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CAPÍTULO 1 - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

1. INTRODUÇÃO

 

Não há melhor instrumento de coação no meio castrense do que a punição administrativa por cometimento de transgressão ou contravenção1 disciplinar: é o temor de todo militar desde o ingresso na carreira e é o principal instrumento da efetivação de perseguições, sequer precisando tecer maiores comentários, pois quem é ou já foi militar sabe do que me refiro.

Mas, por que é o melhor meio de coação? Porque o Judiciário está impedido, constitucionalmente, de adentrar no mérito da punição disciplinar, ou seja, há proibição constitucional implícita no sentido de que o Judiciário analise se uma punição foi justa ou injusta.2.

Este tópico permitirá entender o que é a transgressão disciplinar e como é procedida a sua apuração no processo administrativo disciplinar3 castrense, pois, mesmo em sede de punição disciplinar é obrigatória a efetivação de regular processo administrativo sob pena de sua nulidade4 absoluta. E obviamente, embora contrário ao pensamento da maioria dos superiores hierárquicos, é obrigatório permitir ao militar o exercício do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa.

As normas jurídicas5 que tratam da matéria no âmbito das Forças Armadas são: a) MARINHA: Decreto nº 88.545/1983b) EXÉRCITO: Decreto nº 4.346/2002 e c) AERONÁUTICA: Decreto nº 76.322/19756.

As Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares possuem legislações próprias referentes aos seus regulamentos disciplinares, sendo possível a aplicação do RDE, caso previsto em norma legal, conforme ocorre com os militares do Distrito Federal diante da previsão contida no art. 1º7 do Decreto nº 23.317/02.

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1Na Aeronáutica e no Exército é denominado de transgressão disciplinar e na Marinha de contravenção disciplinar.

2O tema será mais bem explanado, quando discorrermos sobre o habeas corpus nas transgressões disciplinares. Mas, desde já, é interessante a leitura das seguintes ementas de decisões judiciais colegiadas:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO QUE DENEGA ORDEM DE HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. PRISÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIO FORMAL NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO IMPROVIDO. 1. A proibição inserta no artigo 142, parágrafo 2º, da Constituição Federal, relativa ao não cabimento de habeas corpus contra punições disciplinares militares, é limitada ao exame de mérito, não alcançando o exame formal do ato administrativo-disciplinar, tido como abusivo e, por força de natureza, próprio da competência da Justiça castrense. 2. A punição disciplinar por transgressão militar tem a natureza jurídica de ato administrativo, e o seu exame, por meio de habeas corpus, embora possível, fica restrito à regularidade formal do ato (competência, cerceamento de defesa e cumprimento de formalidades legais). 3. O histórico fático constante nos autos não demonstra nenhuma irregularidade formal constitucional e/ou legal do procedimento administrativo disciplinar instaurado contra o recorrente/paciente. Foram observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa 4. O fato de a sindicância ter sido aberta em prazo superior ao previsto em portaria não é suficiente para a anulação do procedimento administrativo. É preciso que se comprove que a inobservância formal, no curso desse procedimento, tenha distorcido o direito material buscado, e tenha causado prejuízo à parte. Aplica-se ao caso o princípio pás de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo) 5. Não há falar em constrangimento ilegal, por abuso de poder ou ameaça à liberdade do recorrente/paciente. 6. Recurso em Sentido Estrito improvido. (TRF5 – RSE nº 00110964020154058300 - 3ª Turma - Relator Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior - DJe de 04.11.2016)

ADMINISTRATIVO. MILITAR. EX-CADETE DA ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS (AMAN). ATO DE EXPULSÃO. PUNIÇÃO DISCIPLINAR DE CARÁTER REPRESSIVO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO REGULAR. OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO. IMPROVIMENTO. I - Em ações que versam sobre o controle jurisdicional do processo administrativo, a atuação do Poder Judiciário se limita à análise da regularidade do procedimento, não lhe sendo permitida qualquer incursão no mérito para aferir a conveniência e a oportunidade da decisão tomada pela autoridade administrativa. II - Na espécie, restou devidamente provado nos autos que o ato de desligamento e de expulsão do autor da AMAN somente ocorreu após a realização de regular sindicância, instaurada por autoridade competente, na qual foram assegurados os direitos ao contraditório e à ampla defesa, e que a punição foi aplicada de acordo com a legislação que rege a disciplina militar e considerando a vida acadêmica do sindicado e a gravidade dos fatos. III - Manutenção da sentença pelos seus próprios fundamentos. Apelação improvida. (TRF5 - AC nº 00034524020104058100 - 4ª Turma - Relator Desembargador Federal Marco Bruno Miranda Clementino - DJe de 02.08.2012)

PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HABEAS CORPUS IMPETRADO VISANDO DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE DA PRISÃO DISCIPLINAR A MILITAR. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA QUANTO AO MÉRITO DA PUNIÇÃO. 1. O habeas corpus constitui remédio constitucional de tutela da liberdade de locomoção do indivíduo, visando coibir qualquer ilegalidade ou abuso de poder voltado à constrição do direito de ir, vir e permanecer. O Poder Judiciário está autorizado a aferir a eventual ilegalidade da imposição da sanção disciplinar à militar, notadamente quando esta se traduzir na violação de preceito constitucional relativo ao devido processo legal e ampla defesa. 2. Quanto ao mérito da reprimenda, trata-se de matéria excluída da apreciação jurisdicional, não cabendo adentrar na questão da existência ou não da transgressão ou quanto a justiça da punição aplicada. 3. Recurso desprovido. (TRF3 – RSE nº 00011595420084036118 – 3ª Turma - Relator Desembargador Federal José Lunardelli - e-DJF3 de 10.06.2011)

3Súmula nº 641 do STJ: A portaria de instauração do processo administrativo disciplinar prescinde da exposição detalhada dos fatos a serem apurados.

4CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR MILITAR. SINDICÂNCIA. LICENCIAMENTO EX OFFICIO A BEM DA DISCIPLINA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ATO ADMINISTRATIVO. DISCRICIONARIEDADE. CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. ILÍCITO PENAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA. - O procedimento administrativo disciplinar foi conduzido em conformidade com os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. O licenciamento ex officio do apelante está alicerçado nos dispositivos do Estatuto dos Militares e do Regulamento Disciplinar do Exército, tendo a autoridade competente concluído que a conduta do sindicado fere o pundonor militar e o decoro da classe, em razão de consciente e rotineira condução de veículo em velocidade acima do permitido e, ainda, segundo testemunhos, estar participando de "RACHA" em acidente que levou a óbito pessoas que se encontram às margens de pista de rolamento. - O ato administrativo goza de presunção relativa de legitimidade juris tantum, a qual o apelante não logrou desconstituir. Ademais, não cabe ao Poder Judiciário escrutinar os critérios de conveniência e oportunidade da Administração ao tomar a decisão. - As hipóteses previstas nos incisos I a III do § 1º do art. 32 do Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) não se confundem. Cada uma delas estabelece situação diversa, cuja transgressão leva à punição do militar com o licenciamento ex officio a bem da disciplina. - As instâncias administrativa, civil e penal são independentes e autônomas e, portanto, a apuração de fatos que, em tese, constituem transgressão disciplinar punível com licenciamento a bem da disciplina, mas também são tipificados pelo direito penal, pode ocorrer em cada uma dessas instâncias. - O processo penal somente terá implicação no processo administrativo quando concluir pela inexistência material do fato ou pela negativa da autoria, o que, segundo consta nos autos, não se revela na presente hipótese. - Apelação não provida. (TRF3 - AC nº 0013890-48.2013.4.03.6105 - 2ª Turma - Relator Desembargador Federal Hélio Egydio de Matos Nogueira - e-DJF3 de 27.06.2020)

APELAÇÃO. MILITAR. AERONÁUTICA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES. NÃO OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. RECURSO DA AUTORA DESPROVIDO. DA UNIÃO PROVIDO. 1. Apelações interpostas pela UNIÃO e pela parte autora, 3º Sargento da Força Aérea Brasileira, contra a sentença que julgou improcedente o pedido de afastamento de punição disciplinar que lhe foi imposta como resultado do processo interno Folha de Apuração de Transgressão Disciplinar - FATD 040-R/SEC - BINFA/2018, que a condenou ao cumprimento de 02 (dois) dias de detenção, bem como manteve os efeitos da tutela de urgência anteriormente deferida. Condenação em honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor da causa, observada a gratuidade da justiça. 2. Nulidades. Inocorrência. Em consonância com o devido processo legal foi assegurado à autora o conhecimento dos atos administrativos e o seu direito de resposta, possibilitando a sua defesa, mediante a exposição de sua versão dos fatos. A decisão que concluiu pela aplicação da sanção disciplinar foi devidamente motivada e publicada, sendo submetida ao recurso administrativo cabível. 3. Punições disciplinares encontram fundamento na própria carta constitucional. O serviço militar é alicerçado na hierarquia e disciplina e dirigido por regras rígidas que incluem o sistema de aplicação de penalidades. 4. A reapreciação acerca da imposição da sanção disciplinar seria substituição indevida da atividade que é própria da Administração Militar. Ao Judiciário não cabe apreciar o mérito administrativo discricionário, mas tão somente a legalidade dos atos e eventuais excessos nas escolhas. Sentença mantida no ponto. 5. Por conseguinte, desnaturada a manutenção dos efeitos da tutela definida na r. sentença no sentido de postergar o cumprimento de punição imposta pela Administração. 6. Recurso da autora não provido, da UNIÃO, provido. (TRF3 – AC nº 5006741-43.2018.4.03.6103 - 1ª Turma – Relator Desembargador Federal Hélio Egydio de Matos Nogueira - e - DJF3 de 19.06.2020)

5Quanto às polícias e bombeiros militares, cada Estado e o Distrito Federal possuem legislações próprias.

6Há uma norma que complementa esse Decreto: Portaria 782/GC3, de 10 de novembro de 2010.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR. MILITAR. AERONÁUTICA. TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENALIDADE. PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. OBSERVÂNCIA. - Conforme o Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar – FATD, foram devidamente observados os ditames legais e constitucionais assegurados ao acusado da transgressão. - O militar arrolado como transgressor foi cientificado da instauração do procedimento (tendo constituído advogados para sua defesa), bem como da nota de punição disciplinar. Ao apelante foi dada a oportunidade de apresentar defesa, nos termos previstos pela legislação. - As diligências postuladas pela defesa foram atendidas pela autoridade condutora do FATD e todos os atos do procedimento administrativo foram cientificados à advogada constituída pelo militar acusado. O apelante obteve cópia integral do procedimento. - Constam dos autos cópias das normas que contêm orientações gerais à equipe de segurança e defesa do Comando da Aeronáutica, no que se refere ao uso de armamento, assim como da Ordem Permanente nº 10/15 que proíbe o uso de veículos particulares para o deslocamento de militares da equipe de serviço, enquanto armados. - Não há que se falar em flagrante violação aos princípios constitucionais previstos nos incisos LIV e LV da Constituição Federal, bem como no art. 3º da Portaria nº 782/GC3/2010 do Sr. Comandante da Aeronáutica. - Apelação não provida. (TRF3 – AC nº 5000403-24.2016.4.03.6103 - 2ª Turma – Relator Desembargador Federal Carlos Francisco – e-DJF3 de 29.05.2020)

7Art. 1°. Aplica-se à Policia Militar do Distrito Federal e ao Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), aprovado pelo Decreto Federal n° 4.346, de 26 de agosto de 2002.

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