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CAPÍTULO 1 - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

1.2. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR

 

Primeiramente, necessário conceituar o que seja processo administrativo, donde podemos utilizar o excelente ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello1: é uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo.

A Administração Castrense somente poderá punir um militar pelo cometimento de transgressão disciplinar após instaurar um processo administrativo2 com a entrega, por exemplo, de 1 (um) Ficha de Apuração de Transgressão Disciplinar (FATD) se o militar for da Aeronáutica, concedendo-lhe o direito ao contraditório e à ampla defesa, a fim de que, ao final do processo, chegue-se à seguinte conclusão: o militar é culpado ou inocente da prática de um ato indisciplinar?

Importa esclarecer que nessa FATD deve conter as acusações que pairam contra o militar, a fim de que possa contraditar e se defender com efetividade, todavia, não se faz necessário o detalhamento dos fatos, acusatórios, conforme entendimento do STJ na Súmula nº 641 do ano de 2020:

 

Súmula nº 641: A portaria3 de instauração do processo administrativo disciplinar prescinde da exposição detalhada dos fatos a serem apurados.

 

No âmbito da Polícia Militar de São Paulo, o direito ao contraditório e à ampla defesa no processo disciplinar estão explícitos no § 3º do art. 28 da LC nº 893/2001:

 

Artigo 28. A comunicação disciplinar deve ser clara, concisa e precisa, contendo os dados capazes de identificar as pessoas ou coisas envolvidas, o local, a data e a hora do fato, além de caracterizar as circunstâncias que o envolveram, bem como as alegações do faltoso, quando presente e ao ser interpelado pelo signatário das razões da transgressão, sem tecer comentários ou opiniões pessoais.

§ 1º A comunicação disciplinar deverá ser apresentada no prazo de 5 (cinco) dias, contados da constatação ou conhecimento do fato, ressalvadas as disposições relativas ao recolhimento disciplinar, que deverá ser feita imediatamente.

§ 2º A comunicação disciplinar deve ser a expressão da verdade, cabendo à autoridade competente encaminhá-la ao acusado para que, por escrito, manifeste-se preliminarmente sobre os fatos, no prazo de 3 (três) dias.

§ 3º Conhecendo a manifestação preliminar e considerando praticada a transgressão, a autoridade competente elaborará termo acusatório motivado, com as razões de fato e de direito, para que o militar do Estado possa exercitar, por escrito, o seu direito a ampla defesa e ao contraditório, no prazo de 5 (cinco) dias.

§ 4º Estando a autoridade convencida do cometimento da transgressão, providenciará o enquadramento disciplinar, mediante nota de culpa ou, se determinar outra solução, deverá fundamentá-la por despacho nos autos.

§ 5º Poderá ser dispensada a manifestação preliminar quando a autoridade competente tiver elementos de convicção suficientes para a elaboração do termo acusatório, devendo esta circunstância constar do respectivo termo.

 

Logo, podemos afirmar incontestavelmente o seguinte: é ilegal, ou melhor, inconstitucional, a aplicação4 de punição disciplinar sem prévio processo administrativo disciplinar ou sindicância5 com oportunização do exercício do contraditório e da ampla defesa.

Também é possível verificar-se uma ilegalidade quando houver inversão dos atos procedimentais administrativos previstos na norma que disciplina o processo administrativo. Exemplificando, pode ser considerada ilegal a ouvida de testemunhas anteriormente ao depoimento do militar acusado de transgressão no caso de o respectivo regulamento disciplinar prever que o acusado será ouvido em primeiro lugar. Pois se assim for feito, estar-se-á inobservando o princípio do devido processo legal, ou seja, as regras processuais estarão sendo desrespeitadas, podendo gerar a nulidade do processo administrativo disciplinar.

Ressaltando-se, todavia, que é possível, mesmo em havendo inversão de ordens em sede de depoimentos, a aplicação do princípio de que não há nulidade sem prejuízo (pas de nullité sans grief): princípio da instrumentalidade das formas.

Mas, talvez, algum leitor possa estar se questionando: mas qual o motivo da necessidade de prévio processo administrativo para a aplicação de uma mera6 punição disciplinar? O motivo é que, em regra7, somente no processo administrativo disciplinar será possível ao militar exercer o seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa, utilizando-se de todas as provas permitidas na legislação.

E, caso a Administração Castrense não cumpra a legislação, o processo administrativo poderá ser considerado absolutamente nulo, e em consequência, nula será a punição disciplinar.

Vejamos uma importante e esclarecedora decisão do TRF2:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. INAFASTABILIDADE. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS AOS LITIGANTES EM GERAL. - Embora estejam os servidores militares submetidos à disciplina e regime jurídico próprios, que os distinguem dos funcionários públicos civis, encontram-se também sujeitos aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa quanto às infrações disciplinares que lhes são imputadas, conforme orientação assente na Suprema Corte. - A sindicância e o processo administrativo disciplinar, civil ou militar, são procedimentos de natureza vinculada e sujeitos ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário, sendo as garantias constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa de observância obrigatória também no âmbito administrativo, sob pena de nulidade do procedimento. - Outrossim, em que pese a Administração Pública estar adstrita ao princípio da legalidade, não há que prescindir de observar o princípio constitucional do devido processo legal, oportunizando o contraditório e a ampla defesa, mormente cuidando o licenciamento a bem da disciplina de uma penalidade e, não, de simples dispensa discricionária. - O desligamento do apelado, a bem da disciplina, sem apuração da suposta falta através de procedimento administrativo regular, com oportunidade de contraditório e ampla defesa, enseja a nulidade do ato administrativo correspondente, por violação à cláusula pétrea insculpida no art. 5º, LV, da Lei Magna. - Conclui-se, pois, que é nula a punição disciplinar quando não resulta do devido processo legal e quando não é propiciado do servidor o direito ao contraditório. Simples sindicância não guarda consonância com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não podendo dar causa a sanção disciplinar. - Conhecimento e improvimento do recurso e da remessa necessária. (TRF2 – AC nº 322372/RJ – 6ª Turma Especializada – Relator Desembargador Federal Carlos Guilherme Francovich - DJ de 09.07.2008)

 

Embora a sindicância8 não seja, em regra, um processo disciplinar, mas sim um procedimento inquisitório, assim como o inquérito policial militar9, poderá ocorrer que a partir de sua conclusão seja ordenada a instauração de processo administrativo disciplinar (Ex.: FATD).

A autoridade militar competente deverá instaurar processo disciplinar quando for constatado10 o cometimento, em tese, de transgressão disciplinar na conclusão da sindicância.

O objetivo desse processo administrativo disciplinar, decorrente da conclusão da sindicância, será apurar a falta disciplinar identificada na sindicância.

Se a sindicância não oportunizou ao investigado (sindicado) o direito ao contraditório e à ampla, não poderá haver imediata imposição de punição disciplinar, sendo necessária a instauração posterior11 de processo disciplinar específico.

Outro questionamento que se costuma fazer é o seguinte: se o prazo para conclusão do processo disciplinar for extrapolado, ocorrerá a nulidade do procedimento? A resposta é negativa, salvo se houver efetivo prejuízo à defesa do militar, sendo esse o entendimento sedimentado na Súmula nº 582 do STJ do ano de 2017:

 

Súmula nº 592: O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa.

 

Os demais tribunais seguem essa súmula, podendo-se citar a seguinte decisão recente do TRF3:

 

CIVIL. PROCESSO CIVIL. MILITAR. LICENCIAMENTO A BEM DA DISCIPLINA. ANULAÇÃO PAD. EXCESSO PRAZO. NULIDADES. NÃO PROVADAS. DESPROPORCIONALIDADE DA PENA. NÃO CONFIGURADA. APELAÇÃO NEGADA. 1. Aduz o apelante que a autoridade militar extrapolou o prazo concedido em Lei para solucionar o processo administrativo disciplinar. 2. Contudo, conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores e da Súmula nº 592 do STJ, somente haverá a decretação de nulidade em razão da dilação do prazo para a conclusão do PAD quando restar demonstrado o efetivo prejuízo à defesa do servidor, em razão do princípio pas de nullité sans grief. 3. No presente caso, não restou demonstrado qualquer prejuízo que o apelante tenha sofrido em decorrência da dilação de prazo do PAD instaurado para apurar as transgressões. 4. No presente caso, o apelante pretende a anulação da punição de licenciamento a bem da disciplina a ele aplicada, tendo em vista o cometimento de transgressões disciplinares, qual seja adulteração de avaliação do Curso de Comunicações da Escola de Sargentos. 5. Alega o apelante a ocorrência de diversas nulidades durante o processamento do PAD, as quais levariam a sua nulidade, bem como da punição aplicada. 6. Contudo, conforme se depreende dos autos, a sindicância foi instaurada por autoridade competente e com legitimidade para tanto, qual seja o Subcomandante da Escola de Sargentos das Armas, em posição de substituição ao Comandate. Além disso, ao apelante foi assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa, vez que foi devidamente notificado acerca da instauração da sindicância, com prazo para apresentar defesa prévia; o apelante foi ouvido pelas autoridades competentes durante o processo e apresentou alegações finais, tudo devidamente acompanhado por defesa técnica por ele nomeada. 7. Assim, para que fosse decreta a nulidade de referido procedimento, deveria ter sido provado o efetivo prejuízo sofrido pelo autor. 8. Cumpre salientar que o Código de Processo Civil de 2015 dispõe que o ônus da prova incumbe ao autor em relação aos fatos constitutivos do seu direito. 9. O E. STF já se manifestou na ADI nº 3.340/DF aduzindo que o art. 47, da Lei nº 6.880/80 foi recepcionado pela Constituição Federal, pelo que não há que se falar em inconstitucionalidade do referido artigo. 10. Assim, tratando-se de transgressões militares, cabe à lei ordinária especificar parâmetros essenciais da infração administrativa punível, bem como estabelecer limites máximos de sanção, sendo conferida às autoridades administrativas a complementação necessária à segurança jurídica, fundamentos jurídicos que dão amparo à plena recepção do art. 47, da Lei nº 6.880/1980 pelo sistema constitucional de 1988. 11. Além disso, o E. STJ firmou entendimento no sentido de que o controle do Poder Judiciário nos processos administrativos disciplinares restringe-se ao exame do efetivo respeito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, sendo vedado adentrar no mérito administrativo, cabendo à parte demonstrar efetivamente ofensa aos referidos princípios. 12. Assim, conforme se verifica dos documentos juntados aos autos, o apelante foi punido com pena de licenciamento a bem da disciplina, por ter adulterado sua pontuação em avaliação na Escola de Sargento de Armas. 13. Segundo restou apurado no FATD instaurado, o apelante cometeu as transgressões disciplinares enumeradas no RDAER, anexo I, nº 9, com desdobramento nº 2, do Normas para Aplicação de Sanções Escolares (NASE). 14. É fato incontroverso que, que o autor adulterou a sua avaliação durante a mostra de provas, vez que o fato foi descoberto em auditoria na Escola. 15. Assim, das informações constantes nos autos, verifica-se que o apelante foi punido disciplinarmente por infringir o regulamento disciplinar do Exército e as Normas da Escola de Sargento de Armas. 16. Apelação a que se nega provimento. (TRF3 – AC nº 5000079-32.2019.4.03.6005 - 1ª Turma - Relator Desembargador Federal Valdeci dos Santos – e-DJF3 de 16.09.2020)

 

Os direitos ao contraditório e à ampla defesa nos processos administrativos disciplinares são consequências do inciso LV do art. 5º da CF/88:

 

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

 

O processo administrativo disciplinar militar deve, obrigatoriamente, obedecer as regras constitucionais contidas nesse inciso LV, sob pena de nulidade de todo o processo disciplinar.

O descumprimento desse inciso constitucional resultará no cerceamento de defesa do militar, podendo ser questionado mediante habeas corpus, mandado de segurança ou ação de rito ordinário, podendo-se citar a seguinte decisão do TRF3:

 

PROCESSO CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. - Em face do disposto no artigo 14 da Lei n. 13.105/2015, aplica-se a esse processo o CPC/73. - O autor é servidor público militar e ajuizou a presente ação, pretendendo provimento jurisdicional que declare a nulidade da punição disciplinar que lhe foi imposta. - O exame judicial do ato administrativo deve restringir-se à análise de legalidade, sob pena de ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes, previsto no artigo 2º da Constituição Federal. Precedentes. - No caso concreto, o autor ingressou na Força Aérea Brasileira, por meio da Escola de Especialistas da Aeronáutica, em 17/7/1989 (fl. 25) e, em 19/7/1991, fornou-se Sargento, com especialidade em Aeronaves-BAV (mecânico) (fl. 26). - Segundo o Boletim Interno n. 015/00, o autor sofreu punição disciplinar de prisão por 6 (seis) dias, sob o fundamento de que "Como responsável pelo controle de itens como TBO na Anv C-95A de matrícula FAB 2292, deixou de comunicar à Chefia da Subdivisão de Aeronaves fato referente a itens com TBO vencidos instalados na aeronave e assumindo riscos sem que para isso estivesse hierarquicamente qualificado" (fl. 28). - Afirma o autor que a punição é ilegal, pois foi aplicada sem prévio processo administrativo e sem oportunidade de defesa. Alega que não era sua atribuição verificar e comunicar acerca de itens vencidos das aeronaves. Argumenta que passou por profundo constrangimento, por ter sido tendo sido punido com prisão, após 20 (vinte) dias da repreensão pública. - O artigo 5º, LIV, da Constituição Federal estabelece que ninguém poderá ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, princípio que constitui limite para o exercício do poder normativo, seja no plano legislativo - ao impor regras para a edição válida de normas gerais e abstratas -, seja no plano da criação de normas individuais, ao estabelecer balizas para o exercício legítimo dos poderes jurisdicional e administrativo do Estado. - Sendo assim, também aos militares, deve ser assegurado o direito de ser ouvido, ser comunicado e manifestar-se, sobre as decisões e os atos processuais que ensejam punições disciplinares, para que apresentem defesa, caso assim queiram. Cumpre ressaltar, no entanto, que essa oitiva não constitui mera formalidade. Ela é o próprio instrumento por meio do qual o acusado exerce influência, apresentando argumentos e ideias, bem como contestando fatos e imputações. - Mesmo antes da promulgação da Constituição, o artigo 34 do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (Decreto n. 76.322/75) já previa a necessidade de respeito ao direito ao contraditório na imposição de medidas administrativas disciplinares. - No caso dos autos, segundo os depoimentos pessoal da parte autora e das testemunhas, inclusive o superior hierárquico do autor na época dos fatos, não foi instaurado processo administrativo, do qual resultasse a decisão pela imposição da punição disciplinar. - A União Federal não juntou qualquer documento que comprove a cientificação do autor nem trouxe a Ré aos autos qualquer elemento que demonstre ter concedido o prazo de 15 (quinze) dias, previsto nos artigos 51, §1º, da Lei 6.880/80 - Estatuto dos Militares - e 59 do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica - Decreto 76.322/75. Tampouco provou ter a parte autora efetivamente exercido seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa. - Dessa forma, a inobservância dos limites impostos pelo princípio do devido processo legal, enseja o acolhimento do pleito da parte autora de anulação da punição administrativa disciplinar. (...). Remessa oficial improvida. (TRF3 - REO nº 00270755220054036100 - 11ª Turma - Relatora Juíza Federal convocada Noemi Martins – e-DJF3 de 06.04.2017)

 

O processo administrativo disciplinar nas Forças Armadas está normatizado nos seguintes regulamentos militares: Decreto nº 88.545/1983 (Marinha), Decreto nº 4.346/2002 (Exército) e Decreto nº 76.322/197512 (Aeronáutica).

Já os processos disciplinares das Forças Auxiliares seguem legislações próprias do Distrito Federal e de cada Estado do Brasil, todavia, todos, sem exceções, estão subordinados aos ditames constitucionais.

No ano de 2017, foi proferida uma decisão pelo TRF3 de grande importância para o direito administrativo disciplinar, haja vista que será, a princípio13, analisada pelo STJ e, também, pelo STF. Os desembargadores entenderam com suporte nos votos proferidos por ministros do STF na ADI nº 3.340-9/DF, que o Decreto nº 4.346/2002 é inconstitucional na parte que prevê a restrição da liberdade do militar sob o fundamento de que somente a lei em sentido estrito poderá restringir liberdades, conforme está fundamentado na respectiva a ementa:

 

APELAÇÃO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO MILITAR. ART. 5º, II e LXI, CF/88. ADI Nº 3.340-9/DF. ART. 47 LEI Nº 6.880/80. DECRETO Nº 4.346/2002. PUNIÇÕES ADMINISTRATIVAS. RESTRIÇÃO DA LIBERDADE INDIVIDUAL. PREVISÃO EXPRESSA EM LEI. AUSÊNCIA DE BASE LEGAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IN RE IPSA. 1 - No julgamento da ADI nº 3.340-9/DF, os ministros do STF dividiram-se em duas grandes vertentes: (i) para o relator, o Ministro Marco Aurélio, o Decreto nº 4.346/2002 foi editado na forma do art. 47 da Lei nº 6.880/80, o qual foi devidamente recepcionado, e o art. 5º, LXI, da CF/88, ao empregar a expressão "definidos em lei", refere-se tão somente aos crimes militares; (ii) para o Ministro Carlos Ayres Britto, o art. 5º, LXI, reserva para a lei a definição dos crimes militares e das transgressões, de modo que o Decreto nº 4.346/2002 padece de vício formal de constitucionalidade por haver desrespeitado aludida reserva legal. O Ministro Cezar Peluso propôs entendimento que seria via média dessas posições antagônicas. A reserva legal a que o art. 5º, LXI, faz referência incide tão somente para os crimes militares e as transgressões resultantes em restrição à liberdade de ir e vir. Entretanto, não se julgou o mérito da ADI nº 3.340-9/DF, ante a não observância do disposto no art. 3º, I, da Lei nº 9.868/99. 2 - Julgamento do presente caso não constitui controle de constitucionalidade na via difusa. Preservada cláusula de reserva de plenário do art. 97 da CF/88. As carreiras militares têm dois pilares fundamentais: o respeito à hierarquia e a disciplina de seus integrantes. Trata-se do que dispõe o art. 142, caput, da CF/88. A restrição do §2º faz alusão ao mérito das punições, cabendo o controle jurisdicional da legalidade dos procedimentos administrativos de punição de militares. 3 - Não obstante as particularidades das Forças Armadas, a privação da liberdade de ir e vir dos indivíduos é medida excepcional, de modo que deve sempre ser interpretada restritivamente - in dubio pro libertate - e ter como fundamento normativo uma lei em sentido estrito. Este último elemento adquire ainda mais importância, diante do que dispõe o art. 142, §2º, da CF/88. O art. 5º, LXI, da CF/88 exige que as transgressões ou crimes militares que resultarem em medidas restritivas de liberdade devem estar previstos em lei em sentido estrito. Sendo as medidas de restrição da liberdade individual excepcionais, somente cabe à lei enumerá-las. Inteligência do inciso II do art. 5º ("ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"). Em relação aos militares, devido à inexistência, via de regra, de habeas corpus para as punições disciplinares, esse preceito adquire maior relevância axiológica. Precedentes recentes do TRF5 e do TRF4: (AC 00005924920134058201, Desembargador Federal Roberto Machado, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::12/03/2015 - Página::106), (HC 00021357920134040000, PAULO AFONSO BRUM VAZ, TRF4 - OITAVA TURMA, D.E. 04/06/2013). 4 - Falta, no caso concreto, a devida base legal hábil a autorizar as autoridades militares a impor prisão/detenção disciplinar contra o apelante. Em consonância com o que já indicara o Ministro Cezar Peluso, não são nulas todas as disposições do Decreto nº 4.346/2002, sobretudo as transgressões disciplinares não resultantes em restrição da liberdade de ir e vir dos militares. Em se tratando de ato administrativo que importou em restrição da liberdade individual do apelante, sem que existisse a necessária tipificação prevista em lei, exsurge a responsabilidade civil do Estado na modalidade objetiva. Ante a ausência de previsão legal, está caracterizada hipótese de dano moral in re ipsa. Indenização por danos morais fixada em R$ 10.000,00. Juros e correção monetária nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. 5 - Apelação parcialmente provida. (TRF3 – AC nº 0008183-44.2009.4.03.6104 – 2ª Turma – Relator Desembargador Federal Cotrim Guimarães - e-DJF3 de 14.12.2017)

 

O acórdão dessa apelação cível do TRF3 ainda não transitou em julgado, posto que a União Federal interpôs recurso especial para o STJ e recurso extraordinário para o STF, todavia, ainda não foram julgados por esses Tribunais.

Em todos os processos administrativos disciplinares das Forças Armadas e Auxiliares deve-se oportunizar ao militar o direito ao contraditório e à ampla defesa previstos na CF/88, sendo de suma importância a parte final do inciso LV do art. 5º da CF/88: (...) são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...). Pois é justamente nessa última parte do inciso LV que se verifica a maioria das inconstitucionalidades14 presentes nos processos administrativos disciplinares.

Vejamos, agora, exemplos de irregularidades mais frequentes no âmbito do processo disciplinar militar: a) negativa da autoridade militar em permitir o acesso aos autos do processo disciplinar pelo militar-acusado; b) a ouvida de testemunhas da acusação sem a presença do militar–acusado; c) impedir que sejam ouvidas as testemunhas arroladas pelo militar-acusado em sua defesa; d) impedir que o militar-acusado participe do interrogatório das testemunhas; e) impedir ou dificultar o exercício do direito ao recurso administrativo; f) conceder prazo15 inferior para apresentação de defesa escrita; g) exigir o prévio cumprimento16 da pena disciplinar como condição para a interposição de recurso e h) indeferir, imotivadamente, qualquer diligência para produção de provas, dentre outras.

Não é raro encontrar17 ilegalidades e inconstitucionalidades nos regulamentos militares, principalmente, naqueles anteriores à CF/88.

A título de exemplificação, tem-se o RDAER e a Portaria nº 839/GC3, de 11 de setembro de 2003, que era um complemento desse regulamento disciplinar, sendo que foi revogada pela Portaria nº 96718/GC3, de 9 de outubro de 2009. Esta portaria revogada foi considerada inconstitucional (cerceamento de defesa) nos autos do Habeas Corpus nº 2009.51.51.009084-0 (5ª Vara Criminal do Rio de Janeiro) impetrado por mim em favor de Sargento contra o Comandante de Base Aérea de Santa Cruz (Rio de Janeiro).

Faz-se oportuno e interessante transcrever parte da decisão liminar que impediu a prisão desse Sargento da Aeronáutica:

 

Não é preciso observar que este Juízo não pode ingressar no exame do mérito da punição imposta ao militar acusado de transgressão disciplinar, em razão do disposto no art. 142, § 2º da CF. Contudo, tal não impede que o Judiciário examine a legalidade do procedimento adotado para a apuração da transgressão e aplicação da punição, e especialmente, se foram observadas as garantias mínimas do devido processo legal, como o direito à defesa e ao contraditório. Os documentos trazidos pela autoridade impetrada atestam que foi adotado um procedimento sumário, tal como regido na Portaria 839/GC3. Parece-me, contudo, que tal Portaria (que faço juntar aos autos) não assegura minimamente oportunidade de que o militar acusado se defenda. Por exemplo, no documento de fls. 23 o ora paciente é instado a apresentar justificativas, mas não lhe é facultada a indicação de testemunhas. A autoridade impetrada, ademais, não juntou os termos de depoimentos das testemunhas presenciais citadas na parte disciplinar de fls. 24/25. Assim, não há como saber se o militar interessado pode acompanhar e participar das oitivas. Além disso, está correto o impetrante quando pondera que o direito a um pedido de reconsideração está expressamente previsto no RDAER (arts. 58 e 59), que poderia ter sido formulado no prazo de quinze dias corridos, contados da data em que o peticionário teve ciência do ato a ser reconsiderado. Ocorre que no caso, o paciente foi cientificado em 11 de fevereiro (fls. 30) de que seria preso a partir de 16 de fevereiro (fls. 09). Embora, posteriormente essa data tenha sido modificada por motivos meramente administrativos (fls. 21), o fato é a previsão inicial de aplicação da punição disciplinar para apenas cinco dias depois já inviabilizava o manejo do pedido de reconsideração previsto no Regulamento. Entendo que deva ser deferida a liminar, pois a iminência da execução da punição disciplinar imposta ao paciente tornaria inócua eventual concessão da ordem neste habeas corpus. Ademais, deve ser assegurado ao paciente vista da íntegra do procedimento administrativo disciplinar antes da aplicação da referida pena. Isto posto, defiro a liminar para determinar à autoridade impetrada que se abstenha de iniciar a execução da pena de prisão imposta ao paciente, de que trata o Boletim Reservado 6, de 12.2.09, até posterior decisão. Determino ainda que seja disponibilizada para o paciente, bem como remetida a este Juízo cópia integral do procedimento disciplinar de que trata o presente habeas corpus. Oficie-se, incontinenti. Com a remessa da cópia do procedimento administrativo ora requisitada, ao Ministério Público Federal e voltem conclusos para sentença.

 

O TRF1, analisando mandado de segurança impetrado por militar, entendeu que é proibido à autoridade administrativa agir com abuso e arbítrio no processo disciplinar, pois assim fazendo, estará violando o devido processo legal:

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - MILITAR – PLEITO DE INAPLICABILIDADE DE PUNIÇÃO DISCIPLINAR SEM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DO REGULAMENTO DISCIPLINAR DA MARINHA - DEVIDO PROCESSO LEGAL – RECONHECIMENTO DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA - SENTENÇA MANTIDA. 1. A garantia constitucional do devido processo legal exige que a autoridade administrativa, no exercício de suas atividades, atue de maneira não abusiva e não arbitrária, para que seus atos tenham legitimidade ético-jurídica. 2. Tendo comunicado a autoridade impetrada o reconhecimento da procedência do pedido do impetrante, aplicando as normas previstas no regulamento disciplinar da Marinha, mediante oportunização de contraditório e ampla defesa e inaplicabilidade prévia de punição disciplinar, decorrente do ajuizamento de ações judiciais sem comunicação ao superior hierárquico, deve ser mantida a sentença concessiva da ordem, porquanto caracterizada a situação fática do artigo 269, inciso II, do Código de Processo Civil. 3. Remessa oficial desprovida. (TRF1 – RMS nº 200339000106441/PA – 7ª Turma - Relator Desembargador Federal José Amílcar Machado - DJ de 15.05.2006)

 

Agora um questionamento importante: o processo administrativo disciplinar é regido, exclusivamente, pelos regulamentos disciplinares19?

A resposta é negativa, principalmente pelo fato de que muitos são omissos ao não preveem em seus textos oportunidades ao exercício da ampla20 defesa constitucional.

Mas, se a resposta é negativa, então existirá alguma norma para suprir tais omissões? Sim, há pelo menos 02 (duas) normas, sendo a primeira a CF/88 e a segunda a Lei nº 9.784/199921, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Direta e Indireta Federal.

O TRF4 entende que a Lei nº 9.784/1999 aplica-se aos procedimentos administrativos disciplinares:

 

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. INQUÉRITO DISCIPLINAR MILITAR. ANÁLISE DA LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. CABIMENTO. 1. Tranquilo o entendimento no sentido de que é possível trazer ao Judiciário o exame dos pressupostos da legalidade do inquérito militar. 2. A restrição imposta pelo art. 142, § 2º, da Constituição Federal, refere-se ao mérito da punição disciplinar aplicadas aos militares. 3. O Decreto 4.346/2002 se limita a especificar as sanções previstas para as transgressões disciplinares estabelecidas pela Lei 6.880/80, sendo que, portanto, não há falar em inconstitucionalidade. 4. Na hipótese, inicialmente houve anulação do procedimento administrativo por ter sido conduzido por autoridade militar impedida, forte nos termos da Lei 9.784/99. Anulado o feito, novo processo disciplinar foi instaurado com base nos mesmos fatos, sem nenhum vício formal, com observação dos princípios do contraditório e ampla defesa. (TRF4 – HC nº 2008.04.00.032691-3/RS – 7ª Turma – Relator Desesmbargador Federal Tadaaqui Hirase - DJ de 16.10.2008)

 

Mas por qual motivo a Lei nº 9.784/1999 é aplicável aos Regulamentos Militares se já existem procedimentos específicos para os procedimentos necessários à verificação da transgressão disciplinar? É que, como dito antes, há omissões e dispositivos não recepcionados pela CF/88, assim como dispositivos inconstitucionais.

São 2 (dois) os fundamentos para tal aplicabilidade nos processos administrativos disciplinares militares: a) o art. 1º, caput, estabeleceu que a Lei nº 9.784/1999 discorre sobre as normas básicas a serem aplicadas no processo administrativo; e b) o art. 69 da Lei nº 9.784/1999 previu a possibilidade de sua utilização de forma subsidiária:

 

Art. 1º. Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.

 

Da interpretação conjunta dos arts. 1º e 69, conclui-se que independentemente da existência de leis específicas para determinados processos administrativos disciplinares militares das Forças Armadas deve-se, a princípio, verificar se estas normas estão em consonância com as regras básicas referentes ao processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Vejamos, agora, 2 (dois) artigos da Lei nº 9.784/1999 que são de grande importância para o estudo sobre processo administrativo, atentando-se para os trechos normativos em destaque:

 

Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Art. 3º. O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:

I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;

II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;

III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;

IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei.

 

Certamente, os leitores que são ou já foram militares, após as explanações até aqui discorridas, atentaram para o fato de que, não raramente, a Administração Militar descumpre normas básicas sobre processo administrativo disciplinar e citarei alguns exemplos: a) costuma-se negar vista dos autos do processo disciplinar ao militar-acusado; b) costuma-se não ouvir o militar-acusado; c) é prática comum indeferir22 pedido do militar-acusado no sentido de que seja marcada audiência para o colhimento dos depoimentos das testemunhas de defesa, e não raro, sequer há motivação do seu indeferimento; d) nega-se a juntada de documentos por parte do militar-acusado; e e) não se permite que o militar-acusado pronuncie-se sobre as provas23 produzidas contra o mesmo durante a instrução processual.

E agora uma pergunta: é possível contratar um Advogado para acompanhar um processo administrativo que visa apurar o cometimento de uma transgressão disciplinar pelo militar das Forças Armadas ou Auxiliares? Sim, sem qualquer sombra de dúvida, conforme previsão disposta no inciso XXI24 do art. 7º da Lei nº 8.906/1994, não havendo qualquer proibição legal, mesmo em se tratando de processo disciplinar militar. E, caso a Administração Militar impeça esse direito ao militar, o processo será nulo, e a autoridade poderá ser processada e julgada por crime de abuso de autoridade25, conforme previsão contida na segunda parte do parágrafo único do art. 20 da Lei nº 13.869/2019:

 

Art. 20. Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem impede o preso, o réu solto ou o investigado de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e com ele comunicar-se durante a audiência, salvo no curso de interrogatório ou no caso de audiência realizada por videoconferência.

 

O ato de uma autoridade militar impedir que um Advogado dê assistência (por exemplo: participar26 da audiência de interrogatório) a um militar-acusado num processo disciplinar é crime de abuso de autoridade, sendo um atentado ao exercício profissional da Advocacia.

Alguns leitores poderão estar se perguntando: a participação de um Advogado vai impedir uma punição disciplinar? Talvez, pois, o Advogado é conhecedor do ordenamento jurídico brasileiro, e dependendo da instrução processual, ou seja, das provas documentais e/ou testemunhais, diligências, depoimento do militar-acusado, dentre outros, a serem produzidos durante a instrução, será possível uma absolvição disciplinar. Diferentemente ocorre quando o militar-acusado está se defendendo sozinho e, muitas vezes, sem conhecimentos mínimos sobre normas jurídicas necessárias para a efetivação de uma defesa satisfatória no processo administrativo disciplinar. Ademais, importante frisar que em havendo ilegalidades formais no processo disciplinar, o Advogado poderá vislumbrar nulidades e conseguir uma anulação27 do processo e da punição disciplinar.

Importante, todavia, esclarecer que não é obrigatória a presença do Advogado no processo administrativo disciplinar, conforme teor da Súmula Vinculante nº 5 do STF:

 

Súmula Vinculante nº 5: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.

 

O atual Regulamento Disciplinar do Exército (Decreto nº 4.346/2002), certamente por ter sido promulgado após 14 (quatorze) anos da promulgação da Constituição Federal Democrática de 1988 é bem eficaz quando discorre sobre os direitos do militar sujeito à punição disciplinar e que, sem sombra de dúvidas, pode ser considerado como parâmetro28 a todos os demais regulamentos:

Art. 35. O julgamento e a aplicação da punição disciplinar devem ser feitos com justiça, serenidade e imparcialidade, para que o punido fique consciente e convicto de que ela se inspira no cumprimento exclusivo do dever, na preservação da disciplina e que tem em vista o benefício educativo do punido e da coletividade.

§ 1º Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados.

§ 2º Para fins de ampla defesa e contraditório, são direitos do militar:

I - ter conhecimento e acompanhar todos os atos de apuração, julgamento, aplicação e cumprimento da punição disciplinar, de acordo com os procedimentos adequados para cada situação;

II - ser ouvido;

III - produzir provas;

IV - obter cópias de documentos necessários à defesa;

V - ter oportunidade, no momento adequado, de contrapor-se às acusações que lhe são imputadas;

VI - utilizar-se dos recursos cabíveis, segundo a legislação;

VII - adotar outras medidas necessárias ao esclarecimento dos fatos; e

VIII - ser informado de decisão que fundamente, de forma objetiva e direta, o eventual não-acolhimento de alegações formuladas ou de provas apresentadas.

§ 3º O militar poderá ser preso disciplinarmente, por prazo que não ultrapasse setenta e duas horas, se necessário para a preservação do decoro da classe ou houver necessidade de pronta intervenção.

 

Porém, os leitores poderão estar se perguntando: mas por que é importante conhecer sobre o processo administrativo disciplinar? A resposta é simples: caso o superior hierárquico não permita ao militar exercer o direito à ampla defesa constitucional no âmbito disciplinar (exemplos: não permita o acesso aos autos, não atenda pedido de arrolamento de testemunhas, reduza prazos processuais, não permita a juntada de documentos, dentre outros), o processo disciplinar poderá ser anulado29 judicialmente.

E o suposto transgressor disciplinar, em alguns casos, poderá até ser solto mediante a impetração de habeas corpus30.

Melhor exemplificando: caso um militar do Exército seja acusado de cometer transgressão disciplinar, o regulamento prevê a concessão do prazo de 03 (três) dias úteis a contar da notificação para apresentar defesa escrita. Entretanto, caso o superior hierárquico somente lhe conceda 02 (dois) dias úteis ou mesmo não conceda dia algum para apresentar defesa escrita, apenas o ouvindo em audiência, o processo estará viciado por ilegalidade formal, logo, nesse caso, em regra, o Poder Judiciário ordenará a soltura do militar através do habeas corpus.

Consta no Anexo A modelo de petição de defesa administrativa disciplinar.

____________________________

1BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 429.

2Súmula nº 611 do STJ: Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração.

3Em regra, não é obrigatória a instauração de processo disciplinar militar por meio de portaria, assim como não há proibição. Logo, é perfeitamente permitido a instauração por meio de portaria ou por simples ato administrativo, a não ser que esteja previsto em norma jurídica da respectiva Força Armada ou Auxiliar que deve ser, obrigatoriamente, através de portaria.

4No meio militar é muito comum que superiores, a fim de não instaurarem processos disciplinares, e por consequência, decretarem detenções ou prisões disciplinares, darem castigos verbais aos militares. Exemplos: serviços extras, trabalhos após horário do expediente, dentre outros. Ocorre que tais castigos são, na prática, punições disciplinares, podendo, sem dúvidas, haver questionamento judicial, haja vista a ausência de prévio processo administrativo.

5ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MILITAR NÃO ESTÁVEL. LICENCIAMENTO EX OFFICIO A BEM DA DISCIPLINA. NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA. AMPLA DEFESA NÃO ASSEGURADA. DEVER DE INDENIZAR. NEXO CAUSAL ENTRE CONDUTA E DANO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. Cinge-se a controvérsia ao licenciamento de militar não estável das fileiras do Exército, a bem da disciplina, no dia 28 de março de 2000, sem sindicância ou processo administrativo disciplinar para oportunizar o exercício da ampla defesa e do contraditório. 2. O STJ orienta-se no sentido de que o militar não estável poderá ser licenciado, a bem da disciplina, sem prévio processo administrativo disciplinar, bastando, para tanto, sindicância em que seja assegurada a ampla defesa e o contraditório. 3. Na hipótese em exame, o Tribunal de origem consignou que, "segundo análise feita das provas colacionadas aos autos, vislumbra-se que não foi instaurada a sindicância para apuração de infração, inquérito administrativo ou processo disciplinar militar. O termo de inquirição não observou o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, com demonstração de prejuízos à defesa do militar". Desse modo, não há como afastar a nulidade do ato do licenciamento compulsório do autor. 4. A Corte a quo, com base na análise do contexto fático-probatório dos autos, reconheceu a existência do nexo de causalidade para a imputação da responsabilidade do ente público, considerando devida a indenização pleiteada. A revisão desse entendimento demanda nova análise dos elementos fático-probatórios dos autos, o que esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 5. Em relação ao quantum indenizatório, o Tribunal de origem, dadas as peculiaridades do caso, fixou a indenização por dano moral no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 6. O STJ consolidou orientação de que a revisão do valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não é o caso dos autos. 7. Recurso Especial não provido. (STJ - RESP nº 1651677 – 2ª Turma – Relator Ministro Herman Benjamin – DJe de 24.04.2017)

6Citei este termo mera, pois é possível que, ao final do processo, seja o militar punido com advertência verbal que sequer, dependendo do regulamento disciplinar, será anotada na sua ficha funcional.

7Caso outro procedimento, como a sindicância militar, permitir ao militar o contraditório e a ampla defesa, não será necessária a instauração de processo disciplinar específico para punir o militar, ou seja, a punição poderá ser imposta nos autos da própria sindicância.

8Será estudada no Capítulo 2.

9Será estudado no Capítulo 3.

10HABEAS CORPUS - ANULAÇÃO DE PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR - CABIMENTO DO HABEAS CORPUS - INCLUSÃO DE SOLDADO DA PM EM SINDICÂNCIA DISCIPLINAR NA FASE FINAL, SEM OPORTUNIDADE DE DEFESA PRÉVIA - OFENSA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA - CONFIGURAÇÃO - ORDEM CONCEDIDA. 1. Não obstante a restrição do art. 142, §2º, da Constituição Federal de 1988, a impetração do habeas corpus contra punição disciplinar militar mostra-se viável quando a impugnação se volta a questões formais e legais inerentes aos pressupostos do processo disciplinar, sem incursão no mérito da causa. 2. Padece de nulidade absoluta a punição disciplinar imposta a policial militar incluído tardiamente em sindicância que já se encontrava na fase final, sem que fosse garantido ao novo sindicado o exercício pleno da ampla defesa e do contraditório, inclusive com a apresentação de defesa prévia e indicação das provas que pretende produzir. 3. Os princípios do contraditório, da ampla defesa e instrução probatória são garantias constitucionais inerentes a qualquer procedimento judicial e administrativo, civil ou militar, de modo que a inobservância desses preceitos eiva de nulidade absoluta todos os efeitos dali advindos. 4. Ordem concedida. (TJDFT – Acórdão nº 265856 – Processo nº 20060020035659HBC – 2ª Turma Criminal - Relator Desembargador José de Aquino Perpétuo - DJU de 11.04.2007)

11ADMINISTRATIVO. MILITAR. ANULAÇÃO DE SINDICANCIA. CUMPRIMENTO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DESOBEDIENCIA A ORDEM SUPERIOR CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE DANO MORAL. 1. Hipótese de apelação interposta pela parte autora, em face de sentença que julgou improcedente o pleito autoral, objetivando que seja anulada a punição disciplinar referente ao processo de transgressão militar do 3ª Sargento, autor, bem como seja arbitrado o dano moral. 2. Jurisprudência do STJ assentou entendimento de que "na sindicância instaurada com caráter meramente investigatória ou preparatória de um processo administrativo disciplinar é dispensável a observância das garantias do contraditório e da ampla defesa" (STJ, 3ª Seção, MS 13958/DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJE 01/08/2011). 3. Instaurado, posteriormente, o procedimento administrativo para apurar a falta cometida pelo autor, com aplicação larga dos princípios do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes revestindo o ato com a devida legalidade. 4. Ausência de nulidade do ato administrativo, restando prejudicado o pedido de indenização por eventuais danos morais. 5. Apelação improvida. (TRF5 – AC nº 00032208920104058500 - 3ª Turma - Relator Desembargador Federal Marcelo Navarro - DJe de 11.04.2013)

12Há, atualmente, 1 (uma) norma jurídica inferior que complementa esse Decreto: ICA 111-6/2021 (Regulamentação da sistemática de apuração de transgressão disciplinar e da aplicação da punição disciplinar).

13Os autos ainda estão no TRF3, logo, ainda será necessário que, após a remessa ao STJ e, posteriormente, ao STF, os respectivos ministros admitam (aceitei) os recursos para fins de que sejam julgados pelos respectivos tribunais.

14ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. MILITAR. INFRAÇÃO DISCIPLINAR. PENALIDADE DE DETENÇÃO. AUSÊNCIA DE SINDICÂNCIA. NULIDADE. DANOS MORAIS. NÃO OCORRÊNCIA. I. Trata-se de avaliar pedido formulado por militar ativo do Exército, visando ao reconhecimento da nulidade da punição disciplinar que lhe foi imposta, com efeitos retroativos à data de aplicação, bem como a condenação ao pagamento de compensação por danos extrapatrimoniais decorrentes de suposta aplicação indevida da penalidade referida. II. A análise dos autos demonstra que o autor passou de testemunha a investigado no processo disciplinar, não sendo, entretanto, notificado para apresentação de defesa prévia, arrolar testemunhas (fls. 214), assistir depoimentos, oferecer alegações finais (fls. 210, 212, 224 e 226) e praticar os demais atos necessários ao contraditório e ampla defesa. Em dezembro do mesmo ano tomou conhecimento da imposição de penalidade de prisão em seu desfavor. Somente após a decisão o autor notificado para apresentar defesa e pedido de reconsideração da punição aplicada, através do boletim interno n.° 241, de 27 de dezembro de 2013. III. Observa-se, deste modo, a inequívoca violação ao disposto no artigo 16 da Portaria 107/2012 do Comando do Exército, segundo o qual "o sindicado tem o direito de acompanhar o processo, apresentar defesa prévia e alegações finais, arrolar testemunhas, assistir aos depoimentos, solicitar reinquirições, requerer perícias, juntar documentos, obter cópias de peças dos autos, formular quesitos em carta precatória e em prova pericial e requerer o que entender necessário ao exercício de seu direito de defesa ". Não se pode, portanto, reconhecer a legalidade da sanção imposta, considerando que "Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados" (art. 35 do Decreto nº 4.346/02) IV. Dada a especificidade das atividades castrenses, a responsabilidade civil da União resolve-se no âmbito da relação estatutária mantida entre o militar e o Exército do Brasil (Lei n. 6.880/80), restando afastada a condenação a pagamento de compensação por danos morais. V. Parcial provimento do recurso da União e da Remessa Necessária. Desprovimento do recurso do autor. (TRF2 – APELREEX nº 0125574-73.2014.4.02.5101 – 8ª Turma especializada – Relator Desembargador Federal Marcelo Pereira da Silva - Dje de 15.12.2017)

REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. MILITAR. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. ANULAÇÃO DA PENALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NEGADO PROVIMENTO À REMESSA E AO RECURSO DA UNIÃO. 1. A Administração Militar, após as conclusões obtidas no Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar nº 048-13, aplicou ao autor, Soldado do 25º Batalhão de Infantaria Pára-quedista do Exército, punição disciplinar de 10 (dez) dias de detenção, na forma do Anexo I, item 09, do Decreto nº 4.346/2002, pela prática de transgressão média, por ter mantido em sua posse, na data de 21/03/2013, aparelho telefônico que não lhe pertencia. 2. In casu, reputa-se ilegal a decisão proferida pelo Comando do Exército que aplicou a penalidade de detenção ao autor, uma vez que na transgressão imputada ao militar não foram ouvidos os envolvidos no caso, entre os quais o proprietário do celular que ficou em posse do autor; o Sargento que entregou ao militar o aparelho que lhe não lhe pertencia; ou o Soldado que encontrou o celular do demandante. Ademais, a Administração Castrense se limitou a mencionar os dispositivos legais que ensejaram a referida punição. Todavia, sequer esmiuçou as razões que levaram a decidir pela necessidade de sua aplicação. 3. Na presente hipótese, necessária a anulação da punição disciplinar imposta ao autor, bem como o cancelamento dos seus efeitos, com a retirada do respectivo registro na sua ficha disciplinar individual e nas folhas de alterações, nos termos do artigo 43 do Decreto nº 4.346/2002, tendo em vista que a aplicação da referida penalidade não se encontra devidamente fundamentada e não foi apurada mediante procedimento que assegurou ao militar a garantia constitucional do direito ao contraditório e à ampla defesa. 4. (...). 5. Negado provimento à remessa necessária e à apelação da União Federal. (TRF2 - APELREEX nº 01184042320144025110 - 5ª Turma Especializada– Relator Desembargador Federal Aluísio Gonçalves de Castro Mendes – DJe de 18.11.2015)

15Na Aeronáutica, o prazo para a apresentação de defesa escrita é de até 5 (cinco) dias úteis com possibilidade de prorrogação, conforme previsões dispostas nos itens nºs 5.1.2 e 5.1.3 da ICA 111-6/2021:

5.1.2 Após as providências da alínea anterior, o apurador deverá convocar o arrolado à sua presença para informá-lo da abertura do PATD. No ato de cientificação, o apurador deverá:

a) cientificar o militar da abertura do PATD, mediante assinatura no campo próprio do FATD, entregando-lhe cópia de todos os documentos que compõem os autos, juntamente com a folha de Alegações de Defesa (Anexo F);

b) comunicar ao arrolado os seus direitos, dentre eles, o de formular sua defesa, por escrito, podendo constituir advogado, se assim o desejar, bem como produzir as provas para a defesa de seus interesses, no prazo de até 05 (cinco) dias úteis, contados do primeiro dia útil subsequente ao recebimento do FATD, prorrogável por igual período, nos termos do item 5.1.3 e

c) caso o militar se recuse a assinar o FATD, certificar o fato, na presença de duas testemunhas, preferencialmente mais antigas que o arrolado, conforme modelo de certidão de recusa de ciência (Anexo E).

5.1.3 O prazo previsto no item 5.1.2, “b”, poderá ser prorrogado, por igual período, pelo próprio oficial apurador, desde que o arrolado apresente, devidamente justificada e por escrito, a impossibilidade de formular as suas alegações de defesa, no prazo consignado inicialmente.

16ADMINISTRATIVO. MILITAR. PUNIÇÃO DE NATUREZA DISCIPLINAR. HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA PARA PERMITIR AO MILITAR QUE RECORRA EM LIBERDADE DA PENA DE PRISÃO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO PUNITIVA INDEFERIDO. RECURSO ADMINISTRATIVO NÃO INTERPOSTO. PERDA DO OBJETO DO WRIT. RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO PREJUDICADO. 1. A ordem em habeas corpus foi concedida para que o militar pudesse recorrer em liberdade da punição disciplinar a ele imposta. Atendendo ao despacho de fl. 230-e, a União informa que "o militar em tela não recorreu à instância superior referente ao indeferimento do pleito da reconsideração de ato e não cumpriu os dias restantes da punição disciplinar" (fl. 236-e). Como se vê, já foi apreciado pedido de reconsideração, e não houve interposição de recurso administrativo; assim, é de se reconhecer a perda do objeto do recurso especial, tendo em vista que busca reverter ordem concedida em habeas corpus para afastar o cumprimento imediato da pena, permitindo ao militar que recorra em liberdade. 2. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no Resp nº 1391474/RS - 2ª Turma - Rel. Ministro Mauro Campbell Marques - DJe de 28.02.2014)

17Não me aprofundarei nas ilegalidades e inconstitucionalidades contidas em alguns regulamentos disciplinares militares das Forças Armadas e Auxiliares, entretanto, poderá ser objeto de um futuro livro.

18Esta portaria foi revogada pela Portaria nº 782/GC3, de 10 de novembro de 2010, estando esta última revogada pela ICA 111-6/2021.

19Desde já, esclareço que é possível que um Juiz Federal entenda que, por exemplo, o RDAER não tenha nada de ilegal, nada de inconstitucional e nada a ser suprimido; e já outro Juiz Federal entenda contrariamente, e assim por diante, e isso não é nada surpreendente, pois os Juízes julgam, em regra, de acordo com seu entendimento pessoal sobre a lide e não raras vezes até contrariamente ao texto constitucional, e é por isto que existem os recursos judiciais.

20Não é porque consta explicitamente em um regulamento disciplinar que o militar tem direito ao contraditório e à ampla defesa que, na prática, tais regras constitucionais serão cumpridas. Ressalte-se que o inciso constitucional pertinente informa o seguinte: (...) contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (...)”.

21Súmula nº 633 do STJ: A Lei n. 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente norma local e específica que regule a matéria.

22HABEAS CORPUS - PROCESSO ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO MILITAR - CERCEAMENTO AO DIREITO DE DEFESA - DECRETO Nº 4.346/02 - CONSTITUCIONALIDADE - IMPROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E AO RECURSO VOLUNTÁRIO. 1. A Constituição Federal de 1988 assegura ao indivíduo, no processo judicial e administrativo, o devido processo legal. 2. Consiste em violação ao princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, o ato do sindicante que, em sede de processo administrativo militar, indefere indevidamente a oitiva de testemunhas arroladas pelo paciente. 3. O Decreto nº 4.346/2002 é constitucional em razão de inexistência de vício formal consoante o resultado do julgamento da ADI 3340/DF, eis que ao referido decreto compete tão somente de especificar as transgressões militares. 4. Recurso e remessa oficial desprovidos. (TRF3 – RSE nº 00134987920114036105 – 5ª Turma – Relator Juiz Federal convocado Rafael Margalho - e-DJF3 de 12.06.2012)

23Súmula nº 591 do STJ: É permitida a prova emprestada no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa.

24Art. 7º. São direitos do advogado:

(…)

XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

(...)

25Ver Capítulo 5 sobre Representação por Abuso de Autoridade.

26Pode parecer absurdo tal proibição, mas isso acontece e não raramente, inclusive um colega Advogado que foi contratado para acompanhar um processo disciplinar em quartel da Aeronáutica foi, inicialmente, proibido de ingressar na sala de audiência, somente conseguindo, após insistir e alegar que estava exercendo sua profissão.

27Se a prisão disciplinar for considerada ilegal, a autoridade militar competente poderá ser processada e julgada por crime de abuso de autoridade, e ainda será cabível ação de indenização por danos morais e exclusão da punição das alterações militares (ficha funcional militar).

28Entendo que o § 3º é inconstitucional, todavia, não será objeto de estudo nesta obra.

29ADMINISTRATIVO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. BREVIDADE ENTRE A CIENTIFICAÇÃO DO INTERESSADO E A DECISÃO FINAL. DIREITO À AMPLA DEFESA CERCEADO. NULIDADE VERIFICADA. CONTROLE JUDICIAL DE LEGALIDADE. PUNIÇÃO AFASTADA. DIREITO À CONTINUIDADE DO CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS AVIADORES ASSEGURADO. 1 - O processo administrativo instaurado sem que seja oportunizado o direito de defesa é nulo, por violar a garantia constitucional à ampla defesa e o princípio do devido processo legal (art. 5º, LV, CF). 2 - In casu, o exíguo lapso temporal compreendido entre a cientificação do militar acerca do procedimento disciplinar instaurado e a sua decisão final contrasta com a garantia da ampla defesa. 3 - Caracterizados o fumus boni iuris e o periculum in mora necessários à concessão da medida cautelar, diante do prejuízo advindo ao autor com a descontinuação do curso em que inscrito. 4 - O ato ilegal deve ser declarado nulo pelo Poder Judiciário. Não se trata de interferência no mérito administrativo, tampouco intervenção de um Poder no outro, mas de controle judicial de legalidade. 5 - Reexame necessário e apelação improvidos. (TRF3 – APELREEX nº 00012973520054036115 – 5ª Turma - Relatora Juíza Federal convocada Louise Filgueiras - e-DJF3 de 19.04.2017)

30PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ATO DISCIPLINAR MILITAR. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DE PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR ANTES DO CUMPRIMENTO DA REFERIDA PUNIÇÃO. DIREITO À AMPLA DEFESA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. O controle de ato disciplinar militar pelo habeas corpus somente é vedado no seu mérito, isto é, no que se refere a sua conveniência e oportunidade, não se aplicando a vedação quanto à análise da legalidade da punição. Precedentes jurisprudenciais do egrégio Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal Regional Federal. 2. No caso presente, depreende-se não ter sido oportunizado ao paciente o direito ao pedido de reconsideração da decisão de punição disciplinar militar antes do cumprimento da referida punição, motivo pelo qual não se pode afirmar ter ocorrido, na hipótese, a integral observância do direito à ampla defesa do ora paciente. 3. Habeas corpus concedido. (TRF1 – HC nº 0014211-56.2012.4.01.0000/DF – 4ª Turma - Desembargador Federal Ítalo Fioravanti Sabo Mendes - e-DJF1 de 14.09.2012)

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