decisões do STJ:

ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR. VALORES PERCEBIDOS EM RAZÃO DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE CASSADA. DEVOLUÇÃO. DECORRÊNCIA LÓGICA. EMBARGOS REJEITADOS. 1. A circunstância de se tratar de servidor público militar, regido por norma específica silente sobre o tema da restituição, não afasta a obrigatoriedade de ressarcir a embargada pelos valores recebidos durante o período abrangido pela decisão judicial precária, porquanto a obrigatoriedade de restituição decorre da consequência lógica da cassação da tutela antecipada, para assegurar o retorno das partes ao seu status quo ante. 2. Embargos de declaração rejeitados. (STJ - EDcl nos EDcl no REsp nº 1241909/SC – 1ª Turma – Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima - DJe de 15.09.2011)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIOS DA ECONOMIA PROCESSUAL E DA FUNGIBILIDADE. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA. RESTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. INCURSÃO NO ACERVO PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Os embargos de declaração podem ser recebidos como agravo regimental em obediência aos princípios da economia processual e da fungibilidade. 2. A Corte de origem, detentora do acervo probatório dos autos, concluiu que a tutela de urgência - pagamento mensal do valor correspondente ao percebido por aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Ar - foi deferida em caráter precário até o julgamento final da demanda. Segundo relata o autor, foi indeferido o pedido de pensão vitalícia correspondente ao soldo de 3º Sargento da Aeronáutica, razão por que foi instaurado processo administrativo objetivando reaver os valores pagos em razão da medida antecipatória. 3. "O exame do arcabouço fático-probatório deduzido nos autos é defeso a este Superior Tribunal, uma vez que lhe é vedado atuar como terceira instância revisora ou tribunal de apelação reiterada." (Precedente: AgRg no Ag 1414470/BA, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/2/2012, DJe 23/2/2012). 4. A jurisprudência dessa Corte uniformizou o entendimento no sentido de que é dever do titular de direito patrimonial devolver valores recebidos por força de tutela antecipada que foi posteriormente revogada. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, mas improvido. (STJ - EDcl no REsp nº 1478498/RN – 2ª Turma - Relator Ministro Humberto Martins - DJe de 14.11.2014)

O magistrado atendeu ao pedido da União Federal para a devolução das remunerações, conforme se depreende abaixo:

DESPACHO

Intime-se o (a) executado(a) para proceder voluntariamente ao pagamento do valor cobrado pela parte exequente no prazo de 15 (quinze) dias (art. 523 do CPC), após o qual, independente de penhora ou nova intimação, terá o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar impugnação (art. 525 do CPC).

Não efetuado o pagamento voluntário no prazo acima, realize-se pesquisa SISBAJUD, (art. 523, §§ 1º e 3º, do CPC);

Positiva a diligência, total ou parcialmente, intime-se o executado para ciência, oportunidade em que terá 05 (cinco) dias para se manifestar sobre o bloqueio de valores;

Impugnada a indisponibilidade de ativos financeiros, dê-se vista ao exequente por 05 (cinco) dias, retornando os autos conclusos para deliberação;

Não impugnada a indisponibilidade de ativos financeiros, converto-a em penhora e determino a transferência do valor penhorado para conta judicial vinculada à Agência 3911 da Caixa Econômica Federal e ato contínuo, oficie-se àquela instituição bancária para que proceda ao depósito/conversão em renda do valor bloqueado para a conta indicada pela exequente, conforme o caso;

Negativa ou insuficiente a diligência via SISBAJUD, proceda-se à busca de bens pelos sistemas RENAJUD e INFOJUD, anotando-se o sigilo dos autos no último caso;

Após o cumprimento de todas as diligências determinadas por este juízo e caso não sejam encontrados bens penhoráveis e nada mais sendo requerido, arquivar os autos, a partir de quando ficará suspenso o prazo prescricional por um ano, podendo o exequente, a qualquer momento, requerer seu desarquivamento para prosseguimento do feito, tão logo possa indicar bens do devedor passíveis de penhora;

Havendo impugnação, dê-se vista à exequente pelo prazo de 10 (dez) dias.

Intimem-se. Cumpra-se.

BRASÍLIA, 30 de agosto de 2021.

CRISTIANO MIRANDA DE SANTANA

Juiz Federal

Quando militar é reintegrado judicialmente mediante, por exemplo, tutela de urgência em virtude de incapacidade temporária motivada por acidente em serviço e sua reintegração é para cumprir normalmente o expediente com as devidas restrições físicas, ou seja, “não estará na condição de adido”, ocorrerá que, em regra, não terá que devolver remunerações na hipótese de cassação da tutela por meio de agravo de instrumento, sentença ou acórdão, haja vista que nesta situação, o militar trabalhou (houve contraprestação ao recebimento de remuneração), logo, fez jus às remunerações.

Do exposto, é possível a reintegração judicial ao serviço ativo por motivo de saúde, destacando-se, sobretudo, a possibilidade de devolução de todas as remunerações percebidas durante a medida liminar na condição de “adido” em caso de sua revogação e, ainda, o militar reintegrado na condição de adido que vier a laborar na iniciativa privada poderá ter sérios problemas com o Poder Judiciário.

________________________________

1Atualmente se chama tutela de urgência ou de evidência.

2Por instâncias ordinárias entenda-se a primeira e segunda instâncias, o que neste caso em discussão, foram o Juiz Federal e o TRF. Já as instâncias extraordinárias seriam, nesta situação, o STJ e o STF.

3Porém, esclareça-se que poderá haver remessa necessária e recursos da União, e com isso, o trânsito em julgado da sentença poderá demorar muito tempo.

4Se refere ao CPC de 1973.

5É a lei do mandado de segurança que foi revogada e substituída pela Lei nº 12.016/2009.

6Essa lei foi revogada pela Lei nº 12.016/2009.

7Dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências.

8AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI N 9.494, DE 10.09.1997, QUE DISCIPLINA A APLICAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MEDIDA CAUTELAR: CABIMENTO E ESPÉCIE, NA A.D.C. REQUISITOS PARA SUA CONCESSÃO. 1. Dispõe o art. 1º da Lei nº 9.494, de 10.09.1997: "Art. 1º. Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, o disposto nos arts 5º e seu parágrafo único e art. 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992." 2. Algumas instâncias ordinárias da Justiça Federal têm deferido tutela antecipada contra a Fazenda Pública, argumentando com a inconstitucionalidade de tal norma. Outras instâncias igualmente ordinárias e até uma Superior - o S.T.J. - a têm indeferido, reputando constitucional o dispositivo em questão. 3. Diante desse quadro, é admissível Ação Direta de Constitucionalidade, de que trata a 2ª parte do inciso I do art. 102 da C.F., para que o Supremo Tribunal Federal dirima a controvérsia sobre a questão prejudicial constitucional. Precedente: A.D.C. n 1. Art. 265, IV, do Código de Processo Civil. 4. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzem eficácia contra todos e até efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nos termos do art. 102, § 2º, da C.F. 5. Em Ação dessa natureza, pode a Corte conceder medida cautelar que assegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura decisão de mérito. E assim é, mesmo sem expressa previsão constitucional de medida cautelar na A.D.C., pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar. Precedente do S.T.F.: RTJ-76/342. 6. Há plausibilidade jurídica na arguição de constitucionalidade, constante da inicial ("fumus boni iuris"). Precedente: ADIMC - 1.576-1. 7. Está igualmente atendido o requisito do "periculum in mora", em face da alta conveniência da Administração Pública, pressionada por liminares que, apesar do disposto na norma impugnada, determinam a incorporação imediata de acréscimos de vencimentos, na folha de pagamento de grande número de servidores e até o pagamento imediato de diferenças atrasadas. E tudo sem o precatório exigido pelo art. 100 da Constituição Federal, e, ainda, sob as ameaças noticiadas na inicial e demonstradas com os documentos que a instruíram. 8. Medida cautelar deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, "ex nunc", e com efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494, de 10.09.97, sustando-se, igualmente "ex nunc", os efeitos futuros das decisões já proferidas, nesse sentido. (STF - ADC nº 4 MC – Tribunal Pleno - Relator Ministro Sydney Sanches - DJ de 21.05.1999)

9Pode ser que a sentença negue a reintegração, mas em grau recursal, como por exemplo, no TRF, seja julgado procedente o pedido de reintegração, onde, inclusive, será possível a reintegração por meio do deferimento de antecipação de tutela recursal no acórdão.

10PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. ADC Nº 4/DF. Policial militar reformado. Auxílio-invalidez. Antecipação de tutela. Natureza previdenciária. Súmula nº 729/STF. Recurso não provido. 1. Não tem êxito o agravo interno que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão singular (art. 317, § 1º, RISTF). 2. Não é possível, em sede de agravo regimental, inovar nas razões da reclamação. 3. A decisão proferida na ADC nº 4/DF-MC não alcança a tutela antecipada deferida em causas de natureza previdenciária (Súmula STF nº 729). 4. Negado provimento ao agravo regimental. (STF - Rcl nº 4559 - Tribunal Pleno – Relator Ministro Dias Toffoli – DJe de 15.03.2013)

11Ações judiciais sobre reforma militar possuem natureza previdenciária.

12ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR. REINTEGRAÇÃO ÀS FILEIRAS DO EXÉRCITO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. POSSIBILIDADE. LEI 9.494/97. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. É possível a concessão de antecipação de tutela para a reintegração de militar ao serviço ativo e realização de tratamento de saúde, na medida em que não se trata de hipótese expressamente vedada pela Lei 9.494/97. Precedentes. 2. Agravo Regimental desprovido. (STJ - AgRg nº REsp 1163554/RJ – 5ª Turma - Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho - DJe de 07.04.2011)

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